MSCiv - 0600489-57.2024.6.21.0000 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 24/10/2024 às 14:00

declaração de voto

Eminente Presidente, ilustres Desembargadores.

Primeiramente, consigno que conheço do mandado de segurança e rejeito a arguição de não cabimento da impetração, porque o mandamus ataca decisão interlocutória não recorrível de imediato, se insere na exceção prevista na Súmula 22 do TSE, e entendo que a propaganda viola o  art. 22, inc. I, da Resolução TSE n. 23.610/10, estando presente o direito líquido e certo de a impetrante ver impedida a divulgação da propaganda por meio da cassação da decisão atacada, conforme adiante será melhor explicitado.

Além disso, parabenizo o Relator pelo seu bem-lançado voto que, em judiciosas razões, enfrentou o tema de forma muito acurada. Farei apenas breves acréscimos.

Começo salientando que embora este mandado de segurança trate de propaganda eleitoral veiculada em inserções de emissoras de rádio, não desconheço, por ser fato público e notório, que o mesmo áudio foi objeto de peça publicitária em vídeo divulgado pela campanha do candidato na internet, no qual uma atriz trajando saia dança ao ritmo da música, com a imagem do rosto da candidata sorrindo, no lugar de sua face, representando ser a candidata.

Pois bem.

Do conteúdo da degravação do áudio impugnado extraio os seguintes dizeres, os quais passarei a analisar segundo as diretrizes estabelecidas no Protocolo de Julgamento com Perspectivas de Gênero do CNJ, segundo o qual o Poder Judiciário, diante das várias verdades em jogo na relação processual, deve realizar a identificação de estereótipos e o esforço para afastar preconceitos de gênero: "A Mariazinha esqueceu quem criou o mensalão. A Mariazinha esqueceu que existiu o petrolão. (…)".

Penso que o ponto nodal é a referência à candidata do sexo feminino utilizando seu nome no diminuitivo.

Sobre esse aspecto, o Protocolo de Julgamento com Perspectivas de Gênero do CNJ estabelece:

Por fim, deve-se notar que, como observado em parágrafos anteriores, um exemplo de sexismo que acaba perpetuando esquemas de desigualdade é referir-se às mulheres em termos de subordinação e desvalorização (INMUJERES, 2015, Cap. 4), como "propriedade de" ou com diminutivos. Ao contrário dos homens, as mulheres são frequentemente eliminadas por nomes, sobrenomes e profissões, ou definidas se são chamadas de senhoras ou senhoritas com base em seu estado civil. Até a forma de se referir às ocupações geralmente muda de acordo com quem as faz, seja uma mulher ou um homem: o chef e a cozinheira, por exemplo.

A questão não é inédita nesta Corte. Na sessão de 21.03.2023 este Tribunal realizou o julgamento de recurso contra condenação pela prática do crime de desobediência previsto no art. 347 do Código Eleitoral. No acórdão o Relator, Desembargador Federal Luis Alberto D'azevedo Aurvalle, assentou que o recorrente se dirigiu à Juíza Eleitoral pelo cargo que desempenha no diminutivo (juizinha), e que "percebe-se o sentimento de depreciação do agressor ao cargo ocupado pela magistrada, ao referir-se a ela como 'juizinha', utilizando o termo no modo diminutivo em tom pejorativo" (TRE-RS, RecCrimEleit: 0600003-51.2021.6.21.0138 CASCA - RS 060000351, Relator: Luis Alberto Dazevedo Aurvalle, Data de Julgamento: 21/03/2023, Data de Publicação: DJE-52, data 23/03/2023).

No caso em tela, constou da decisão liminar do ilustre Relator "Ao analisarmos a inserção, que nomina a candidata adversária como 'Mariazinha', vemos um possível caráter discriminatório por razão de gênero, ao tratar a adversária com reducionismo".

Sem sombra de qualquer dúvida, a utilização de termos diminutivos para se referir a mulheres é uma prática misógina que visa desqualificar, desrespeitar e desumanizar, perpetuando a desigualdade de gênero e reforçando estereótipos negativos. A misoginia, na política brasileira, tem sido um problema persistente e documentado em vários casos de sexismo, violência simbólica e psicológica, divulgados reiteradamente na mídia, todos envolvendo ataques depreciativos a candidatas e que visavam minar sua credibilidade e competência pelo fato de serem mulheres.

E, realmente, as mulheres são mais propensas a serem alvo de estereótipos de gênero durante campanhas eleitorais. Um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgado em 12/06/2023 mostrou que o sexismo é "potencialmente prejudicial", e chega até mesmo a legitimar atos de violência física e psicológica (https://www.undp.org/pt/brazil/publicacoes).

Em razão da relevância da questão, este Tribunal possui uma Ouvidoria Especializada de Gênero, Raça e Diversidades, um canal de escuta, acolhimento e orientação às pessoas vítimas de casos de violência política ou assédio, além de qualquer forma de discriminação relacionada à sua identidade, gênero e/ou raça (<ouvidoriamrd@tre-rs.jus.br>).

