ED no(a) REl - 0600648-58.2024.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração só podem ser opostos com o objetivo específico de esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, conforme expressamente estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil.

É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que “a boa técnica dos embargos declaratórios visa a escoimar o relatório, os fundamentos e o acórdão de incoerências internas, capaz de ameaçarem sua inteireza” e, portanto, não é o meio adequado para o embargante “obter o reexame da matéria versada nos autos, na busca de decisão que lhe seja favorável” (STJ, EDcl no REsp 440.106/RJ, 6a Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 23.8.2010).

No caso dos autos, a suposta omissão aventada reside no fato de o embargante entender que o acórdão não tratou a questão da má-fé e a caracterização do dolo específico na conduta do candidato, na medida em que houve dano ao erário. Ainda, refere haver omissão quanto à análise da insanabilidade das irregularidades.

Destaco que a argumentação intentada diz com o mérito do feito, já que deseja imprimir uma nova análise a respeito de aspectos caracterizadores do dolo específico, questão já superada na sentença e no recurso, cujo entendimento foi pela ocorrência de “erro grosseiro” o qual deve ser considerado como culpa grave.

Repito, é entendimento pacífico do TSE que para a incidência da inelegibilidade prevista na al. “g”, inc. I, art. 1º, da LC n. 64/90 é imprescindível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos, dentre eles, que a desaprovação seja decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa, também já fixado pela Corte Superior, que para tal deve haver dolo específico.

Ocorre que não ficou comprovado nos autos que a conduta do candidato, outrora gestor, tenha sido praticada com a finalidade especial de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outrem (dolo específico). Ademais, as irregularidades apuradas no exercício de cargo público estão assentadas em pronunciamento irrecorrível do TCU, do qual não se tem notícias de eventual anulação judicial, e que expressa de forma cristalina tratar-se de “erro grosseiro” que se assemelha à culpa grave.

As omissões invocadas pelo embargante com relação à não apreciação de suas teses argumentativas, não podem prosperar, visto que foram analisadas à exaustão no acórdão (ID 45744321):

 

O recurso é regular e tempestivo, de forma que comporta conhecimento.

Consta que o pedido de registro de candidatura de PIERRE EMERIM DA ROSA foi impugnado sob o fundamento da existência de causa de inelegibilidade do art. 1º, I, al. “g”, da LC n. 64/90.

A aludida inelegibilidade relaciona-se com a rejeição, pelo TCU (Tomada de Contas Especial n. 005.248/2023-0), das contas relativas ao uso de verba federal – Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome destinada ao Município de Imbé/RS.

A Lei Complementar n. 64/90 define que são inelegíveis:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[…]

 

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

A doutrina eleitoral de Rodrigo Lopez Zílio (2024 – p. 309) assim discorre sobre o tema:

 

(…) é imprescindível um juízo de desvalor negativo do respectivo órgão decisor sobre as contas, a “mera inclusão do nome do agente público na lista remetida `Justiça Eleitoral pelo Órgão de Contas, nos termos do §5º do art. 11 da lei nº 9.504/97, não gera, por si só, presunção de inelegibilidade e nem com base nela se pode afirmar ser elegível o candidato, por se tratar de procedimento meramente informativo” (TSE – AgR-Resp nº 427-81/RS – j. 28.03.2017 – DJE 11.04.2017). Vale dizer, o caráter informativo da relação encaminhada pelo Tribunal de Contas à Justiça Eleitoral, por exigência da Lei nº 9.504/1997, indica que sua finalidade é tão somente de anotação para que os legitimados, no prazo e procedimento apropriado, possam eventualmente buscar o indeferimento do registro de determinado candidato.

 

 

Como bem fixado em decisão do TSE, para a incidência da inelegibilidade prevista na al. “g”, inc. I, art. 1º, da LC n. 64/90, é exigível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:

 

 

(i) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (ii) decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo; (iii) desaprovação decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa; (iv) não exaurimento do prazo de oito anos contados da publicação da decisão; e (v) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 67036, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação em 19/12/2019).

