RecCrimEleit - 0600133-80.2021.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/10/2024 às 14:00

VOTO

Analiso inicialmente a preliminar de intempestividade, e adianto que não prospera.

De acordo com o art. 200-A da Consolidação Normativa Judicial Eleitoral (CNJE) 2024, a intimação pessoal do Ministério Público Eleitoral, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública, bem como as comunicações endereçadas à Polícia Federal e à Polícia Civil do Estado serão realizadas por meio eletrônico, diretamente no sistema PJe.

No caso em tela, o Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 11.7.2024, via sistema PJe (ID 45669403), e em 12.7.2024 iniciou-se o prazo de ciência de 10 (dez) dias, de que trata o art. 5°, § 3º, da Lei n. 11.419/06, findando em 22.7.2024, e o prazo recursal de 10 (dez) dias para interpor recurso criminal começou em 23,7,2024, findando em 01.8.2024, na forma do art. 362 do Código Eleitoral.

Assim, é tempestivo o recurso criminal em tela, pois interposto em 24.7.2024 (ID 45669404).

Rejeito, portanto, a preliminar.

No mérito, trata-se de um Recurso Criminal Eleitoral interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra a sentença, que absolveu sumariamente os réus, dirigentes do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Lagoa Vermelha, porque esses apresentaram a prestação de contas anual referente ao exercício de 2019 declarando a ausência de movimentação financeira, ao mesmo tempo que o cartório eleitoral, no curso do exame das contas, localizou uma conta bancária em nome do partido na qual havia saldo de R$ 228,00.

Na sentença, a juíza absolveu sumariamente os réus, entendendo que não houve dolo na conduta, considerando o fato como um erro contábil sem intenção de fraude, com fundamento no art. 397, inc. III, do Código de Processo Penal:

Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

IV - extinta a punibilidade do agente. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

 

O Ministério Público Eleitoral e a Procuradoria Regional Eleitoral afirmam que a análise do dolo foi prematura, uma vez que não houve a instrução judicial completa, invocam o princípio in dubio pro societate, que não foi comprovada nenhuma das hipóteses que poderiam ensejar a absolvição sumária dos réus, e que há elementos mínimos e suficientes para prosseguimento da persecução criminal, de modo que é prematura a sentença absolutória.

Pois bem.

O caso em exame apresenta fato comumente observado em prestações de contas, relativo à divergência entre dados declarados no processo e aqueles verificados nos extratos bancários disponibilizados pelo TSE por intermédio de convênio com o Banco Central do Brasil e com as Secretárias Fazendárias.

Tais órgãos fornecem à Justiça Eleitoral extratos bancários e relações de notas fiscais emitidas em nome dos prestadores de contas, de modo que durante o exame técnico é verificada a correspondência de informações e intimadas as partes em caso de existência de divergências.

A situação é corriqueiramente verificada no âmbito desta Justiça Especializada, mesmo quando candidatos e partidos declaram ausência de movimentação financeira, pois a normatização eleitoral determina que seja realizado o exame técnico das contas ainda que seja declarada a ausência de movimentação financeira (art. 28, § 4°, inc. IV, e art. 35, da Resolução TSE n. 23.604/19).

No caso da presente ação penal, nos autos do processo de contas do exercício financeiro do ano de 2019 do Diretório Municipal do PDT de Lagoa Vermelha, PC-PP n. 0600057-90.2020.6.21.0028, os recorridos apresentaram ausência de movimentação financeira, e o cartório eleitoral realizou o exame técnico obrigatório sobre os extratos bancários eletronicamente disponibilizados, produzindo o seguinte parecer técnico (ID 45669305 e ID 45669306):

Dos Extratos Eletrônicos:

1) Verifica-se que o Diretório Municipal do Partido Democrático Trabalhista de Lagoa Vermelha, no exercício de 2019, possuía (01) uma conta bancária, sobre a qual se extraem as seguintes informações:

1.1) Conta n. 4185256516, agência 260, Banco 41 – Banco do Estado do Rio Grande do Sul (conta de “outros recursos”). Saldo Inicial: R$ 224,73. Saldo Final: R$ 0,00. Total de Créditos: R$ 4,51. Total de Débitos: R$ 229,24. Os créditos se referem a juros. Os débitos se referem a Imposto de Renda sobre rendimentos. Em 18/04/2019, ocorreu o saque eletrônico do saldo total da conta, no montante de R$ 228,28.

Intimados, os recorridos manifestaram-se informando que desconheciam a conta bancária em questão, e as contas foram desaprovadas sem imposição de qualquer penalidade. Intimado da sentença, o Ministério Público Eleitoral não recorreu, e a decisão do processo de contas transitou em julgado.

Na denúncia, afirma que o fato caracteriza a prática do delito de falsidade ideológica descrito no art. 350 do Código Eleitoral:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Contudo, tenho que assiste razão à magistrada sentenciante.

