REl - 0600125-74.2024.6.21.0036 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/10/2024 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

No que tange ao exame de admissibilidade, cabe, inicialmente, referir que a sentença foi prolatada em 16.8.2024 e a intimação das partes deu-se em publicação no mural eletrônico no dia 19.8.2024. A interposição do recurso, de acordo com os dados do sistema PJe, ocorreu somente no dia 22.8.2024, portanto, após o transcurso do prazo recursal de um dia.

No ponto, efetivamente, é sabido que, nos termos do § 8º do art. 96 da Lei n. 9.504/97, o recurso contra decisão em representação ou reclamação fundadas no descumprimento de preceito estabelecido na Lei das Eleições deve ser interposto no prazo de vinte e quatro horas da publicação em cartório ou sessão, sendo tal prazo convertido para um dia pela redação do art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19, cabendo a sua observância mesmo que a decisão seja proferida fora do período eleitoral. In verbis:

“[…] Representação pela prática de propaganda eleitoral antecipada. […] Prazo recursal. 24 horas, mesmo fora do período eleitoral. Art. 96, § 8º, da Lei n° 9.504/97. […] 1. O prazo para a interposição de recursos nas representações pela prática de propaganda eleitoral antecipada é de 24 horas, mesmo que a decisão seja proferida fora do período eleitoral, não sendo aplicável o prazo de três dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral. Precedente. […]” (Ac. de 3.9.2013 no AgR-AI nº 13904, rel. Min. Luciana Lóssio.)

Assim, estar-se-ia diante de recurso claramente intempestivo.

Entretanto, por equívoco, a parte recorrente foi comunicada pelo Cartório Eleitoral de que o prazo para a interposição do recurso seria de três dias, conforme informação aferível na área de expedientes do sistema PJe de Primeiro Grau.

Logo, tenho que a falha cometida pelo Poder Judiciário não pode prejudicar o recorrente.

Nesse sentido,  filio-me ao precedente do colendo TSE para conhecer do recurso:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. INTEMPESTIVIDADE. APLICAÇÃO DO PRAZO ESTABELECIDO NO ART. 96, § 8º, DA LEI 9.504/97 MESMO FORA DO PERÍODO ELEITORAL. DESPROVIMENTO DO AGRAVO.

1. Prazo para a interposição do agravo cadastrado incorretamente pela Secretaria Judiciária no PJe. Erro do próprio Poder Judiciário que não pode prejudicar os agravantes, impondo–se o conhecimento do agravo. Precedentes do STJ e do TRE/RJ. 2. O rito das representações por propaganda eleitoral irregular está previsto no art. 96 da Lei nº 9.504/1997, cujo § 8º estabelece que os recursos devem ser interpostos no prazo de 24 horas da publicação da decisão. 3. O mesmo prazo está previsto no art. 22 da Resolução TSE n.º 23.608/2019, havendo apenas a conversão do prazo em horas para o prazo de 1 dia, em consonância com a jurisprudência da Corte Superior. 4. A alegação de que o prazo de 24 horas, ou 1 dia, não se aplica fora do período eleitoral não merece prosperar, visto que não há qualquer ressalva na legislação quanto ao período de sua aplicação. Jurisprudência do TSE. 5. O art. 258 do Código Eleitoral prevê expressamente que o prazo de 3 dias é residual, isto é, somente se aplica se a lei não fixar prazo especial. 6. DESPROVIMENTO do agravo. (TRE-RJ – REl: 0600462-75.2020.6.19.0063 SILVA JARDIM – RJ 060046275, Relator: Afonso Henrique Ferreira Barbosa, Data de Julgamento: 06/10/2022, Data de Publicação: DJE-298, data 13/10/2022) Grifei.

Preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, tenho que deva ser conhecido o presente recurso eleitoral.

 

MÉRITO

Quanto ao mérito recursal, entendo não caber provimento. Senão vejamos.

O recorrente se insurge contra a sentença que julgou improcedente a representação por impulsionamento de propaganda eleitoral antecipada negativa. In casu, MÁRIO RAUL DA ROSA CORRÊA, teria veiculado o conteúdo no stories de sua conta no Instagram (URL <https://www.instagram.com/marioraul13/?igsh=OGVjaWJiZHhkZGoy>) com os seguintes dizeres:

“[...] Olha isso aqui! Essa é a realidade do Município de Quaraí hoje.

Essa é a situação do patrimônio dos quaraienses.

Nossas ruas todas esburacadas. Eu fico triste e com o coração apertado.