 

 

De modo a evitar indevida tautologia, reproduzo apenas parcialmente a sentença, neste ponto, em razão do seu poder de síntese:

 

 

Conforme já relatado, no art. 1º, inciso I, alínea "g" da Lei Complementar nº 64/90 é exigido que seja aferido dolo no comportamento do gestor público que teve as contas reprovadas. Compulsando a Lei 8.429/1992 em seu art. 11, § 1º determina que somente haverá improbidade administrativa quando for comprovado que a conduta do agente público se deu a fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa. A jurisprudência vem sendo francamente majoritária no sentido de considerar que erro grosseiro deve ser considerado como culpa grave.

 

ISTO POSTO, ACOLHO INTEGRALMENTE a manifestação do Ministério Público Eleitoral e JULGO IMPROCEDENTE a impugnação e a notícia de inelegibilidade propugnada nos presentes autos, uma vez que ausente o pressuposto do dolo na conduta do prestador de contas PIERRE EMERIM DA ROSA no julgamento de contas proferido pelo Tribunal de Contas da União, juntado aos presentes autos.

 

Decidida improcedente a impugnação e a notícia de inelegibilidade apresentadas nos autos e atendidos os requisitos legais JULGO DEFERIDO o pedido de registro de candidatura de PIERRE EMERIM DA ROSA ao cargo de Prefeito no município de Imbé.

 

 

Como constou na decisão acima transcrita, não demonstrado o dolo no comportamento do gestor público que teve as contas rejeitadas.

 

Especificamente em relação ao ato doloso de improbidade, a Lei n. 14.230/21 alterou o panorama de incidência da inelegibilidade por desaprovação de contas públicas, passando a ser exigido o dolo específico, em superação ao dolo genérico (RO n. 0601046–26/PE, redator para o acórdão o Ministro Ricardo Lewandowski, PSESS em 10.11.2022).

 

Nesse ponto, acolho os fundamentos do parecer ministerial com atuação no juízo a quo (ID 45724593) que traz à baila a distinção entre dolo e “culpa grave” feita pelo próprio órgão julgador administrativo.

 

O TCU considerou que a conduta praticada pelo candidato, ausência de documentação na prestação de contas da verba federal recebida, foi resultante de um "erro grosseiro", o qual pode ser equiparado a uma ideia de "culpa grave", conforme abaixo transcrito:

 

(...) 38. Cumpre avaliar, por fim, a caracterização do dolo ou erro grosseiro, no caso concreto, tendo em vista a diretriz constante do art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 (Lei de Introdução à Normas do Direito Brasileiro - LINDB) acerca da responsabilização de agentes públicos no âmbito da atividade controladora do Estado. Desde a entrada em vigor da Lei 13.655/2018 (que inseriu os artigos 20 ao 30 ao texto da LINDB), essa análise vem sendo incorporada cada vez mais aos acórdãos do TCU, com vistas a aprimorar a individualização das condutas e robustecer as decisões que aplicam sanções aos responsáveis.

39. Acerca da jurisprudência que vem se firmado sobre o tema, as decisões até o momento proferidas parecem se inclinar majoritariamente para a equiparação conceitual do ‘erro grosseiro’ à ‘culpa grave’. Para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, tem-se considerado como erro grosseiro o que resulta de grave inobservância do dever de cuidado e zelo com a coisa pública (Acórdão 2391/2018-TCUPlenário, Relator: Benjamin Zymler, Acórdão 2.924/2018-Plenário, Relator: José Mucio Monteiro, Acórdão 11.762/2018-2ª Câmara, Relator: Marcos Bemquerer, e Acórdãos 957/2019, 1.264/2019 e 1.689/2019, todos do Plenário, Relator Augusto Nardes).

40. Quanto ao alcance da expressão ‘erro grosseiro’, o Ministro Antônio Anastasia defende que o correto seria considerar ‘o erro grosseiro como culpa grave, mas mantendo o referencial do homem médio’ (Acórdão 2012/2022 – Segunda Câmara). Desse modo, incorre em erro grosseiro o gestor que falha gravemente nas circunstâncias em que não falharia aquele que emprega um nível de diligência normal no desempenho de suas funções, considerando os obstáculos e dificuldades reais que se apresentavam à época da prática do ato impugnado (art. 22 da LINDB).