Para que haja a consumação do crime de falsidade ideológica eleitoral, é imprescindível a prova do dolo, isto é, a intenção deliberada de enganar a Justiça Eleitoral. No caso em questão, a juíza entendeu que, pela análise dos autos, não há evidências suficientes de que os réus tinham a intenção de fraudar, considerando a omissão como resultado de um erro contábil, especialmente pela mudança de diretoria partidária. Transcrevo as razões de decidir:

(…)

Dispõe o artigo 397, do Código de Processo Penal, que, após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente.

No caso, analisando detidamente os autos, entendo que é o caso de absolvição sumária dos acusados, evitando-se o prosseguimento deste feito.

É que não restou demonstrado o dolo na conduta dos réus, o que é imprescindível para a ação penal referente ao crime do artigo 350, do Código Eleitoral.

O crime de falsidade ideológica exige o elemento subjetivo do tipo consubstanciado no dolo para sua consumação, o que se traduz na vontade livre e consciente de praticar o crime. Nessa linha, não há qualquer indício nos autos de que a campanha tenha apresentado um volume de investimento incompatível com aquele oficialmente apresentado, não se verificando nos autos a intenção de fraudar o processo eleitoral. O que me parece é que houve uma falha de lançamento contábil. Nada mais que isso. Em razão da troca de diretoria nos partidos, tal falha pode ter ocorrido, sem que signifique dolo na conduta dos acusados com a vontade livre e consciente de praticar ato ilícito.

Como bem asseverado pela defesa, "não haveria qualquer razão para sonegar a informação em questão, não havendo qualquer benefício em não se relatar a existência da soma de R$ 228,00, eis que não seria impeditivo para a obtenção de benefícios legais, participação em pleito eleitoral ou qualquer outra coisa".

Assim, submeter os acusados a um processo criminal sem que o dolo esteja devidamente comprovado é por demais prejudicial

Isso posto, sem maiores delongas, ABSOLVO SUMARIAMENTE os réus RÔMULO MOREIRA DA SILVA, JOSÉ CARLOS MACHADO DO CARMO, JOSÉ NÉLSO RIBEIRO e VICENTE DURIGON, nos termos do artigo 397, III, do Código de Processo Penal.

De fato, assiste razão à julgadora. Quando intimados sobre a irregularidade em questão, os dirigentes informaram o desconhecimento sobre a conta bancária:

(…)

Ocorre Excelência, que a referida conta corrente junto à agência local (0260) do Banco Banrisul não era de conhecimento dos atuais responsáveis pelo órgão partidário, SENDO ESTE O ÚNICO E REAL MOTIVO PELA NÃO INFORMAÇÃO. Não se trata de ato de má-fé ou com o intuito de ocultar informações, até porque os valores informados pela análise técnica são de pequena monta, não havendo razão para sua desinformação.

Repita-se, os responsáveis pelo órgão partidário não tinham conhecimento sobre a existência da referida conta corrente, não possuem cartão, senhas, talonário de cheques, extratos ou qualquer outra informação ou dado de acesso à referida conta corrente.

Ademais, há que se referir que a única conta corrente que era de conhecimento, na Caixa Econômica Federal, foi encerrada, haja vista que o órgão partidário não possuía recursos para suportar os custos de sua manutenção.

Ainda, merece referência o fato de que após vários anos, o órgão partidário substitui o profissional contabilista responsável pela sua prestação de contas, fato que pode ter ensejado na ausência de informações.

(…)

 

O Ministério Público Eleitoral afirma que houve tentativa deliberada de ocultar a existência da conta bancária, porque durante a instrução criminal o recorrido Vicente informou, em delegacia: “Que após encerradas as contas, tomou-se conhecimento da existência de uma conta com saldo financeiro junto ao Banrisul” e “Que foi o declarante quem efetuou o saque do valor de R$ 228,28 em 18/04/2019 e encerrou a referida conta”.

Ocorre que, de acordo com o art. 37, § 13, da Lei dos Partidos Políticos: “A responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários decorrente da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido”.

No caso em tela, a falha foi meramente formal, não causou dano algum ao partido, uma vez que a conta bancária foi localizada pelo órgão técnico, sendo caso de atipicidade.

De acordo com a doutrina de Eugênio Pacelli de Oliveira, “mesmo na hipótese de recebimento da denúncia, com superação das questões preliminares (art. 395, CPP), poderá o juiz absolver sumariamente (art. 397, CPP), independentemente da citação do réu para o oferecimento de resposta escrita (art. 396, CPP), nas hipóteses de atipicidade manifesta e/ou de extinção da punibilidade (art. 397, incs. III e IV)” (Curso de processo penal. 19. ed. rev. e atual. -São Paulo: Atlas, 2015, p. 47).

