REl - 0600014-79.2024.6.21.0169 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/10/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o recorrente relata que o perfil no instagram denominado “Caxias do Sul Mil Grau” publicou dois vídeos publicitários e um reel com propaganda eleitoral em favor do candidato Adilo Ângelo Didomênico, concorrente ao cargo de prefeito de Caxias do Sul.

Narra, ainda, que o reel é protagonizado por Neri Andrade Pereira Junior, conhecido como “Neri, o carteiro”, que é deputado estadual, e que o conjunto de publicações está disponível, pelo menos, desde 20.8.2024.

As publicações questionadas estão disponíveis nas seguintes URLs:

i. https://www.instagram.com/caxiasdosulmilgrau/;

ii. https://www.instagram.com/reel/C-txypZNBOY/; e

iii. https://www.instagram.com/caxiasdosulmilgrau/reel/C-1CjaaPVXr/.

 

Assim, a controvérsia recursal, inicialmente, consiste em estabelecer se houve a utilização do perfil “https://www.instagram.com/caxiasdosulmilgrau/”, de pessoa jurídica, para divulgação de propaganda de cunho eleitoral, o que é vedado nos termos do art. 57-C Lei n. 9.504/97:

Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes. (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

§ 1º É vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet, em sítios: (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

I - de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

[…].

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa. (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

 

O simples acesso ao referido perfil no Instagram confirma as alegações do recorrente de que “não há nenhum nome ou identificação de pessoa física ou de se tratar de um ‘blog’ ou algo parecido”.

Indubitavelmente, o referido sítio eletrônico é utilizado para fins comerciais e publicitários, consoante se denota pelas postagens envolvendo anúncios de mercados, restaurantes e sorteios, bem como pela linguagem comercial utilizada: ‘Aqui sua empresa CRESCE mais e de verdade’, ‘Parcerias via Direct”.

Logo, ainda que não seja possível identificar se o perfil cumpre ou não os requisitos legais para a constituição formal de pessoa jurídica, é certo que se trata, minimamente, de uma pessoa jurídica de fato, pois assim se apresenta e assim opera negócios com fins lucrativos.

Sobre reconhecimento de ser o perfil caxiasdosulmilgrau de pessoa jurídica, bem pontuou a douta Procuradoria Regional Eleitoral:

(…) ao se acessar os links disponibilizados na inicial, nota-se que pelo menos em um deles consta o perfil “caxiasdosulmilgrau” como divulgador da propaganda eleitoral, qual seja: https://www.instagram .com/reel/C-txypZNBOY/.

Por sua vez, o conjunto probatório (URLS, capturas de tela, áudios, transcrições) revela, sem sombra de dúvidas, que o perfil “Caxias do Sul Mil Grau” é uma pessoa jurídica, com fins lucrativos. Como exemplo, veja-se o que seu administrador disse para o ora recorrente MAURICIO: “Eu tenho CNPJ, eu tenho tudo, eu posso dar nota, tudo.” (ID 45702591 - g. n.).

Ademais, ainda que não fosse empresa formalizada, a jurisprudência da Justiça Eleitoral tem reconhecido a figura da pessoa jurídica de fato.

 

Com efeito, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral entende que, com base na teoria da aparência e na teoria da atuação de fato, eventuais lacunas ou vícios formais na constituição da pessoa jurídica não lhe retira o dever de observar a proibição à propaganda eleitoral na internet, consoante as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. REDE SOCIAL. ART. 57-C, § 1º, I, DA LEI DAS ELEIÇÕES. PESSOA JURÍDICA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. ACÓRDÃO REGIONAL EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO.

1. A Corte paranaense, soberana na apreciação dos fatos e das provas, firmou, em virtude das particularidades do caso (alteração societária apenas formal/teoria da aparência), que o perfil denominado "Hora Certa", no qual foram veiculadas propagandas eleitorais semanais de aproximadamente 60 (sessenta) minutos em favor de Rodrigo Salvadori, é de propriedade de pessoa jurídica de fato, razão pela qual reconheceu o ilícito eleitoral descrito no art. 57-C, § 1º, I, da Lei das Eleições.

