REl - 0600161-25.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/10/2024 às 14:00

VOTO

A presente representação foi ajuizada devido à divulgação de postagem de vídeo em 11.9.2024, no perfil da rede social Instagram da Associação Amigos Mães e Pais de Autistas e Relacionados com Enfoque Holístico (AMPARHO), pessoa jurídica de direito privado, contendo o número de urna da candidata ao cago de vereador pelo Partido Social Democrático de Pelotas (PSD), Eliane Soares Sá Britto Bitencourt, na qual esta aparece discursando sobre o fato de que, em 2023, a prefeitura doou um terreno à AMPARHO para ser utilizado como a sede da associação.

Transcrevo o conteúdo e a imagem de sua fala (ID 45743343):

(0:00) Pessoal, professora Eliane aqui, e hoje eu vou contar pra vocês porque que a AMPARHO (0:04) recebeu um terreno de doação da Prefeitura. (0:07) A AMPARHO é uma associação de amigos, mães e pais de autistas e relacionado com o enfoque (0:13) holístico que atua em Pelotas há 15 anos, lutando pelos direitos dos autistas e seus (0:18) familiares, conscientizando a sociedade sobre a pauta autista e acolhendo as famílias que (0:25) recebem o diagnóstico. (0:27) Por luta e obra da AMPARHO, nós temos hoje o Centro de Autismo em Pelotas, que começou (0:33) atendendo 80 autistas e hoje atende quase 600.

(0:39) Mas o fato é que a população autista tem aumentado muito e nós precisamos de mais (0:45) espaços para atender essa demanda. (0:48) CERENEPE, APAE e o próprio Centro de Autismo não têm espaço físico para garantir o atendimento (0:54) de todos. (0:55) E a Prefeita Paula sabe disso, porque além de ser uma prefeita que tem um olhar para (0:59) a pauta das deficiências, ela entende, respeita e valoriza o trabalho das associações que (1:06) representam essas pessoas.

(1:08) Por esse motivo, a Prefeita Paula, com o aval de todo o Legislativo, doou em maio do ano (1:15) passado o terreno para a AMPARHO, assim como doou também o terreno para a Padipel, a Associação (1:21) de Pais de Down de Pelotas. (1:23) E eu torço para que o próximo prefeito também tenha esse olhar para a pauta das deficiências (1:28) e mais terrenos sejam doados para as associações que atendem, representam e trabalham com as (1:35) pessoas com deficiência na nossa cidade. (1:38) Agora, o que vai acontecer no terreno da AMPARHO, isso é pauta para o próximo vídeo.

(1:44) Vem comigo que eu te conto.


Inicialmente, entendo que merece acolhida o argumento de que não foi devidamente demonstrado o prévio conhecimento da candidata e de seu partido sobre a divulgação da propaganda na rede social da pessoa jurídica, a Associação Amigos Mães e Pais de Autistas e Relacionados com Enfoque Holístico (AMPARHO).

Na inicial, o Ministério Público Eleitoral afirma que o material teve divulgação ostensiva e pública, o que torna evidente o prévio conhecimento, porque é impossível conceber que a candidata não tivesse conhecimento da publicação.

Entretanto, o recorrido não demonstrou a ostensividade alegada, não indicou se o conteúdo foi impulsionado, o número de reações à postagem, ou apresentou qualquer elemento mínimo a evidenciar divulgação ostensiva. De igual modo, não comprovou que houve interação da candidata com a publicação, seja na forma de curtida, compartilhamento ou comentário.

A simples menção de que é “impossível não saber” não atende à previsão do art. 40-B da Lei das Eleições: “A representação relativa à propaganda irregular deve ser instruída com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso este não seja por ela responsável”.

Ademais, são verossímeis as justificativas defensivas de que a candidata publicou o vídeo em seu próprio perfil da rede social e que, sem o seu conhecimento, a entidade compartilhou a publicação. O vídeo foi publicado em setembro de 2024, e no relatório de averiguação o Ministério Público Eleitoral certificou que o nome fantasia AMPARHO corresponde à razão social Associação Amigos, Mães e Pais de Autistas e Relacionados com Enfoque Holístico, com CNPJ 10.823.993/0001-55, cuja responsável é Márcia Consuelo Kraemer, Presidente.

Não foi comprovado que a candidata tinha ingerência, na época do fato, sobre a associação, e este Tribunal não realiza condenação por presunção:

Recurso. Representação por propaganda eleitoral extemporânea. Eleições 2012. Propaganda veiculada na internet, por meio do twitter. Sentença monocrática que determinou a retirada da propaganda na rede social, bem como a aplicação de multa. Mensagem veiculada em favor de parlamentar, em período vedado, levando a conhecimento sua futura candidatura à prefeitura da capital. Imprescindível a comprovação do prévio conhecimento da propaganda irregular para a responsabilização do candidato. Hipótese em que não se admite a responsabilidade objetiva ou presunção em razão das circunstâncias e peculiaridades do caso concreto. Provimento.

