REl - 0600052-18.2024.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/10/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, é incontroverso que, no dia 10.10.2024, Manuela Pinto Vieira D’Ávila publicou em seu perfil na rede social Instagram um vídeo com um pequeno trecho de debate realizado na Rádio Gaúcha, em que Sebastião Melo afirma à sua adversária Maria do Rosário: “Não venha com esse discurso, Deputada. A senhora está muito agressiva. Vamos conversar sobre a cidade, entendeu”.

O vídeo finaliza com um card em que, sobre a foto do candidato, aparecem as expressões: machismo, violência política de gênero, misoginia, velha política, Porto Alegre alagada, corrupção na educação, Ministério Público de Contas também investiga Sebastião Melo pelo escândalo da Smed, dentre outras.

Ao lado do vídeo, consta o comentário de Manuela D’Ávila:

Quantas vezes você se posicionou e ouviu que estava exagerando, sendo agressiva, raivosa? Na política não é diferente. Melo repete a mesma estratégia de 2020. Eu não esqueço do debate final. Ele estava tão amedrontado que levou uma pasta preta com um dossiê com o nome do homem que me agrediu o primeiro turno inteiro. É um covarde. Quando questionado sobre os problemas e casos de corrupção na sua gestão, chama a mulher de agressiva. Não passa de violência política de gênero. O mesmo que seu apoiador, Bolsonaro, que ele tenta esconder, pratica. Nós sabemos que Maria do Rosário é a melhor opção para Porto Alegre. É hora de eleger a primeira prefeita da cidade e entregar nossa capital nas mãos de quem vai cuidar do nosso povo!

 

A materialidade, autoridade e disponibilidade da postagem pode ser verificada mediante acesso à URL: https://www.instagram.com/reel/DA8hl_px_Or/?igsh=MTc1YjhzdTZsd2FxZA%3D%3D.

Cabe anotar que a recorrida não disputou qualquer cargo eletivo no pleito de 2024 e que sua manifestação é realizada na qualidade de eleitora ou apoiadora, embora detenha notória influência política sobre certos setores do eleitorado.

Fixadas tais bases fáticas, cumpre analisar se o conteúdo divulgado extrapolou os limites da liberdade de manifestação e infringiu a legislação eleitoral.

Nesse aspecto, não se pode olvidar que, em um Estado Democrático de Direito, é imprescindível que os eleitores e demais atores políticos possam manifestar suas opiniões, críticas e discordâncias, especialmente no período eleitoral, no qual o debate público sobre temas políticos, gestões e comportamentos de candidatos deve ser incentivado, uma vez que a livre circulação de ideias contribui para a formação da vontade popular e a legitimidade do processo eleitoral.

Por sua vez, a legislação eleitoral estabelece limites para o debate político, visando a garantir que a propaganda eleitoral não se desvirtue em ataques pessoais à honra alheia ou na propagação de informações inverídicas ou descontextualizadas.

Nessa linha, o art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19 prescreve que “a livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos”.

Nada obstante, a jurisprudência enuncia que “o caráter dialético imanente às disputas político-eleitorais exige maior deferência à liberdade de expressão e de pensamento, razão pela qual se recomenda a intervenção mínima do Judiciário nas manifestações e críticas próprias do embate eleitoral, sob pena de se tolher substancialmente o conteúdo da liberdade de expressão” (TSE; AgR-RO n. 758-25/SP, Relator designado Min. Luiz Fux, julgado em 30.5.2017, DJe de 13.9.2017).

Também o art. 38 da mesma Resolução proclama que “a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático”.

No caso em exame, a menção feita por Manuela D'Ávila à "violência política de gênero" toca em uma questão de grande relevância social e jurídica. A partir da Lei n. 14.192/21, a ordem jurídica nacional reconhece a necessidade de coibir atos que desqualifiquem ou intimidem candidatas mulheres no exercício de seus direitos políticos.

A jurisprudência do TSE tem reconhecido que a violência política de gênero pode se manifestar de diversas formas, incluindo a deslegitimação da mulher por meio de críticas direcionadas a aspectos não relacionados à sua atuação pública, como suas emoções, caráter ou capacidades.

Na postagem em análise, Manuela D'Ávila afirma que Sebastião Mello se utilizou de uma suposta estratégia de desqualificação baseada em estereótipos de gênero.

Durante um debate eleitoral anterior com a candidata Maria do Rosário, ele teria respondido a uma crítica com uma tática deslegitimadora da adversária, ao dizer “não vem com esse discurso, Deputada, a senhora está muito agressiva".

A postagem embasa seu teor, ainda, em acontecimentos do pleito de 2020, quando, de acordo com a recorrida, Sebastião Melo teria comparecido a um debate munido de um suposto “dossiê” com informações repassadas pelo ex-noivo de Manuela D’Ávila, que, posteriormente, tornou-se seu adversário político.

