ED no(a) REl - 0600220-25.2024.6.21.0030 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/10/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o embargante afirma que o acórdão se revela omisso em relação ao exame das seguintes questões: a) “que o embargante criou a comissão de prestação de contas na FUNDERGS no período em que esteve na presidência”; b) “que o embargante realizou o concurso público para contratação de profissionais para FUNDERGS, a fim de resolver a falta de pessoal histórica da fundação e durante o seu mandato”; e c) “que no acórdão do Tribunal de Contas não restou indicado que ocorreu o desvio de valores ou malversação de valores”.

O recorrente alega, ainda, que os pontos não abordados no voto são essenciais para a análise da sua conduta subjetiva nas irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas.

Adianto que não lhe assiste razão.

Os argumentos supostamente não enfrentados pelo acórdão embargado foram também deduzidos perante a Corte de Contas e por ela afastados, em conformidade com os seguintes trechos do voto:

Nesse passo, o Tribunal de Contas do Estado, no Processo de Tomada de Contas n. 007647-02000/09-0, rejeitou as contas do recorrido relativamente ao exercício de 2009, quando ocupou o cargo de Administrador da Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul (FUNDERGS), em razão de um volumoso conjunto de reiteradas irregularidades em convênios que acarretaram um prejuízo aproximada de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) ao erário, consoante os seguintes apontamentos (ID 45738865, grifei):

Em relação a tal argumento, conforme analisado em três exemplos listados a seguir, as sugestões de débito não decorrem de falhas isoladas, mas sim de um conjunto de inconformidades, diversas vezes em relação ao mesmo convênio, as quais comprometem a verificação quanto à adequação do gasto público à finalidade proposta para o convênio.

No item 1.6.1, por exemplo, foram apontadas 5 inconformidades: 1) Realização de despesas fora do período de vigência do convênio; 2) Saque do Valor do Convênio; 3) Recebimento de prestação de contas incompleta; 4) Despesas em desacordo com o Plano de Trabalho; e 5) Ausência de comprovação da aplicação da contrapartida.

Já no item 1.6.2 existem 2 inconformidades: 1) Saque do Valor do Convênio; e 2) Realização de despesas fora do período de vigência do convênio.

No item 1.6.3 há 3 inconformidades: 1) Saque do Valor do Convênio; 2) Realização de despesas fora do período de vigência do convênio; e 3) Recebimento de prestação de contas incompleta.

Nos demais itens a situação é muito semelhante, existindo, ainda, outras inconformidades, tais como: 1) prestação de contas fora do prazo; 2) despesas em desacordo com o plano de trabalho; 3) ausência de comprovação da aplicação da contrapartida; 4) documentos comprobatórios de despesa inadequados ou em desacordo com as cláusulas do convênio; 5) diferença no custo unitário cobrado pelo mesmo prestador de serviço para a mesma despesa; 6) utilização de recursos recebidos de outro Órgão do Estado para comprovar a despesa referente à contrapartida; 7) irregularidade da empresa prestadora de serviços; 8) ausência de orçamentos de pesquisa de preços; entre outras.

[...]

Por todo o exposto, voto pela fixação do débito no montante de R$ 1.279.885,11, conforme detalhado na tabela acima, devendo o atual Gestor ser recomendado para que adote as providências cabíveis no sentido de evitar a repetição dos apontes.

Quanto aos demais itens, todos sem sugestão de débito, apontados nos itens 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, 2.1, 2.2, 3.1, 5.1, 5.2, 5.3, 6.1.1, 6.1.2, 6.1.3 e 6.1.4, todos dos Relatórios de Auditoria, itens 2.1, 2.2, 2.3.4, 2.3.5.a, 2.3.6, 2.4.3, 2.4.4, 2.5.1.b, 2.5.2, 2.6, 2.7, 2.8, 3.1, 3.2, 3.3, 3.4 e 3.5, todos da CAGE, itens 2.1 e 2.2 da Documentação, anuo às razões trazidas pela Instrução Técnica no sentido de mantê-las, pois entendo que tais inconformidades revelam fragilidades do sistema de gestão da Auditada, bem como infrações à administração financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, que em conjunto com as demais inconformidades, sujeitam o Administrador à penalidade de multa, com fundamento no art. 67 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas, sem prejuízo da recomendação à Origem para adoção de medidas corretivas.

