REl - 0600037-03.2024.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2024 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, pelos mesmos fundamentos delineados nos votos contidos nos acórdãos dos IDs 45718787 e 45734902, rejeito as preliminares de prescrição, de decadência, de intempestividade da ação de impugnação de registro de candidatura e de nulidade, por ausência de contraditório no processo legislativo que culminou no Decreto Legislativo n. 005/24, da Câmara de Vereadores, pela rejeição das contas de governo do recorrente, enquanto administrador do Executivo Municipal de São Borja no exercício de 2016, datado de 06.08.2024.

Reproduzo as razões das referidas decisões para evitar desnecessária tautologia, iniciando pelas razões de decidir do voto do acórdão de julgamento do recurso (ID 45718787):

(…)

Nos termos do artigo 71, inciso I, da Constituição Federal, diferentemente das contas de gestão, as contas de governo visam demonstrar o cumprimento do orçamento e dos planos da administração, referindo-se, portanto, à atuação do chefe do Executivo como agente político, e são julgadas após parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, cabe à Justiça Eleitoral apreciar os atos do gestor público para os fins de enquadrá-los, ou não, como irregularidades insanáveis que denotem improbidade administrativa:

"ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. INDEFERIMENTO. CONTAS JULGADAS IRREGULARES. TRIBUNAL DE CONTAS. VERBAS ENTE ESTADUAL. COMPETÊNCIA DA CORTE DE CONTAS. INCIDÊNCIA DA INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. APLICAÇÃO DE MULTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONSIDERADOS PROTELATÓRIOS. ACÓRDÃO REGIONAL INTEGRALMENTE MANTIDO. DESPROVIMENTO. SÍNTESE DO CASO

(...)

5. A orientação desta Corte Superior é no sentido de que, tendo sido rejeitadas as contas públicas, compete à Justiça Eleitoral enquadrar como insanável ou não a irregularidade reconhecida em decisão irrecorrível do órgão competente, assim como verificar se a falha decorre de ato doloso de improbidade administrativa, não lhe competindo, porém, analisar o acerto ou o desacerto da decisão. Nesse sentido: AgR-REspe 82-51, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 5.4.2017, AgR-REspe 136-07, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 30.6.2017, e RO 725-69, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 27.3.2015.

6. Este Tribunal consolidou o entendimento de que, para a análise acerca da existência de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, não é necessário que a decisão do órgão competente que rejeitou as contas públicas tenha assentado expressamente a presença de tais requisitos.

(…)

(Recurso Especial Eleitoral n. 060024984, Acórdão, Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26/03/2021)"

A sentença considerou que o recorrente incide na hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "g", da Lei Complementar n. 64/1990:

"Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010) (Vide Lei Complementar nº 184, de 2021)"

De acordo com a norma restritiva, exige-se o preenchimento de três condições para a caracterização da inelegibilidade da alínea "g": a) ter suas contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente; b) a rejeição deve se dar por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; c) inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule os efeitos da rejeição.

Tal inelegibilidade tem a finalidade de proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício do mandato, tal como estabelecido pelo art. 14, § 9º, da CF, impede a acesso ao cargo eletivo daqueles que praticaram ato doloso de improbidade administrativa, reconhecido em decisão definitiva de rejeição das suas contas como gestor público.

Como os órgãos que julgam as contas do agente público apenas analisam o caráter financeiro e legal dos atos de gestão, sem apreciar eventual improbidade, cabe à Justiça Eleitoral apurar se os fatos delimitados e reconhecidos na decisão de rejeição de contas pelo órgãos de controle configuram a "irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade" apta a gerar a inelegibilidade do candidato.

O STF, no julgamento do Tema n. 835, definiu que, "Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores."

E quando do julgamento do Tema n. 157, por sua vez, o STF fixou a tese de que "O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo."

No caso em tela, as alegações de prescrição e de decadência não se verificam porque o Decreto Legislativo que rejeitou as contas de governo do recorrente é de 06/08/2024, e a arguição de inelegibilidade foi realizada dentro dos 8 anos de incidência dessa restrição.