2. Impossível acolher as alegações no sentido de que o perfil é de titularidade de pessoa natural e inexiste veiculação de propaganda eleitoral, porquanto demandaria, impreterivelmente, o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE).

3. O entendimento explicitado pelo Tribunal Regional está em harmonia com a jurisprudência deste Tribunal, razão pela qual incide no caso o enunciado sumular nº 30/TSE, óbice igualmente extensível aos recursos alicerçados em afronta a lei.4. Agravo regimental desprovido.

Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060005836, Acórdão, Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 23/09/2022.

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. ART. 57-C, § 1º, I, DA LEI Nº 9.504/1997. PUBLICIDADE EM SÍTIO DE PESSOA JURÍDICA. PERFIL PESSOAL. FACEBOOK. VIÉS ELEITORAL DA MENSAGEM. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SEDE ESPECIAL. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. CANCELAMENTO DE CNPJ. ATUAÇÃO DE FATO DA PESSOA JURÍDICA. TEORIA DA APARÊNCIA. PERSONALIDADE JURÍDICA CONSIDERADA. IRREGULARIDADE. MULTA. MONTANTE COMINADO. DECISÃO FUNDAMENTADA. PECULIARIDADE DO CASO. PROPORCIONALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.1. O reexame do conjunto fático-probatório dos autos é inviável em sede especial, por força do enunciado da Súmula nº 24/TSE.2. Na espécie, quanto ao conteúdo da mensagem impugnada caracterizar propaganda eleitoral negativa que não encontra guarida na liberdade de expressão, verifica-se que a modificação desse fundamento constante no acórdão regional esbarra no óbice da aludida súmula.3. O art. 57-C, § 1º, I, da Lei das Eleições proíbe a veiculação de propaganda eleitoral em sítio eletrônico de pessoas jurídicas, sujeitando o responsável à penalidade de multa.4. As normas que proíbem a participação de pessoas jurídicas no processo eleitoral visam assegurar, sobretudo, a igualdade de oportunidades entre os candidatos que concorrem ao pleito eleitoral, seja impedindo o desequilíbrio da disputa por meio de recursos advindos dessas pessoas, seja obstando a realização de propaganda eleitoral em favor de determinadas candidaturas.5. Deve ser afastada qualquer interpretação permissiva de pessoas jurídicas empreenderem esforços em favor de pré-candidatos ou candidatos, de qualquer espécie ou natureza, de modo direto ou indireto, sob o risco de se contemplar a inobservância de decisão proferida na ADI 4.650.6. Segundo a teoria da aparência, uma situação de fato que encobre situação jurídica formalmente verdadeira, contrária a ela, deve ser considerada para atrair as consequências legais decorrentes da realidade fática externada, incutida como verdadeira no ideário dos receptores dessa.7. No caso, a formalidade da baixa do CNPJ não tem o condão de afastar a irregularidade da publicidade eleitoral porquanto a sua veiculação se vincula substancialmente à pessoa jurídica.8. Quando o balizamento do montante da multa cominada está fundamentado no acórdão recorrido com supedâneo nas peculiaridades do caso não há que se falar em redução da quantia fixada por arguida contrariedade à proporcionalidade.9. Agravo a que se nega provimento.

Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060038663, Acórdão, Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 13/12/2021.

 

Conforme tratado no mencionado voto do Ministro Carlos Horbach no julgamento do referido Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060005836, segundo a teoria da aparência, “uma situação de fato que encobre situação jurídica formalmente verdadeira, contrária a ela, deve ser considerada para atrair as consequências legais decorrentes da realidade fática externada, incutida como verdadeira no ideário dos receptores dessa”.

Ademais, ainda exista prova cabal de que as publicações ocorreram mediante pagamento, a jurisprudência é firme no sentido de que não é permitida a divulgação de propaganda eleitoral por meio da internet, seja gratuita ou onerosa, quando promovida em sítio eletrônico pertencente à pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos.