(TRE-RS - RE: 1173 RS, Relator: DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Data de Julgamento: 10/07/2012, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 125, Data 13/07/2012, Página 2)

 

Recurso. Propaganda eleitoral. Fixação de publicidade em postes de iluminação pública. Acordo celebrado em reunião com todos os partidos políticos para que, na capital, não se fixe propaganda em postes que sustentam transformadores de energia. Inexistência de prova acerca da responsabilidade e prévio conhecimento da propaganda. Imediato cumprimento da intimação judicial de retirada. Provimento.
(TRE-RS - RREP RECURSO: 1972004 RS, Relator: DES. ROQUE MIGUEL FANK, Data de Julgamento: 16/09/2004, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 16/09/2004)

 

Com esses fundamentos, entendo não comprovado o prévio conhecimento da candidata e do seu partido sobre a divulgação do vídeo impugnado e afasto a sua condenação.

Quanto à prática de irregularidade pela Associação, verifico que o caso apresenta peculiaridades que afastam o teor eminentemente eleitoral da divulgação, uma vez que o discurso do vídeo não se reporta ao pleito de 2024, pois trata de doação ocorrida em 2023, e não se refere a candidato em disputa, uma vez que nele apenas foi referido o nome da Prefeita Paula Schild Mascarenhas, que não concorreu na eleição.

Na gravação consta o número da candidata, mas na sua fala esta não menciona o cargo, não pede votos e apenas menciona terreno doado no ano de 2023 para a sede da Associação Amigos, Mães e Pais de Autistas e Relacionados com Enfoque Holístico.

A simples menção ao número de urna, mesmo durante o período vedado para a divulgação de propaganda eleitoral, ou seja, antes de 16 de agosto do ano da eleição, não caracteriza infração eleitoral, não sendo razoável e proporcional, diante das peculiaridades do caso concreto, proceder-se à condenação. Colaciono precedente:

Direito eleitoral. Eleições 2024. Recurso. Propaganda eleitoral antecipada. Publicação do número de urna ao lado do nome de usuário da pré–candidata. Instagram. Ausência de pedido explícito de voto. Recurso desprovido. I. CASO EM EXAME 1.1. Interposição contra sentença que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral antecipada contra candidata, referente à divulgação do número de urna ao lado do nome da então pré–candidata, no seu perfil do Instagram, antes do início oficial da campanha eleitoral. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2.1. Se a publicação pode ser considerada propaganda eleitoral antecipada. 2.2. Se houve pedido explícito de voto ou uso de expressões que tenham transmitido o mesmo conteúdo. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. De acordo com o art. 36 da Lei n. 9.504/97, a propaganda eleitoral somente é permitida após 15 de agosto do ano da eleição, sendo vedada a propaganda extemporânea com pedido explícito de voto, passível de multa, nos termos regulados pelos arts. 2º e 3º–A da Resolução TSE n. 23.610/19. 3.2. Por outro lado, o art. 36–A da Lei das Eleicoes faculta a prática de determinados atos de pré–campanha, ainda que em período anterior às campanhas, desde que não envolvam pedido explícito de votos, entre eles, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais do pré–candidato, o pedido de apoio político, a divulgação de ações políticas já desenvolvidas e das que pretende desenvolver, a manifestação de posicionamento pessoal e a exposição de atos parlamentares e debates legislativos. 3.3. Na hipótese, a candidata se limitou a divulgar a sua pré–candidatura ao cargo de vereadora, acompanhada do seu número, comunicando a plataforma política que pretende desenvolver, nos limites da permissão legal. Na publicação, não houve pedido expresso de voto, nem o uso de expressões equivalentes. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: “A divulgação do número de urna ao lado do nome de pré–candidata, em perfil de rede social, sem pedido explícito de voto ou uso de expressões semânticas equivalentes, não caracteriza propaganda eleitoral antecipada”.

Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, arts. 36 e 36–A; Resolução TSE n. 23.610/19, arts. 2º e 3º–A.

Jurisprudências relevantes citadas: TSE; Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial Eleitoral nº 060006123, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, 13/11/2020; TSE; Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 060765340, Acórdão, Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, 27/08/2019; TSE – Rp: 06002873620226000000 BRASÍLIA – DF 060028736, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 23/05/2023, Data de Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 113.

(TRE-RS - REl: 06001656220246210131 SAPIRANGA - RS 060016562, Relator: Mario Crespo Brum, Data de Julgamento: 23/09/2024, Data de Publicação: PSESS-610, data 25/09/2024)

 

Entendo que o conteúdo está dentro dos limites da liberdade de expressão e de informação, e que a manutenção da infração não se justifica, sendo devido o provimento dos recursos.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo provimento dos recursos para reformar a sentença e julgar improcedente a representação, afastando as penalidades impostas.