Não há previsão legal de prescrição do parecer meramente opinativo do Tribunal de Contas do Estado, sendo incabível o pedido de que se aplique, por analogia o disposto no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/99, que trata de matéria diversa, pois regulamenta o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta.

Também não há que se falar em decadência devido às contas não terem sido julgadas no prazo disposto em Lei Orgânica, incidindo quanto à alegação o enunciado da Súmula n. 41 do TSE: Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade.

Em verdade, as preliminares de prescrição, de decadência, e de nulidade por ausência de contraditório no processo legislativo são matérias a serem analisadas no âmbito da Justiça Comum, jurisdição na qual o recorrente deve buscar a suspensão ou anulação do ato da Casa Legislativa.

No caso em tela há decisão irrecorrível, dado que o Regimento Interno da Câmara de Vereadores de São Borja não prevê recurso após o julgamento pelo Plenário, na forma do Tema 835 do STF.

E as ações ajuizadas para desconstituir o Decreto Legislativo, além de não se tratarem de recurso, sequer lograram êxito, pois o próprio recorrente noticia que não obteve medida liminar suspendendo o ato, e o mandado de segurança impetrado foi até mesmo denegado, conforme apontado pelo impugnante: "19. Ao contrário, há nada menos que QUATRO decisões judiciais em sentido contrário à pretensão do impugnado. 20. UMA SENTENÇA nos autos do Mandado de Segurança 5004185-07.2024.8.21.0030, negando a tutela provisória, DUAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS na Ação Declaratória 5005135-16.2024.8.21.0030 (eventos 11 e 31) e UMA DECISÃO MONOCRÁTICA do Tribunal de Justiça negando também a tutela provisória, nos autos do Agravo de Instrumento 5234661-86.2024.8.21.7000 (evento 22). 21. Destaque-se que nos autos do Mandado de Segurança 5004185-07.2024.8.21.0030 restou inclusive reconhecida LITIGÁNCIA DE MÁ-FÉ".

 

A decisão da Ação Declaratória 5005135-16.2024.8.21.0030 foi trazida aos autos pelo impugnante:

"No caso, três são as insatisfações do autor: ausência intimação de (i) seus advogados para apresentação de defesa técnica e de notificação para participação da sessão plenária de julgamento das contas; (ii) ausência de motivação do decreto que rejeitou as contas; inversão (iii) na ordem estabelecida no § 3º, do artigo 31, da Constituição Federal para colocar as contas a disposição de qualquer contribuinte.

Em que pese haja a demonstração da promulgação do Decreto nº 005/2024, que rejeitou as contas de governo do autor enquanto Prefeito de São Borja, exercício de 2016 (evento 1, OUT4), não vislumbro a verossimilhança das alegações do requerente a fim de autorizar a concessão da providência de urgência.

Isso porque, a matéria trazida a juízo pelo demandante não é nova, tendo em conta que é a segunda ação movida referente a rejeição de contas (5004185-07.2024.8.21.0030), inclusive com argumentos assemelhados. Veja-se que naquela ação o autor buscava a suspensão do andamento dos projetos de Decretos Legislativos n. 004/2022 e n. 002/2023, afirmando não ter sido notificado para apresentar defesa técnica, um dos argumentos também sustentados nesta oportunidade.

Ocorre, porém, que após a instrução, as alegações iniciais não se confirmaram, sendo comprovado pela parte contrária que o requerente não só tinha conhecimento de todos os projetos de Decretos Legislativos que tramitavam na Câmara de Vereadores e tratavam da apreciação de suas contas enquanto Gestor Municipal, como de fato exerceu o direito de defesa, inclusive sustentando oralmente na sessão de julgamento pela Casa Legislativa.

Observo, inclusive, que o autor foi condenado por litigância de má-fé por alterar a verdade dos fatos, o que faz com que suas alegações, nessa oportunidade, sejam recebidas com ressalvas por este Juízo".

