REl - 0600038-34.2024.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/10/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a COLIGAÇÃO O POVO DE NOVO NA PREFEITURA [Federação BRASIL DA ESPERANÇA - (PT/PCdoB/PV)/Federação PSOL REDE/PSB] alega que KLAUS HANISCH SCHUCH, candidato ao cargo de vereador de Porto Alegre/RS, durante o primeiro turno das eleições, compareceu em eventos de campanha da candidata Maria do Rosário, a fim de criar conflitos, fazer provocações, incitar a violência e "abordar grupos de mulheres com diálogos marcados por discriminação de gênero e deboches sobre pautas feministas".

A recorrente relata, ainda, que as abordagens e constrangimentos foram gravadas e publicadas nas redes sociais de campanha do recorrida, conforme URLs que indica na petição inicial.

Nesses termos, a pretensão dos recorrentes delimita-se à emissão de ordem judicial para “determinar a remoção de todas as postagens mencionadas na presente representação, sob pena de multa a ser fixada pelo juízo” (ID 45751108).

Da análise dos endereços de URLs indicados na petição inicial, fica evidenciado que o recorrido compareceu a atos de campanha da coligação recorrente com o intento de promover debates e discussões com outros candidatos e militantes, as quais foram captadas e utilizadas em seus espaços de propaganda eleitoral na internet.

O art. 22 da Resolução TSE n. 23.610/19, regulamentando o art. 243 do Código Eleitoral, estabelece limites claros quanto ao conteúdo da propaganda eleitoral, deixando expressamente consignadas diversas condutas inadmissíveis em campanha:

Art. 22. Não será tolerada propaganda, respondendo a pessoa infratora pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso de poder (Código Eleitoral, arts. 222 , 237 e 243, I a X ; Lei nº 5.700/1971 ; e Lei Complementar nº 64/1990, art. 22): (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

I - que veicule preconceitos de origem, etnia, raça, sexo, cor, idade, religiosidade, orientação sexual, identidade de gênero e quaisquer outras formas de discriminação, inclusive contra pessoa em razão de sua deficiência ( Constituição Federal, art. 3º, IV e art. 5º, XLI e XLII ; Lei nº 13.146/2015 ). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

II - de guerra, de processos violentos para subverter o regime, a ordem política e social;

III - que provoque animosidade entre as Forças Armadas ou contra elas, ou delas contra as classes e as instituições civis;

IV - de incitamento de atentado contra pessoa ou bens;

V - de instigação à desobediência coletiva ao cumprimento da lei de ordem pública;

VI - que implique oferecimento, promessa ou solicitação de dinheiro, dádiva, rifa, sorteio ou vantagem de qualquer natureza;

VII - que perturbe o sossego público, com algazarra ou abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos, inclusive aqueles provocados por fogos de artifício; (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

VIII - por meio de impressos ou de objeto que pessoa inexperiente ou rústica possa confundir com moeda;

IX - que prejudique a higiene e a estética urbana;

X - que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública;

XI - que desrespeite os símbolos nacionais.

XII - que deprecie a condição de mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

Na hipótese, porém, não vislumbro prova suficiente e segura de atos de incitação à violência, à discriminação ou à depreciação de pessoas por sua condição pessoal, que, sob o critério da reserva legal proporcional, justifiquem a intervenção da Justiça Eleitoral sobre liberdade de manifestação do recorrido.

Ressalta-se que os fatos teriam ocorrido em espaços públicos e não consta, nos presentes autos, prova inequívoca e cabal de agressão à honra ou a direitos de terceiros.

Nessa direção, o STF já proclamou que crítica provocativa também se insere no direito fundamental à liberdade de expressão, o qual “não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias” (STF; ADI n. 4.451-DF, Relator: Min. Alexandre de Moraes, julgado em 21.6.2018).

Destaque–se, ainda, que o TSE, de forma sólida, proclama que "a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão" (AgR–REspEl no 0600396–74/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 21.3.2022).

Diante de tais aspectos, são acertadas as considerações da sentença recorrida:

No caso em tela, embora as abordagens do representado, segundo se vislumbra nos vídeos hospedados na sua página, de fato em alguns momentos se mostrem provocativas, noutros grosseiras, não constato, com a devida vênia à representante, evidente preconceito de sexo ou de identidade de gênero pelo fato de que as abordagens visam, preferencialmente, mulheres militantes da sua candidatura. A veiculação de conteúdos de vídeo em que há escolha preferencial por abordagem a mulheres, por si só, sem conteúdo evidentemente preconceituoso ou depreciativo da condição feminina, não se subsume na moldura abstratamente definida nos diversos incisos do art. 22 da Resolução nº 23.610/19.

Por isso, sobretudo considerando que a “atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático” (artigo 38, Resolução TSE nº 23.610/2019), e especialmente em seu parágrafo primeiro “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral”.

 

Ademais, as condutas relatadas na petição inicial, tomadas em suas descrições abstratas, podem, eventualmente, tipificar os crimes previstos nos arts. 332 e 326-B do Código Eleitoral.

Embora o acervo probatório não seja suficiente para eventuais medidas na presente sede processual, cuja cognição é bastante restrita, há notícia que o Ministério Público Eleitoral, nos autos do processo n. 0600052-65.2024.6.21.0113, envolvendo os mesmos fatos, requisitou a instauração de Inquérito Policial à Polícia Federal, a fim de apurar possíveis condutas ilícitas no âmbito criminal.

Com efeito, é a esfera criminal a adequada para o aprofundamento da apuração sobre os fatos articulados na petição inicial.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.