Olha a situação da nossa cidade. O mato tomando conta.

Vem cá, vamos dar uma olhadinha na nossa pracinha [...].

Isso foi uma conquista nossa, do nosso governo, que eles tanto falam mal da nossa pracinha. Hoje, totalmente abandonada. 
Nada foi feito nessa localidade. [...]"

A Resolução TSE n. 23.610/19, ao disciplinar a propaganda eleitoral na internet, dispõe, em seu art. 27:

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57-A) (Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020)

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 2º As manifestações de apoio ou crítica a partido político ou a candidata ou candidato ocorridas antes da data prevista no caput deste artigo, próprias do debate democrático, são regidas pela liberdade de manifestação. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

Outrossim, a mesma Resolução n. 23.610/19, em seu art. 28, reforça o direito à liberdade de manifestação assegurada a qualquer eleitor, liberdade essa que somente será passível de limitação se abusiva, por ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, conforme se lê:

Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, I a IV)

(…)

§ 6º A manifestação espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político-eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidata, candidato, partido político, federação ou coligação, não será considerada propaganda eleitoral na forma do inciso IV do caput deste artigo, desde que observados os limites estabelecidos no § 1º do art. 27 desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021).

No caso em apreço, observa-se que a postagem impugnada não traz, em si, propaganda eleitoral negativa, e sim crítica à administração municipal, sem que se exsurja do seu conteúdo afirmação de fato sabidamente inverídico ou ofensivo à honra ou imagem de terceiro, caracterizando, conforme assevera o Parquet Eleitoral, “o exercício regular do direito de crítica à Administração Pública, inerente ao debate democrático e corolário do direito constitucional à liberdade de expressão (art. 5º, inc. IV, da CRFB)”.

Ainda, não restou configurada a propaganda eleitoral antecipada, já que não houve pedido explícito de voto ou de uso de termos ou expressões que transmitam esse conteúdo, nos termos do art. 3º-A da Resolução TSE n. 23.610/19, nem o representado incorreu no fato típico da propaganda eleitoral antecipada negativa mas, sim, teceu críticas à gestão do atual prefeito e então pré-candidato à reeleição, tudo dentro de aceitável normalidade ínsita ao debate político, cabendo a sua observância mesmo que a decisão seja proferida fora do período eleitoral.

A publicação veiculada pelo ora recorrido, efetivamente, tece críticas ao governo atual de Quaraí, ao demonstrar sua indignação em face das condições de alguns pontos da cidade, mas, como apontado pelo Juízo a quo, não ataca diretamente a pessoa do então pré-candidato a prefeito, JEFERSON DA SILVA PIRES, não ofendendo sua honra ou imagem, tão somente “insinua que alguns aspectos de sua gestão não estariam adequados, não sendo possível caracterizar a publicação como propaganda antecipada, pois não há nenhum tipo de menção expressa à candidatura ou pedido de voto ou não voto”.

Nessa altura, importa gizar que o tema da propaganda eleitoral extemporânea ou antecipada, conforme redação dada ao art. 36-A da Lei das Eleições, introduzido pela Lei n. 13.165/15, estabelece que a vedação tem por objeto o pedido explícito de voto (ou não voto), sem o que não se caracteriza a propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada para tal, ou mesmo da utilização dos recursos para tal finalidade.

Por conseguinte, atos sem pedido explícito de votos e dissociados de quaisquer outros elementos pelo quais se depreenda a relação com a disputa eleitoral vindoura consistem em “indiferentes eleitorais”, ou seja, atos fora do alcance das proscrições da legislação eleitoral e, bem assim, da alçada da Justiça Eleitoral.

Em tal sentido é o entendimento do egrégio TSE, como a seguir se vê:

ELEIÇÕES 2022. RECURSO EM REPRESENTAÇÃO. CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. VEICULAÇÃO DE ENTREVISTA EM PROGRAMA NA TELEVISÃO E REPRODUÇÃO NO PERFIL PESSOAL DO RECORRIDO NO INSTAGRAM. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ILÍCITO.

AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE CRIME. NEGADO PROVIMENTO.

1. As críticas políticas, ainda que duras e ácidas, mas ancoradas em fatos certos, públicos e notórios, estimulam o debate sobre pontos "fracos" das administrações públicas e levam à reflexão da população, para que procure entre os possíveis competidores a melhor proposta para a comunidade.