 

De igual modo, foi trazida aos autos, pelo impugnante, a decisão do Agravo de Instrumento n.º 5234661-86.2024.8.21.7000 (ID 45684300):

"Inicialmente, destaco ser impossível a reanálise do mérito administrativo que levou à rejeição das Contas do autor, cabendo tão somente a verificação da legalidade e da regularidade do autor, cabendo tão somente a verificação da legalidade e da regularidade do procedimento e da própria decisão. Trata-se de controle limitado, porque restrito apenas a juízos de legalidade da decisão proferida pelo Tribunal de Contas ou pela Câmara Municipal de Vereadores.

A legitimidade do Tribunal de Contas do Estado para julgar as contas de administradores está estabelecida nos artigos 71, inciso II, e 75, ambos da Constituição Federal:

In casu, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) emitiu parecer de rejeição das contas relativas ao Administrador do Executivo Municipal, relativas ao exercício de 2015 e 2016, remetendo os pareceres para a Câmara de Vereadores, quando então foram propostos os Projetos de Decreto Legislativo nº. 004/2022 (atual Substitutivo 001) e PDL nº. 002/2023 para apreciação das contas e votação em plenário.

No mandado de segurança nº 5004185-07.2024.8.21.0030, o impetrante afirmava a violação ao contraditório e à ampla defesa, requerendo a suspensão do andamento do Projeto de Decreto Legislativo nº. 004/2022 (atual Substitutivo 001) e Projeto de Decreto Legislativo nº. 002/2023, bem como o acesso aos processos administrativos (processo 5004185-07.2024.8.21.0030/RS, evento 1, INIC1). Recentemente, em 18/07/24, foi prolatada sentença, denegando a segurança, tendo em vista que "veio à tona, inclusive, que o impetrante, para além de notificado da tramitação dos projetos, teve expressamente oportunizada a elaboração de defesa técnica, direito que efetivamente exerceu, enfatize-se, pessoalmente, visto que apresentou sustentação oral para sua defesa no plenário da Câmara de Vereadores de São Borja, na data de 27/05/2024" (evento 24, SENT1)". Contudo, o impetrante interpôs apelação, ainda não processada.

De todo modo, o agravante informa que após o evento que deu azo ao referido mandado de segurança, outras violações ocorreram, as quais estão sendo atacadas na via da presente demanda com pedido de tutela de urgência, não havendo que se falar em litispendência, notadamente em razão do Decreto Legislativo nº. 005/2024 promulgado pela agravada, em 05/08/24, quando foram julgadas as contas, sem que, segundo o agravante, tivesse sido intimado para participar da sessão.

Apesar da insurgência, não se perde de vista que a tramitação dos projetos de decreto legislativo (impugnada na ação constitucional), culminou no Decreto Legislativo nº 005/2024, cuja impugnação é objeto desta lide.

Em que pese o agravante afirme que nem ele, nem seus causídicos foram intimados para a sessão plenária do dia 05/08/2024, há de se destacar, inicialmente, que pelas provas da ação mandamental, fora oportunizada a ampla defesa na fase de discussão do projeto ainda nas comissões, após a intimação e ciência quanto à instauração do procedimento administrativo, antes, por óbvio, do julgamento.

Veja-se que no mandado de segurança, embora inexista na certidão emitida pela Câmara (evento 12, DOC6) todas as especificações das notificações remetidas ao agravante através de ofícios (evento 12, OFIC3, evento 12, OFIC4 e evento 12, OFIC5), quando do contraditório, o Município comprovou a cientificação da parte, anexando cópias de ofícios e de comunicados procedidos através do aplicativo WhatsApp.

Menciono isso não para trazer à tona comparação com a outra ação em trâmite, mas porque serve de baliza para demonstrar que a análise da nulidade por ausência de contraditório depende da cópia integral dos autos administrativos, não sendo efetiva e suficiente a análise através da certidão acostada pelo agravante no evento 1, OUT5.