Nesse diapasão, reproduzo precedentes a respeito do tema:

REPRESENTAÇÃO – PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR PRELIMINARES – ILEGITIMIDADE da parte. erro material. E INÉPCIA DA INICIAL– REJEITADAs – PROPAGANDA ELEITORAL PAGA NA INTERNET – PESSOA JURÍDICA – TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA – PROCEDÊNCIA– REMOÇÃO DA PROPAGANDA – APLICAÇÃO DE MULTA.

1. Não é permitido a divulgação de propaganda eleitoral por meio da internet, seja gratuita ou onerosa, quando promovida em sítio eletrônico, pertencente à pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos.

2. Recurso conhecido e desprovido.

(TRE-PI - REC: 06009663520226180000 TERESINA - PI, Relator: Des. Marcelo Leonardo Barros Pio, Data de Julgamento: 14/09/2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 14/09/2022)

 

ELEIÇÕES 2024. MUNICÍPIO DE ROTEIRO. RECURSO EM REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EM REDE SOCIAL INSTAGRAM DE DOMÍNIO DE PESSOA JURÍDICA. VIOLAÇÃO AO ART. 57-C, § 1º, I, DA LEI 9.504/97. IRREGULARIDADE VERIFICADA. MULTA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. É vedada a veiculação de propaganda eleitoral em página de pessoa jurídica, até mesmo mediante a divulgação de endereço eletrônico que redirecione o usuário ao conteúdo da publicidade, conforme preceitua o art. 57-C, § 1º, inciso I, da Lei nº 9.504/97.

2. Realização de propaganda eleitoral veiculada em perfil de rede social de pessoa jurídica é conduta vedada objetivamente, impondo-se a aplicação da multa prevista no § 2º do art. 57-C da Lei nº 9.504/97, ao responsável.

Acordam os Desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas em conhecer e negar provimento ao Recurso, mantendo a sentença de procedência da Representação em tela, nos termos do voto do Relator. Des. Eleitoral GUILHERME MASAITI HIRATA YENDO

(TRE-AL - RECURSO ELEITORAL nº 060028669, Acórdão, Des. Guilherme Masaiti Hirata Yendo, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 17/09/2024)

 

Em relação à responsabilização dos recorridos, a prova dos autos revela que Neri Andrade Pereira Junior protagonizou um dos vídeos publicados em favor do candidato recorrido na página “Caxias do Sul Mil Grau”, manifestando seu apoio e exaltando as qualidades do candidato (ID 45702598).

Ainda, está demonstrado que Neri atuou como corresponsável pela mesma postagem, por meio da ferramenta de “collab” (ID 45702579), que consiste em compartilhar a autoria de uma publicação em duas ou mais contas, aumentando a visibilidade mútua da mensagem.

Logo, é manifesta a responsabilidade de Neri Andrade Pereira Junior por ação conjunta com os responsáveis pela página eletrônica.

De seu turno, comprovou-se que o candidato Adilo, beneficiário das publicações, além de também figurar no vídeo, lançou um comentário sobre a postagem: “Estamos juntos, deputado! Juntos, por Caxias!” (ID 45702617), expondo de modo inequívoco o seu prévio conhecimento dos fatos, nos termos exigidos pelo art. 40-B da Lei n. 9.504/97.

Diante dos fatos e fundamentos supracitados, está configurado o ilícito eleitoral descrito no art. 57-C, § 1º, inc. I, da Lei das Eleições, para o qual concorrem Adilo Angelo Didomenico e Neri Andrade Pereira Junior.

Entendo, assim, que deve ser dado provimento ao recurso para condenar os recorridos, individualmente, ao pagamento de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), ante a ausência de circunstâncias que recomendem a majoração além do mínimo legal.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso para condenar ADILO ÂNGELO DIDOMÊNICO e NERI ANDRADE PEREIRA JÚNIOR, individualmente, ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fundamento no art. 57-C, § 2º, da Lei n. 9.504/97.