Colho, ainda, a seguinte lição doutrinária:

Encerrada a fase postulatória, com a apresentação da petição inicial e da resposta escrita defensiva, os autos serão conclusos ao juiz, para deliberação quanto ao cabimento do julgamento antecipado do mérito. É verdadeira etapa intermediária do procedimento, onde o magistrado, em juízo de certeza, após cognição exauriente, estará apto a absolver, por decisão passível de tornar-se imutável pela coisa julgada material. Homenageia-se a razoável duração do processo (art. 5, LXXVIII, CF), antecipando-se o mérito em prol da defesa.

Os fundamentos ela absolvição sumária remontam o conceito tripartido de crime. Assim, a certificação das excludentes de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade autorizam o julgamento abreviado.

(Távora, Nestor; Araújo, Fábio Roque. Código de Processo Penal. São Paulo, 6.ed., Juspodvim, 2015, p. 530).

Entendo que o caso, pelas suas peculiaridades, amolda-se ao entendimento do TSE no sentido de que a absolvição sumária só é cabível quando demonstrado de forma precisa e certeira a absoluta inidoneidade do falso para iludir. Nesse sentido, anoto que o Tribunal Superior Eleitoral possui precedentes no sentido de que “a omissão em declaração de bens é atípica, pois não se configura falsidade ideológica em declaração sujeita à verificação. Precedentes do TSE e do STF” (Ac. de 27.8.2019 no REspe n. 4931, rel. Min. Edson Fachin).

O crime de falsidade ideológica protege a fé pública eleitoral, mas há total ausência de potencialidade lesiva da conduta, pois a existência de contas bancárias é sempre verificada pela Justiça Eleitoral, conforme foi realizado no caso em tela. Cito precedentes:

Direito penal e processual penal. Recurso especial eleitoral com agravo. Eleições 2012. Crime de falsidade ideológica eleitoral. Absolvição sumária por atipicidade manifesta (art. 397, III, do CPP). Inexistência de potencialidade lesiva. Divergência jurisprudencial não configurada. Negativa de seguimento.

1. Recurso especial eleitoral com agravo contra acórdão que manteve absolvição sumária quanto ao crime do art. 350 do Código Eleitoral, com fundamento no art. 397, III, do CPP.

2. Ausente a potencialidade lesiva da conduta, a ocorrência da falsidade ideológica eleitoral está descaracterizada. Precedentes.

3. Não se conhece do recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial, se a decisão recorrida está em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal Superior (Súmula nº 30/TSE). Tal verbete pode ser fundamento utilizado para afastar ambas as hipóteses de cabimento do recurso especial. Precedente.

4. Agravo a que se nega seguimento.

(TSE - AI: 0000282-13.2016.6.22.0016 PIMENTEIRAS DO OESTE - RO 28213, Relator: Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 06/12/2018, Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico - DJE, data 12/12/2018 pag. 32-34)

RECURSO - PROCESSO CRIME - FALSIDADE IDEOLÓGICA - ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL - ALEGADA INSERÇÃO DE INFORMAÇÃO INVERÍDICA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA DE CANDIDATO - CRIME FORMAL - DOCUMENTAÇÃO QUE, POR SI SÓ, NÃO SE MOSTRA HÁBIL A PROVAR FATO JURIDICAMENTE RELEVANTE - NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE OUTRAS DILIGÊNCIAS PARA COMPROVAR A OCORRÊNCIA DO DELITO - ATIPICIDADE DA CONDUTA - PRECEDENTE - DECISÃO MANTIDA POR OUTRO FUNDAMENTO - ART. 358 I, DO CE, COMBINADO COM O ART. 386, III, DO CPP. - Assentou o Supremo Tribunal Federal que para a caracterização do delito de falsidade ideológica o documento no qual conste a informação falsa deve ter sido "preparado para provar, por seu conteúdo, um fato juridicamente relevante", de modo que a ulterior averiguação afastaria, por óbvio, a tipicidade da conduta [STF, RHC 43396, 1a Turma, Rel. Min. Evandro Lins, DJ 15.2.1967; HC 85976, Rel. Min. Ellen Gracie, 2a Turma, DJ 24.2.2006], "1. A configuração do crime de falsidade ideológica eleitoral exige que a declaração falsa inserida no documento seja apta a provar um fato juridicamente relevante" [TSE. HC n. 715- 19.2012.6.00.0000, de 20.3.2013, rei. Min. Nancy Andrighi].

(TRE-SC - RCRIME: 8069 SC, Relator: CARLOS VICENTE DA ROSA GÓES, Data de Julgamento: 09/06/2014, Data de Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 98, Data 16/06/2014, Página 2)

 

Consequentemente, é caso de manutenção da absolvição sumária, pois ausente tipicidade na conduta, potencialidade para ofender o bem jurídico tutelado, e justa causa para o prosseguimento da ação penal.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.