Dos documentos acostados com a exordial, percebe-se que no dia 06 /08/2024 o agravante insurgiu-se administrativamente requerendo cópia da sua notificação sobre a inclusão das tomadas de contas para votação e julgamento na sessão plenária do dia 05/08/2024 (evento 1, OUT8), não havendo informação acerca da resposta, tampouco cópia integral do procedimento administrativo, o que não se satisfaz pelos documentos acostados no evento 17, OUT2, em que sequer há a própria petição protocolada pelo autor, a denotar a incompletude da documentação.

Cumpre ressaltar que, segundo o Ministério Público, "a ordem do dia foi publicada pela Câmara de Vereadores, como de praxe, em jornal local" (evento 28, PARECER1), o que, contudo, também não está demonstrado nos autos, até mesmo porque ainda não foi oportunizado o contraditório.

Outrossim, a respeito da arguição de ausência de fundamentação na rejeição das Contas de Governo, contida no Decreto Legislativo nº 005 /2024, dos dispositivos colacionados percebe-se que não há qualquer determinação legal ou mesmo constitucional que obrigue constar no decreto legislativo a motivação de seus dispositivos, notadamente porque o Parecer e o voto dos membros da Comissão o integram e lhe dão fundamento jurídico. Destarte, o que deve ser fundamentado, após devidamente observado o contraditório, é a decisão do processo administrativo que origina o decreto legislativo (o qual, como já mencionado, não foi integralmente acostado nos autos).

Apesar de não haver nos autos a cópia de relatório e voto apresentados pela Comissão Permanente de Finanças e Orçamentos do Legislativo Municipal, desde já cumpre destacar que o fato de ser adotada a fundamentação exposta em parecer ou em outra decisão não configura ausência de fundamentação apta a ensejar a nulidade pretendida, desde que respeitado o contraditório. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela legalidade do o uso da técnica de fundamentação per relationem (AgRg no AREsp 1276888/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 25/03/2019) o que também foi ratificado por este Tribunal de Justiça (Apelação Cível, Nº 70080590185, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Júnior, Julgado em: 26-06-2019).

Por fim, também não há comprovação quanto à alegação de inversão da ordem estabelecida no § 3º do artigo 31 da Constituição Federal, para colocar as contas a disposição de qualquer contribuinte, ônus que incumbia ao autor, ora agravante, nos termos do art. 373, I, do Diploma Processual Civil.

Por tudo isso, para verificação das nulidades arguidas, há necessidade de dilação probatória, o que é inviável em tal via recursal e afasta, ao menos em juízo perfunctório, a probabilidade do direito da parte agravante, razão pela qual há de ser mantida a decisão do juízo a quo que indeferiu o pedido de tutela de urgência, para suspender os efeitos do Decreto Legislativo nº 005/2024.

Assim, por ora, não há elementos para deferimento da tutela antecipada recursal.

Por tais razões, INDEFIRO o pedido liminar recursal, recebendo o recurso apenas em seu efeito devolutivo".

 

Portanto, afasto as preliminares suscitadas pelo recorrente.

(…)

 

De igual modo, reporto-me às razões de decidir do voto do acórdão de julgamento dos embargos de declaração, quanto à rejeição da preliminar de intempestividade da impugnação ao registro de candidatura (ID 45734902):

(…)

Os embargos de declaração apontam que o acórdão não se manifestou sobre a alegação de que a impugnação ao registro de candidatura é intempestiva e malferiu o art. 34 da Resolução do TSE n. 23.609/19, o art. 3º e § 2°, da Lei Complementar n. 64/90, o edital foi publicado no dia 02 de agosto de 2024 e a impugnação foi protocolada no dia 09 de agosto de 2024, ou seja, 07 (sete) dias após.

De fato, há que se aclarar a decisão nesse ponto, pois, embora a preliminar tenha sido afastada, não constou a conclusão de que assiste razão à sentença, a qual citou o art. 34, §1º, da Resolução TSE n. 23.609/19 e o art. 78, da Resolução TSE 23.609/19, e assentou: "Publicado o edital em 02 de agosto de 2024 (sexta-feira), conforme certidão de id 122507830, o prazo inicial para impugnação deu-se em 05 de agosto de 2024 (segunda-feira), considerando-se ainda não iniciado o período eleitoral (15 de agosto), no qual os prazos são contínuos e não se suspendem aos sábados, domingos e feriados. A presente ação foi ajuizada em 09 de agosto de 2024, dentro, portanto, do prazo legal".