Quanto ao julgamento das contas do senhor Solimar Charopen Gonçalves, o conjunto de falhas apresentadas no presente processo, em especial em relação à precariedade na prestação de contas de convênios, cujo montante das falhas supera R$ 1,5 milhão, compromete a globalidade da gestão, sujeitando o Administrador ao julgamento pela irregularidade de suas contas relativas ao exercício 2009, sem prejuízo das demais medidas contempladas neste Voto.

[...].

Em conclusão, decidiu o Tribunal Pleno da Corte de Contas (ID 45738866):

O Tribunal Pleno, por unanimidade, acolhendo o voto do Conselheiro-Relator, por seus jurídicos fundamentos, decide:

a) julgar irregulares as contas do Senhor Solimar Charopen Gonçalves (p.p. Advogados Valdir Boniatti, OAB/RS n. 35.067, e Ana Lúcia Steffens Bay, OAB/RS n. 35.124), Administrador da Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul – FUNDERGS no exercício de 2009, com fundamento no inciso III do artigo 84 do Regimento Interno deste Tribunal;

b) recomendar ao atual Gestor a adoção de medidas efetivas em relação às inconformidades apresentadas no voto do Conselheiro-Relator, em especial aquelas relativas às inconformidades nas Prestações de Contas dos Convênios;

c) fixar débito relativo aos itens 1.6.1 a 1.6.9, 1.6.11 a 1.6.14, 1.6.18 a 1.6.20, 1.6.24 a 1.6.32, 4.1.1, 4.1.2 e 4.1.5 a 4.1.12 dos Relatórios de Auditoria; itens 1.1.2 e 1.1.3 do Relatório Complementar n. 002/2012 da Supervisão de Auditoria e Instrução de Contas Estaduais – SAICE e itens 2.3.1.e, 2.3.2.d, 2.3.2.e, 2.3.3.c, 2.3.3.d, 2.3.5.b, 2.3.5.c, 2.4.1, 2.4.2 e 2.5.1.a do Relatório da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado – CAGE, conforme tabela apresentada no relatório e voto do Conselheiro-Relator (folhas 3818 e 3819), de responsabilidade do Senhor Solimar Charopen Gonçalves;

d) impor multa, no valor de R$ 1.500,00, ao Senhor Solimar Charopen Gonçalves, com fundamento nos artigos 67 da Lei Estadual n. 11.424/2000 e 135 do Regimento Interno deste Tribunal;

e) remeter estes autos à Supervisão competente para a aplicação dos consectários decorrentes desta decisão, nos termos do Regimento Interno deste Tribunal.

 

Os fatos descritos pelo Tribunal de Contas configuram, em tese, atos de improbidade administrativa enquadráveis na Lei n. 8.429/92, precipuamente nos incisos II, XI, XII e XIX do artigo 10, especialmente no que se refere à realização de despesas sem a observância das formalidades legais, à facilitação para que terceiro se enriqueça ilicitamente e no agir para a configuração de ilícito na fiscalização e nas contas de parcerias firmadas com outras entidades.

Além disso, está bem demarcado pela Corte de Contas que o Gestor, nos diversos convênios firmados, agiu com dolo específico, uma vez que não adotou qualquer iniciativa para estruturar a fundação que administrava, não agiu para fiscalizar os ajustes ou apurar eventuais falhas nos processos, permitindo, de forma intencional, a contumaz realização de despesas sem a devida comprovação e sem estrita observância das normas pertinentes.