Na hipótese dos autos, considero que chamar uma mulher de "Mariazinha" é uma forma de depreciação que reduz a identidade e as capacidades a algo menor e menos significativo. Essa prática não apenas desrespeita a candidata, mas também perpetua a ideia de que as mulheres são menos dignas de respeito.

Sobre a terminologia utilizada na propaganda, verifiquei que de acordo com a doutrina, o sufixo -inha "por seu conteúdo designativo de pequenez, como elemento intensificador, aparece mais associado a palavras cuja noção indica direção para menos, reforçando-lhe a ideia diminuição, tal como em pequenininho, cedinho, agorinha etc.; também, por extensão metafórica, presta-se à atribuição de valor atenuante ou depreciativo, conforme se vê em bonitinho, crescidinho. gentinha e similares" (Silva, José Romerito. O grau em perspectiva: uma abordagem centrada ao uso. São Paulo: Cortez, 2015, p. 63).

No contexto e dinâmica da propaganda, é evidente que o uso de -inha é pejorativo, depreciativo, especialmente porque aplicado a mulher em ambiente político- eleitoral em relação ao qual o poder público institui ações afirmativas de modo a fomentar e incentivar a participação política da mulher, ainda muito diminuta.

Conforme o Protocolo de Julgamento com Perspectivas de Gênero estabelecido pelo CNJ: "(…) os estereótipos e os preconceitos de gênero, no sistema judicial, têm consequências de amplo alcance para o pleno desfrute, pelas mulheres, de seus direitos humanos; por essa razão, recomendou que os estados-partes adotem medidas, incluindo programas de conscientização e capacitação de todos(as) os(as) operadores(as) do sistema de justiça, para se eliminar os estereótipos (...)" (item 29 da Recomendação Geral n. 33, do Comitê CEDAW, disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-18-10-2021-final.pdf>, p. 36).

A utilização de termos diminutivos para se referir a mulheres em contextos políticos é uma prática que carrega um peso histórico e cultural significativo.

Da análise da publicidade, entendo que chamar a candidata de "Mariazinha", uma pessoa de vida pública e conhecida na política - e que sabidamente não tem esse apelido - sugere infantilização, desqualificação e diminuição de sua importância. É uma forma sutil, mas potente de, como consta do voto condutor, perpetuar estereótipos de gênero e desrespeitar a sua condição de mulher.

Verdade seja dita, na conjuntura social em que vivemos é preciso analisar signos e símbolos, especialmente no campo político, da disputa de cargos públicos no âmbito da rivalidade de um segundo turno envolvendo a prefeitura de uma capital. A palavra "Mariazinha" contida na peça publicitária, de cunho apelativo, criada pelos profissionais de marketing contratados pelo adversário da candidata, não é apenas uma variação do nome "Maria", mas sim uma forma de depreciação inaceitável, caracterizadora de preconceito de gênero, prática vedada pela legislação no artigo 22, inc. I, da Resolução TSE n. 23.610/2019:

Art. 22. Não será tolerada propaganda, respondendo a pessoa infratora pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso de poder ( Código Eleitoral, arts. 222 , 237 e 243, I a X ; Lei nº 5.700/1971 ; e Lei Complementar nº 64/1990, art. 22 ): (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

I - que veicule preconceitos de origem, etnia, raça, sexo, cor, idade, religiosidade, orientação sexual, identidade de gênero e quaisquer outras formas de discriminação, inclusive contra pessoa em razão de sua deficiência ( Constituição Federal, art. 3º, IV e art. 5º, XLI e XLII ; Lei nº 13.146/2015 ). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...)

A intenção da propaganda é clara, manifesta. Na peça publicitária, "Mariazinha" torna-se um símbolo de um estereótipo que viola a dignidade da candidata, porque é impossível desvincular o gênero feminino e a pretensão de que, a partir do uso do nome no diminutivo, sua natureza seja considerada como menos capaz em relação a de um homem. O uso de "Mariazinha" vai além de um simples diminutivo, é um instrumento linguístico carregado de simbolismo que perpetua estereótipos e preconceitos de gênero.

Esse tipo de linguagem, de depreciação, hoje já não é mais tolerada porque possui consequências extremamente graves, extrapolando o conteúdo de mero áudio veiculado em emissoras de rádio. A mensagem é recebida pelo eleitorado e por não eleitores via rádio, e o que está sendo repassado é preconceito de gênero. Conforme refere o Relator, a linguagem é uma ferramenta poderosa e a utilização de termos pejorativos e diminutivos para se referir a mulheres é prática que remonta a épocas em que a mulher era vista como inferior ao homem.

Com esse raciocínio, firmo a convicção de que, no contexto em que realizada a propaganda, a permissão de sua veiculação reforçaria as desigualdades de gênero e a perpetuação de relações desequilibradas e opressivas contra as mulheres.

A partir desses fundamentos, concluo que a concessão da segurança é medida impositiva, pois manifesto o direito líquido e certo de a impetrante ver impedida a divulgação da propaganda eleitoral ofensiva à honra da candidata.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO no sentido de acompanhar o Relator na rejeição da matéria preliminar e concessão da segurança para o fim de confirmar a decisão liminar que cassou a decisão atacada e determinou a abstenção da veiculação da propaganda impugnada.