REl - 0600042-71.2024.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/10/2024 às 14:00

VOTO

Inicialmente, rejeito a preliminar de conhecimento do recurso em parte, arguida em contrarrazões.

O recurso é regular, tempestivo, atende aos demais pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.

Quanto aos documentos juntados ao recurso, verifica-se que se trata de documentação simples e que pode ser igualmente conhecida. Não há ofensa ao contraditório quanto à juntada em grau recursal porque os recorridos se manifestaram sobre a documentação em contrarrazões. Este Tribunal tem firme jurisprudência no sentido da possibilidade de apresentação de novos documentos com o recurso (TRE-RS - RE: 06011223920206210055 PAROBÉ - RS, Relator: Des. GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 20.4.2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo n. 68, Data 22.4.2022, Página 2 DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 22.4.2022).

Rejeito, portanto, a preliminar.

No mérito, houve decisão liminar determinando que os recorrentes se abstenham de veicular a propaganda impugnada, adequando a utilização do tempo de apoiador ao limite de 25% do tempo total.

A sentença considerou que a ordem foi descumprida:

(…)

A Decisão (ID 124348867) pelo deferimento da medida liminar, determinou "a abstenção de novas inserções em relação especificamente às peças de propagandas cujo tempo destinado à participação dos apoiadores ultrapasse o limite de 25% do tempo total de cada propaganda ou inserção, previsto no art. 74 da Resolução 23.610/2019".

Contudo, ali não foi fixada multa para o caso de descumprimento.

As representadas foram intimadas no dia 25/09/2024 às 18h12min e, na defesa, informaram haver cumprido a decisão, retirando do ar a propaganda impugnada.

Considerando-se a necessidade de alteração de inserções em rádio e televisão, admite-se que fosse dependido algum tempo para cumprimento da decisão. Tanto é assim, que as próprias representadas, ao contestar, informaram haver cumprido a decisão dentro de 24 horas, contadas da intimação.

Apesar da informação de cumprimento da medida, houve comprovação que a propaganda foi divulgada após o prazo de 24 horas, o que ocorreu no dia 27/09 às 7h, às 7h50min, às 13h36min e as 17h07min, como documentado nos arquivos trazidos na petição do representante, em afronta à decisão. Pontuo que as representadas sequer contestaram a notícia de descumprimento trazida aos autos pelo representante, de modo que é fato incontroverso.

Patente o descumprimento, cumpre examinar a sua consequência.

(…)

Todavia, ainda que se entendesse cabível a fixação de multa, por aplicação subsidiária do CPC, em especial dos artigos 297, caput e parágrafo único, 536, §1º e 537, certamente não seria o caso de impô-la agora, retroativamente. Para que se viabilizasse a aplicação deveria ter sido expressamente cominada na decisão que concedeu a liminar, com a prévia advertência às representadas, o que não ocorreu.

Assim, com a devida vênia ao representante e ao Ministério Público Eleitoral, bem como aos eventuais entendimentos em contrário, tenho que, no caso concreto, ante as peculiaridades acima delineadas, não se mostra cabível a imposição da multa.

 

2. No Mérito

A representação é procedente.

A prova colacionada aos autos, consubstanciada nos arquivos de áudio e vídeo anexados à inicial, evidencia de modo cabal que as representadas violaram a norma reguladora do tempo de participação de apoiadores nas referidas peças de propaganda.

Aliás, na defesa, as representadas se limitam a contestar a natureza da participação do Sr. Governador do Estado em uma das peças, qualificando-a como uma mera "interação" entre o Ilustre apoiador e a candidata, em que ambos estariam "discutindo as melhores saídas para Porto Alegre". Ora, ainda que este tenha sido o formato escolhido para a participação do apoiador, tal circunstância não a descaracteriza como tal. Vale dizer: o Sr. Governador do Estado atuou como apoiador da candidata e dispôs de mais de 25% do tempo como participante da peça de propaganda, de modo que não resta dúvida quanto à prática da infração ao art. 74 da Resolução nº 23.610/19.

Quanto às demais peças de propaganda, as representadas sequer contestaram que o tempo destinado aos apoiadores foi superior ao limite imposto pela norma em questão, de modo que, como bem salientou o órgão do Ministério Público, o descumprimento em relação a essas se revelou incontroverso nos autos.

Finalmente, também na esteira do entendimento do Órgão Ministerial Eleitoral, além do descumprimento da ordem judicial, a infração pode configurar, em tese, crime de desobediência, conforme consignado no julgamento da Representação nº 66.522, Relator o Ministro Herman Benjamin, julgamento em 01/10/2014: “A recusa de alguém ao cumprimento ou obediência a ordens específicas e concretas da Justiça Eleitoral pode significar, em tese, o cometimento do crime de desobediência, nos termos do art. 347 do Código Eleitoral.”

 

ISTO POSTO:

a) julgo procedente a representação, para o fim de, confirmando o teor da decisão concedida liminarmente, ratificar a ordem de abstenção das representadas em divulgar quaisquer peças de propaganda eleitoral de rádio, televisão e internet, inclusive inserções, em que quaisquer apoiadores disponham de tempo superior a 25% do tempo total de cada peça;

b) determino o encaminhamento de cópia dos autos à Polícia Federal, após o trânsito em julgado, para instauração de inquérito policial a fim de apurar a possível prática, em tese, do crime previsto no artigo 347 do Código Eleitoral;

c) deixo de aplicar multa à representada, na forma da fundamentação.

 

Verifica-se que, de fato, o Governador do Estado apareceu durante longo período da propaganda em tela, em tempo superior a 25% ao total da propaganda, caracterizando-se a irregularidade disposta no art. 74 da Resolução TSE n. 23.610/19.

Quanto à determinação de envio dos autos à Polícia Federal para instauração de inquérito por descumprimento da ordem liminar, uma vez que após a intimação para a remoção da propaganda houve nova veiculação do conteúdo, tenho que assiste razão aos recorrentes ao ponderar que solicitaram às emissoras a abstenção de divulgação do material, o qual foi novamente reproduzido por motivos alheios à sua vontade.

Com esse entendimento, colho na manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

(…)

Por outro lado, os comprovantes anexados ao recurso - que devem ser admitidos, com fulcro no art. 266 do Código Eleitoral, e porque foram produzidos durante o curso do procedimento - demonstram que a Coligação tomou as providências necessárias à interrupção da propaganda inquinada no dia em que foi intimada da decisão liminar (25.09.24 - ID 45753148), ao enviar e-mail, tanto às emissoras de televisão quanto de rádio, solicitando a alteração da programação, com o fornecimento de mídia em substituição. Assim, foi atendida a ordem judicial, de modo que não há indícios da prática do crime tipificado no art. 347 do Código Eleitoral (descumprimento de ordem da Justiça Eleitoral).

(…)

 

Ressalta-se que a Procuradoria Regional Eleitoral entende ausente tipificação legal da conduta e que o órgão é o dominus litis de eventual ação penal.

ANTE O EXPOSTO, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo provimento do recurso para reconhecer o cumprimento da decisão liminar e afastar a determinação de envio de cópia dos autos à Polícia Federal.