2. É vedada a prática de propaganda eleitoral antecipada negativa, com discurso de ódio e pedido explícito de voto ou de não voto. Por outro lado, a extensão maior da noção de propaganda antecipada negativa a qualquer manifestação prejudicial a possível pré–candidato ou grupo político inibe as discussões de temas que devem ser levados para a reflexão da sociedade.

3. No caso, não se verifica pedido explícito de voto, de não voto, discurso de ódio ou imputação de crime, nem se verifica atribuição de vinculação direta do pré–candidato com a milícia ou conteúdo que exorbite a liberdade de expressão por se tratar de crítica política a diversas administrações, fundada em fatos públicos e notórios.

4. Negado provimento ao recurso. (REl nº 060074723. Relator Min. Raul Araujo Filho, DJe de 28.04.2023.)

Por seu turno, a jurisprudência deste TRE-RS, alinhada ao entendimento predominante no TSE, tem, acerca da matéria em tela, decidido da seguinte forma:

RECURSO. ELEIÇÃO 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. INTERNET. REDE SOCIAL. FACEBOOK. IMPROCEDENTE. PEDIDO DE DIREITO DE RESPOSTA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO NA ORIGEM. NÃO CARACTERIZADA OFENSA AO ART. 36-A DA LEI N. 9.504/97. PREFEITO E PRÉ-CANDIDATO À REELEIÇÃO. FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO NÃO CONFIGURADO. CRÍTICA POLÍTICA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO.

1. Alegada prática de propaganda eleitoral antecipada negativa, na rede social Facebook, contra prefeito candidato à reeleição. Publicação de mensagens manifestamente inverídicas acerca de reordenação na rede de iluminação pública do município, as quais induziriam os eleitores a acreditar ter havido superfaturamento na contratação.

2. Satisfeito o requisito exigido pelo art. 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19, quanto às manifestações em ambiente de internet, para o conhecimento da presente representação, uma vez que informados os endereços eletrônicos das postagens e comprovada a autoria das publicações.

3. A partir da Reforma Eleitoral introduzida pela Lei n. 13.165/15, o legislador passou a adotar uma postura liberalizante com relação à propaganda eleitoral no período da pré-campanha, considerando legítimas as condutas elencadas no art. 36-A da Lei n. 9.504/97, desde que não envolvam o pedido explícito de votos, dentre as quais a exaltação das qualidades pessoais do pré-candidato, a divulgação de posicionamento particular sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais, e o pedido de apoio político.

4. Também estabelecido, de forma expressa, para as eleições 2020, que a restrição ao exercício da liberdade de pensamento e de expressão, inclusive na rede mundial de computadores, deve ser reservada às hipóteses em que se torna imprescindível coibir excessos, que transbordem os limites delineados pelo princípio democrático dentro do espaço político-eleitoral, implicando ofensa à honra e à imagem de candidatos, partidos políticos ou coligações, ou divulgação de fato sabidamente inverídico, nos termos do disposto no art. 27, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

5. As críticas incisivas e contundentes, inclusive por meio de sátiras e recursos humorísticos, como na hipótese, são inerentes ao embate político. A discussão acerca da eficiência administrativa dos gestores públicos, ainda que eventualmente desabonadora da atuação de determinado governante, não configura ofensa à sua imagem ou honra, estando, assim, circunscrita à esfera legítima da manifestação do pensamento, albergada pelo direito à liberdade de expressão. O Tribunal Superior Eleitoral tem, reiteradamente, afirmado que os exercentes de mandatos eletivos, dada a natureza pública das funções desempenhadas e a projeção política exercida no meio social, devem desenvolver maior tolerância ao juízo crítico dos cidadãos, especialmente durante o processo eleitoral, permeado pelo acirramento das divergências ideológicas relacionadas à consecução das políticas públicas (TSE, RESPE n. 219225/AP, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJE de 11.4.2018, pp. 31-32).

6. A qualificação do fato como sabidamente inverídico exige que a falsidade seja perceptível de plano, isto é, seja incontestável e indiscutível, independentemente de investigação prévia, e não admita, sequer, a crítica política, como se verifica relativamente ao teor das postagens em exame. Não configurada a prática de propaganda eleitoral negativa.

7. Provimento negado. (Recurso Eleitoral n 060006088, ACÓRDÃO de 15.10.2020, Relator ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 16.10.2020.)

Dessarte, a sentença exarada pelo Magistrado da 036ª Zona Eleitoral de Quaraí é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMETO ao recurso eleitoral interposto por JEFERSON DA SILVA PIRES.