De acordo com os recorridos, a existência do referido “dossiê” intitulado “Maroni” foi atestada pela jornalista Juliana Bublitz em postagem realizada na rede social X (antigo Twitter), na época dos fatos, disponível em https://x.com/jubublitz/status/1332487120389332993?s=24 (ID 45761604).

Entendo, assim, que a postagem realizada pela recorrida, embora veemente, relaciona-se diretamente à esfera pública e política, abordando a conduta de Sebastião Mello no contexto dos debates eleitorais, espaço tradicional de confrontação de ideias e posicionamentos.

As acusações de “covardia”, “misoginia” e “violência de gênero”, por mais fortes que sejam, não se apresentam isoladas e gratuitas, mas compõem um contexto argumentativo mais amplo sobre a interpretação política de certos acontecimentos da disputa eleitoral.

A jurisprudência do TSE estabelece que adjetivações agressivas ou grosseiras podem ser admitidas no calor da disputa eleitoral se estiverem inseridas em um discurso de crítica política, especialmente quando envolvem figuras públicas que, por sua posição, estão sujeitas a um escrutínio mais rigoroso. Nessa linha, colho o seguinte julgado:

ELEIÇÕES 2022. DIREITO DE RESPOSTA. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CONTEÚDO OFENSIVO À HONRA. FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. DESCARACTERIZAÇÃO. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 1. A liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto.2. Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato.3. No caso, embora os Representantes afirmem que a propaganda reproduz teor ofensivo à honra do candidato, violando o art. 53, §2º, da Lei 9.504/1997, verifica-se que a maior parte da publicidade dirige-se a falas de Jair Messias Bolsonaro a respeito de temas relevantes para o debate político-eleitoral, como a fome no País, a pandemia de COVID-19 e o desempenho da economia, e a discursos proferidos pelo candidato que, na verdade, atribuem aos adversários políticos ("o outro lado") determinados posicionamentos concernentes a assuntos sensíveis ao eleitorado, a exemplo do aborto, a denominada ideologia de gênero e a família. 4. O emprego do termo "Pai da Mentira", nada obstante seu tom hostil e ácido, guarda vinculação com as críticas às falas e aos discursos do candidato reproduzidos durante toda a propaganda, revelando-se compatível com o debate político-eleitoral e inserindo-se, por isso mesmo, nos limites da livre manifestação de pensamento. 5. A orientação jurisprudencial do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é firme no sentido de que, "ao decidir-se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar de zona di iluminabilitá, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do publico, em particular, dos seus adversários" (HC 78.426, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 7/5/1999). […]. 9. Pedido de Direito de Resposta julgado improcedente.

TSE; Direito de Resposta n. 060157956, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 27/10/2022. (Grifei.)

 

Na mesma senda, este Tribunal Regional, no julgamento do REl n. 0600050-15.2024.6.21.0172, considerou lícita a manifestação de candidata que atribuiu ao seu adversário uma atitude preconceituosa contra trabalhadores de limpeza, mulheres e pessoas humildes, tendo por base uma fala do concorrente que supostamente desdenhava da atividade de “varrer o chão”, nos termos da seguinte ementa:

Direito eleitoral. Eleições 2024. Recursos. Representações. Julgamento conjunto. Propaganda eleitoral. Direito de resposta. Improcedentes. Discurso em debate público. Horário eleitoral gratuito. Rádio. Redes sociais. Ofensa não configurada. Liberdade de expressão. Recurso desprovido.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recursos interpostos contra sentenças que julgaram improcedentes os pedidos de direito de resposta e de remoção de propaganda eleitoral veiculada em rádio e redes sociais, por ausência de irregularidade nas peças publicitárias divulgadas pelas recorrentes.

1.2. O recorrente alega ter sido vítima de calúnia ao lhe ser imputado preconceito contra mulheres e injúria em razão de etnia, a partir da difusão descontextualizada de resposta em debate.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. Há duas questões em discussão: (i) saber se a propaganda eleitoral veiculada pela recorrida descontextualizou fala do recorrente, configurando calúnia ou injúria; (ii) saber se o conteúdo da propaganda extrapolou os limites da liberdade de expressão e ensejaria direito de resposta.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. Considerando as peculiaridades dos casos concretos e o possível risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias sobre os mesmos fatos, foram reunidos os processos para julgamento conjunto na forma do art. 55, § 3º, CPC e do art. 96-B, caput, da Lei n. 9.504/97.

3.2. No caso dos autos, foi devidamente demonstrado que as recorridas não divulgaram fato sabidamente inverídico. Foi tão somente reproduzido trecho do discurso proferido pelo próprio candidato, sendo incabível a exigência de que a fala seja divulgada na íntegra. Não houve descontextualização alguma. Pelo contrário, a narrativa foi plenamente contextualizada. Apenas a integralidade de tudo o que foi dito pelo recorrente não foi utilizada na propaganda, providência que seria até mesmo ilógica, porquanto houve clara intenção da candidata opositora de fazer uma contraposição apenas quanto ao ponto da fala considerado por ela, para dizer o mínimo, desrespeitoso.