Quanto ao tema, a Procuradoria Regional Eleitoral apontou corretamente que não se configurou a aventada intempestividade porque a forma de contagem do prazo segue o art. 224 e § 3° do CPC e o art. 4º, § 4º, da Lei n. 11.419/2006. Ademais, segundo o TSE, "a contagem do prazo para apresentação da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura - AIRC é feita excluindo-se o dia da publicação do edital e incluindo-se o dia do vencimento" (TSE - RO-El: 060135706 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Min. Cármen Lúcia, Data de Julgamento: 19/12/2022, Data de Publicação: 19/12/2022).

Portanto, deve ser acolhido o recurso nesse ponto, para o fim de ser aclarado o acórdão, consignando-se igualmente o afastamento da prefacial e a tempestividade da ação de impugnação ao registro de candidatura.

 

E, pelos mesmos motivos pelos quais merece ser indeferida a preliminar de nulidade por ausência de contraditório no processo legislativo que culminou com a rejeição das contas, deve ser indeferida a preliminar de nulidade por ausência de contraditório no procedimento de exame das contas pelo Tribunal de Contas do Estado, pois essa matéria é da competência da Justiça Comum, jurisdição na qual o recorrente deve buscar a suspensão ou anulação do ato da Casa Legislativa.

Não compete à Justiça Eleitoral analisar se há nulidade no procedimento adotado pelo Tribunal de Contas. É elucidativa a manifestação do Ministério Público Eleitoral com atribuição junto à origem de que, nos termos do enunciado da Súmula n. 41 do TSE: "Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade". A diretriz jurisprudencial efetivamente merece ser observada nestes autos.

De se ressaltar que, quando do enfrentamento das preliminares, conforme razões acima transcritas, foi assentado que a decisão da Câmara de Vereadores é irrecorrível, o que atende ao requisito de irrecorribilidade previsto no art. 1º, inc. I, al. "g", da Lei Complementar n. 64/90.

Rejeito também a preliminar de nulidade da sentença, porquanto a decisão está devidamente fundamentada e enfrentou todas as questões ventiladas pelas partes, não havendo nenhuma mácula na decisão.

Com esses fundamentos, rejeito as preliminares.

No mérito, o Ministério Público Eleitoral ajuizou a impugnação e afirmou que a desaprovação das contas de governo, do exercício de 2016, decorre de irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, verificada no parecer do TCE desfavorável à aprovação das contas (Processo n. 002330-0200/16-0 - TCE), que fundamenta o Decreto Legislativo que as rejeitou.

A decisão é irrecorrível, embora tenha sido objeto de ação anulatória e de mandado de segurança. Como aponta a Procuradoria Regional Eleitoral: "Todavia, o requisito da irrecorribilidade da decisão referido no art. 1º, I, 'g', da LC nº 64/90 refere-se à possibilidade da sua impugnação perante o órgão competente e não pela (im)possibilidade do seu questionamento perante o Poder Judiciário".

Para fundamentar a existência de dolo específico, o Ministério Público Eleitoral reportou-se aos termos do parecer do TCE quanto ao exercício de 2016, o qual ressaltou ter havido descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal pelo aumento progressivo do déficit orçamentário relativo no mandato de Prefeito de São Borja do candidato, iniciado em 2013.

O candidato recorrente, enquanto gestor, chegou ao final do exercício de 2016 com um percentual de desequilíbrio financeiro superior a 1.158,05% (R$ 10.617.526,60) em relação ao apresentado no enceramento do exercício de 2012, sendo que 98,26% dessa insuficiência financeira decorreram de despesas liquidadas, ou seja, de serviços prestados e bens entregues.

A impugnação reporta-se ao parecer do TCE no sentido de que o Executivo não atendeu aos preceitos inscritos no art. 42 da LC Federal n. 101/2001, tendo em vista que não há suficiente disponibilidade financeira para as despesas empenhadas nos últimos dois quadrimestres do mandato, que não foram pagas dentro deste período.

