MSCiv - 0600489-57.2024.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 24/10/2024 às 14:00

VOTO DIVERGENTE

DESEMBARGADOR MÁRIO CRESPO BRUM

No presente caso, a propaganda eleitoral veiculada utiliza a expressão "Mariazinha" em uma paródia de cantiga infantil, elaborando uma crítica à candidata adversária e seu partido por, supostamente, ignorarem na campanha os fatos passados envolvendo corrupção, com a seguinte mensagem:

A Mariazinha esqueceu quem criou o mensalão.

A Mariazinha esqueceu que existiu o petrolão.

Mas a gente não esquece da lista da Odebrecht, nem daquele companheiro da cueca com dinheiro.

A Mariazinha tentou falar em corrupção, mas esqueceu que o PT nesse assunto, é campeão.

 

De seu turno, a coligação impetrante alega que "se trata de uma cantiga que infantiliza, diminui e debocha da candidata da Representante, tratando-a por "Mariazinha", de forma jocosa e misógina, bem como relacioná-la com situações genéricas, sob as quais ela não tem ingerência, que envolvem de alguma forma o Partido dos Trabalhadores, sem relação direta com a candidata".

Com a vênias do entendimento contrário, julgo que não assiste razão à parte autora.

A propaganda eleitoral, no contexto de uma campanha política, deve permitir o debate público e a crítica, inclusive em tom satírico, irônico ou humorístico, pois de tratam de expedientes de comunicação que amplificam a atenção do eleitorado.

É certo que a propaganda não pode se desviar para ofensas pessoais ou misóginas, o que exige uma análise cuidadosa da adequação do conteúdo da crítica ao ambiente eleitoral e à proteção dos direitos de personalidade, especialmente em relação à participação política da mulher de forma livre de discriminações e violências de gênero, tal como enfatizado no voto do Relator.

E essa avaliação não se restringe a um fragmento do texto, mas se estende a todo contexto, ao meio de divulgação e à interpretação mais adequada para cada gênero textual e forma de expressão.

No caso em questão, o uso do diminutivo "Mariazinha" representa uma característica de estilo bastante comum em cirandas ou cantigas de roda, acentuando o caráter infantil da espécie artística, então parodiada na peça de propaganda.

O diminutivo, enquanto figura de linguagem, pode ser utilizado em diferentes contextos sem necessariamente implicar em discriminação de gênero ou ofensa à dignidade da pessoa humana.

O termo foi empregado como parte de uma estratégia satírica, comum em campanhas eleitorais, sendo uma característica do tipo de canção que se busca emular, além do ritmo, da melodia e da repetição de palavras.

Não vislumbro, assim, o emprego do termo com o objetivo de desqualificar a candidata de forma pejorativa e pessoal em razão de seu gênero e tampouco constato outros elementos concretos que apontem para essa finalidade.

Em verdade, a propaganda não faz referência a características pessoais da candidata ou a estereótipos relacionados ao fato de ela ser mulher. O foco da crítica está no partido da candidata e no debate sobre supostas condutas relacionadas a fatos pretéritos de interesse público, o que se insere no âmbito da dialética eleitoral lícita e legítima.

Não há, portanto, misoginia ou discriminação de gênero identificáveis no mero uso do diminutivo "Mariazinha" no contexto de elaboração de uma crítica por meio de paródia a uma ciranda de roda, sem outros elementos que denotem a tentativa de deslegitimar, silenciar ou desqualificar a participação política da adversária com base em seu gênero.

A uso do nome no diminutivo, aqui, está contextualizado com o texto normal para o tipo de composição musical que baseia a peça publicitária, a qual, embora tenha um tom de comicidade e ironia em sua crítica, não o faz com esteio no gênero da adversária.

Assim, entendo aplicável a jurisprudência do TSE no sentindo de que "o debate eleitoral pode ser feito por meio da arte, do humor e da sátira, devendo ser especialmente protegido, inclusive por ocasionar juízos críticos por parte dos eleitores" (TSE; Recurso em Representação n. 0600969-30, Acórdão, Min. Carlos Horbach, Publicado em Sessão de 20.09.2018).

Na mesma sendo, a STF proclama que "o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional" (STF: ADI no 4451/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 6.3.2019).

Além disso, a referência a escândalos de corrupção amplamente conhecidos, como o "Mensalão", o "Petrolão" e a "lista da Odebrecht", não pode ser considerada ofensiva, excessiva ou injustificada, já que se trata de fatos notórios de amplo conhecimento público e que tiveram impacto direto na vida política do país.

Ainda que a coligação impetrante alegue que a sua candidata não teve nenhuma relação pessoal com tais fatos, é nítido que a teor da propaganda trata dos acontecimentos de forma impessoal, apenas fomentando a percepção de que seriam assuntos "esquecidos" e não enfrentados pela campanha da adversária.

Portanto, a propaganda em questão, ao se utilizar de uma paródia de cantiga de roda para criticar a candidata e seu partido, adota uma estratégia de comunicação que, embora provocativa, não extrapola os limites da liberdade de expressão.

Com essas considerações, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que não está configurado o direito líquido e certo a amparar a pretensão da impetrante.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela revogação da liminar concedida e pela denegação da segurança.