41. No caso em tela, as irregularidades consistentes na ‘ausência parcial de documentação de prestação de contas dos recursos federais repassados ao município de Imbé - RS, no âmbito do Transferências Legais – 2018’ configuram violação não só às regras legais: art. 37, caput, c /c o art. 70, parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil, art. 93 do Decreto-lei 200/1967; art. 66, caput, do Decreto 93.872 /1986, Portaria MDS nº 113, de 10 de dezembro de 2015, mas também a princípios basilares da administração pública. Depreende-se, portanto, que a conduta do responsável se distanciou daquela que seria esperada de um administrador médio, a revelar grave inobservância no dever de cuidado no trato com a coisa pública, num claro exemplo de erro grosseiro a que alude o art. 28 da LINDB (Acórdão 1689/2019-TCU-Plenário, Relator Min. Augusto Nardes; Acórdão 2924 /2018-TCU-Plenário, Relator Min. José Mucio Monteiro; Acórdão 2391 /2018-TCUPlenário, Relator Min. Benjamin Zymler).

 

Portanto, o órgão julgador consignou expressamente em sua decisão a constatação de erro grosseiro, não sendo admissível a presunção de dolo pela Justiça Eleitoral. Ademais, a jurisprudência do TSE fixou tese ao exigir dolo específico para a incidência da inelegibilidade por rejeição de contas.

 

ELEIÇÕES 2022. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, G, DA LC 64/1990. NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE ANÁLISE PRÉVIA PELO ÓRGÃO DE CONTAS. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. DESPROVIMENTO DO AGRAVO. 1. O parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas mostra–se imprescindível para o julgamento das contas do Chefe do Executivo Municipal. 2. Circunstâncias ou fatos alheios à manifestação da Corte de Contas não são aptas a amparar a rejeição das contas, ante a ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, razão pela qual não incide a inelegibilidade constante no art. 1º, I, g, da LC 64/1990. 3. O Tribunal Superior Eleitoral assentou, para as Eleições 2022, a necessidade de dolo específico para configurar a causa de restrição prevista na aludida alínea g, ausente na espécie. Precedente. 4. Agravo interno desprovido. (TSE - RO-El: 060103594 RECIFE - PE, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 09/02/2023, Data de Publicação: 14/03/2023)

 

Assim, não está caracterizada a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g” da Lei Complementar n. 64/90.

 

Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso, mantendo a sentença em sua íntegra.

 

Percebe-se, outrossim, que a embargante pretende o rejulgamento da matéria, postulando que o julgador examine inúmeras questões como se estivesse a responder um questionário, conduta que não se amolda à via estreita dos aclaratórios, conforme reiteradamente decidido pelos Tribunais:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA.

1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço.

2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.

4. Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude, tão somente, de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, a inquinar tal decisum.

5. Embargos de declaração rejeitados.

(STJ - EDcl no MS 21315 / DF – Relator Ministra DIVA MALERBI - PRIMEIRA SEÇÃO - Data do Julgamento - 08/06/2016 -Data da Publicação/Fonte - DJe 15/06/2016)

 

Nas circunstâncias, a pretensão recursal possui nítido intento de rediscutir a matéria decidida pelo Tribunal, o que é incabível em âmbito de embargos declaratórios, uma vez que "a omissão apta a ser suprida pelos declaratórios é aquela advinda do próprio julgamento e prejudicial à compreensão da causa, não aquela deduzida com o fito de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo julgador" (TSE, ED-AgR-AI 10.804, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 1º.2.2011).

Merece ser aqui reproduzido o entendimento do STJ no sentido de que “inexiste afronta aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 quando a decisão recorrida pronuncia-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo” (STJ - EDcl no AgInt no REsp: 1941932 SP 2021/0142753-4, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 14/03/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/03/2022).

Destarte, como o acórdão apreciou todas as matérias relevantes para o juízo de mérito, não se verifica qualquer omissão, sendo descabida a oposição de declaratórios com o objetivo de forçar o Tribunal a julgar novamente o caso concreto.

Dessa forma, se a embargante não concorda com o resultado do julgamento, deve manejar o recurso próprio objetivando a reforma da decisão, não sendo os embargos de declaração o instrumento cabível para o revolvimento da matéria já decidida ou alteração da conclusão do Tribunal.

Por derradeiro, em relação ao prequestionamento, considerando a disciplina do art. 1.025 do CPC, os elementos que a parte suscitou nos embargos de declaração serão considerados como prequestionados mesmo com sua rejeição, desde que tribunal superior considere que houve erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.