Nessa linha de intelecção, o TSE já proclamou que “o dano ao erário e o prejuízo à boa gerência da coisa pública afiguram–se inequívocos, tipificando–se falha grave, de natureza insanável, a atrair a inelegibilidade” (Recurso Especial Eleitoral n. 0600225-35, Acórdão, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE, Tomo 62, Data 08/04/2021).

Não foram verificadas apenas irregularidades formais e erros pontuais que poderiam ser sanados sem qualquer prejuízo, mas graves omissões e infringência às normas que acarretaram danos ao erário, no dizer na Corte de Contas.

Em que pese exista a possibilidade indenizatória no intuito de ressarcir os cofres públicos no que concerne ao prejuízo ao erário e ao enriquecimento ilícito, a violação a preceitos constitucionais é vício que não tem como ser desfeito.

De seu turno, o recorrente sustenta que os convênios eram aprovados por um conselho, bem como que não era ele o ordenador de despesas e que os fatos ocorreram por descumprimentos contratuais por parte das entidades conveniadas, o que afastaria a sua responsabilidade subjetiva.

Contudo, o Tribunal de Contas atribuiu a responsabilidade pelos fatos direta e pessoalmente ao recorrido enquanto gestor da fundação pública, tanto que lhe imputou o débito pelos prejuízos ao erário no montante de R$ 1.279.885,11 (ID 45738865, fl. 25), cumulativamente com a imposição e multa no valor de R$ 1.500,00.

 

Portanto, o Tribunal de Contas concluiu pela existência de uma multiplicidade de falhas de gestão e fiscalização dos convênios celebrados, gerando expressivos prejuízos ao erário por malversação de valores públicos, em razão de reiteradas condutas omissas e intencionais por parte do administrador público responsável pela FUNDERGS.

Vale dizer: consoante concluiu o Tribunal de Contas, as ações destacadas pelo embargante não foram suficientes para sanear o comprometimento global de sua gestão ou a sua própria responsabilidade frente às falhas apuradas.

O tema também foi detidamente analisado na sentença, consoante trecho adotado pelo acórdão como razões de decidir:

O resultado de tal conduta, segundo apontado também pela Corte de Contas estadual foram, a inviabilização da verificação do gasto público à finalidade dos convênios para os quais destinados os valores e o apontamento de débito no valor de no valor de R$ 1.279.885,11 (hum milhão, duzentos e setenta e nove mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e onze centavos), em valores consolidados em 2015.

O dolo – que a LC n. 64/90 não exige seja específico, mas apenas genérico – consubstancia-se claramente no caso em tela quando o impugnado, quando administrador, de forma voluntária e consciente, reiterou sistematicamente em falhas graves que:

- comprometeram absolutamente a verificação do gasto público à finalidade dos convênios, quando determinou despesas fora do período de vigência do convênio;

- quando determinou saques diretos de valores de convênios;

- quando aceitou e recebeu prestação de contas incompletas;

- quando autorizou despesas em desacordo com a legislação e não exigiu, como de lei, a comprovação da aplicação da contrapartida pelos beneficiários das verbas públicas.

No caso em tela, se extrai claramente das auditorias e da decisão do Tribunal de Contas, que o impugnado assumiu conscientemente os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que pautam os gastos públicos.

 

Saliento que não cabe a esta Justiça Especializada rediscutir o mérito do acórdão do Tribunal de Contas, nos termos da Súmula n. 41 do TSE, mas apenas extrair do pronunciamento da Corte de Contas os elementos configuradores da inelegibilidade, tal como procedido e devidamente fundamentado no caso em comento.

Diante disso, não constato a existência de qualquer omissão ou outro vício de clareza e de integridade no julgado, razão pela qual as alegações da embargante devem ser rejeitadas.

Por fim, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil, consideram-se “incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento”.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo não acolhimento dos embargos de declaração.