3.3. A candidata, albergada pelos princípios da livre manifestação do pensamento e da liberdade de expressão, utilizou o seu espaço de propaganda para apresentar suas impressões subjetivas e pessoais quanto ao que verdadeiramente foi dito. Não há como censurar aquele ou aquela que se sentem ofendidos por exprimir o que sentiram e as conclusões alcançadas a partir de uma fala desnecessária e que efetivamente foi dita.

3.4. Da análise das propagandas atacadas, não restou identificada ofensa à honra aventada nas razões recursais. A propaganda não é caluniosa, injuriosa ou difamatória. Ela retrata a impressão pessoal da adversária do recorrente quanto a um conteúdo verídico.

3.5. Pode o candidato, se assim desejar, utilizar seu próprio espaço de propaganda para rebater o conteúdo das publicidades que entende indevidas, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário Eleitoral e apresentar as “outras palavras” que entende melhor atender a intenção de sua fala.

3.6. Importa salientar que a Justiça Eleitoral tem fomentado esforços para que candidatos e candidatas mantenham em sua propaganda eleitoral um debate propositivo de ideias, prestigiando a apresentação de propostas de governo em vez de ataques a adversários políticos, medida que em nada beneficia o processo eleitoral e a escolha dos eleitores e das eleitoras.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso desprovido. Direito de resposta improcedente.

Tese de julgamento: “Afirmações duras e críticas veiculadas no contexto de disputa política, desde que baseadas em fatos verdadeiros e não sabidamente inverídicos, estão protegidas pela liberdade de expressão e não justificam a concessão de direito de resposta.”

Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 96-B, caput; Código de Processo Civil, art. 55, § 3º.

Jurisprudência relevante citada: TRE/RS, REl n. 0600021-62, Rel. Des. Nilton Tavares da Silva, 17/09/2024; TRE/RS, REl n. 0600182-92, Rel. Des. Francisco Thomaz Telles, 24/09/2024.

(TRE-RS; REl n. 0600050-15.2024.6.21.0172, Relatora: Desa. Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, julgado na sessão de 2.10.2024) (Grifei.)

 

Na ocasião, este Plenário concluiu que a candidata apenas manifestou suas impressões subjetivas e pessoais sobre as falas do seu adversário no debate eleitoral e que “não há como censurar aquele ou aquela que se sentem ofendidos por exprimir o que sentiram e as conclusões alcançadas a partir de uma fala desnecessária e que efetivamente foi dita”.

Tais premissas também se conformam e devem ser aplicadas ao presente caso, de modo a se concluir que a publicação não viola a legislação eleitoral.

Com efeito, a crítica formulada por Manuela D'Ávila não se apresenta como uma criação de fato sabidamente inverídico ou como uma crítica desvinculada de um contexto público.

As declarações são uma perspectiva subjetiva diante de uma situação ocorrida em um debate eleitoral. A candidata expressou suas impressões e conclusões sobre o comportamento do adversário, fazendo uso de sua liberdade de opinião para reagir ao que considerou um tratamento desrespeitoso e violento na perspectiva da igualdade de gênero.

Embora os termos utilizados na publicação sejam indiscutivelmente duros e limítrofes, as pechas de “covarde” e “machista”, etc, estão contextualizados em um discurso pessoal de desvalor a supostas nuances das falas e das estratégias de Sebastião Melo ocorridas nos debates eleitorais.

Em medida equivalente, o próprio candidato recorrente exerceu sua liberdade de manifestação sobre as escolhas argumentativas da adversária no mesmo debate eleitoral, qualificando-a como “muito agressiva”.

Ante a estreita ligação entre o direito à liberdade de manifestação e expressão com o princípio democrático, a doutrina de Aline Osório bem leciona a “existência de um menor âmbito de proteção da honra, da reputação e da privacidade de agentes públicos e candidatos a cargos públicos, em comparação com os demais indivíduos”, de modo que os candidatos e candidatas “devem ter uma ‘pele mais espessa’ (fhick-skinned) para tolerar críticas” (Osório, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Bela Horizonte: Fórum, 2017, p. 401).

Com o mesmo posicionamento, a obra de José Jairo Gomes enuncia que :

Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem essa matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. (…). Tudo isso insere-se na dialética democrática. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2019, págs. 652-653)

 

Destarte, estando a postagem questionada intimamente relacionada à crítica política por acontecimentos ocorridos na esfera pública dos debates eleitorais, deve ser privilegiada a liberdade de manifestação e da intervenção mínima da Justiça Eleitoral sobre o embate de ideias e opiniões.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.