O TCE apontou, nas razões do voto do Conselheiro-Relator, descumprimento da Lei Complementar Federal n. 101/2011, art. 42: "É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito".

A desaprovação das contas também foi motivada pelo descumprimento da Lei da Transparência e da Lei de Acesso à Informação; e do Plano Nacional de Educação, devido ao não oferecimento de vagas suficientes para a universalização do atendimento na pré-escola, para crianças de 4 e 5 anos, e o baixo índice de atendimento em creche para crianças na faixa etária de 0 a 3 anos.

O Ministério Público Eleitoral afirmou que o dolo específico se evidencia no notório e crescente agravamento da situação financeira do Município de São Borja, em expressivo percentual, aliado ao apontamento da Corte de Contas no sentido de que a "manutenção das falhas relativas ao desequilíbrio financeiro" e a "insuficiência de recursos para as despesas empenhadas nos últimos dois quadrimestres do mandato", consistem motivos "relevantes no sentido de macular a globalidade das Contas de Governo".

Os argumentos do impugnante foram extraídos da análise do TCE, no sentido de que a gestão fiscal não teve ação planejada e transparente em que se previnem riscos e se corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas. Tal equilíbrio impõe que ajustes devam ser observados no decorrer de todo o mandato, de forma que as receitas não sejam superestimadas nem haja acúmulo excessivo de passivos financeiros.

Com a inicial, foram juntados o Decreto Legislativo n. 005/2024, da Câmara Municipal de Vereadores de São Borja, o Parecer do Ministério Público de Contas no processo TCE-RS n. 002330-0200/16-0, a Decisão n. 1C-0252/2018 (Parecer n. 19.590) do TCE-RS no processo n. 002330-0200/16-0, e o parecer desfavorável TCE-RS no processo n. 002330-0200/16-0 (ID 45684282, 45684283, 45684284, 45684285).

O Tribunal Superior Eleitoral, quando do exame da incidência da inelegibilidade analisada nestes autos, assentou: "(...) cabe à Justiça Eleitoral verificar a presença de elementos mínimos que revelem má-fé, desvio de recursos (em benefício próprio ou de terceiros), dano ao erário, nota de improbidade ou grave afronta a princípios, isto é, circunstâncias que evidenciem lesão dolosa ao patrimônio público ou prejuízo à gestão da coisa pública" (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060007714, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 16.10.2023.)

Diante disso, não prosperam os argumentos de que a sentença efetuou uma interpretação extensiva da hipótese de inelegibilidade, caracterizando os fatos como ímprobos e as irregularidades como insanáveis, pois a análise do ato legislativo à luz da Lei Complementar n. 64/90, para fins de verificação de incidência de hipótese de inelegibilidade, é da competência da Justiça Eleitoral.

Na dicção da sentença: "A tarefa é árdua, pois se sabe que o Tribunal de Contas, na execução de sua missão constitucional, procede à análise das contas de forma técnica e não se debruça no aspecto volitivo do gestor à frente da gestão pública. Sua atividade cognitiva é limitada e não adentra no aspecto qualitativo da irregularidade, de modo que cabe ao Judiciário Eleitoral, analisando os apontamentos feitos pelo órgão de controle, perquirir se os atos praticados contêm nota de dolo".

Ao tratar da alegação, o Juiz de primeira instância bem observou: "ao contrário do reiterado argumento levantado pelo candidato, de que à falta de prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito, não se poderia configurar a inelegibilidade em tela, ou que não foi consignado no parecer do TCE e Decreto-Legislativo da Câmara de Vereadores a ocorrência de ato de improbidade, reitero que a jurisprudência do TSE não exige que os responsáveis pela análise e julgamento das contas adentrem nesse ponto quando da sua atuação".

De fato, conforme precedente colacionado à sentença, entende o TSE que, "Para a análise acerca da existência de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, não é necessário que a decisão do órgão competente que rejeitou as contas públicas tenha assentado expressamente a presença de tais requisitos, afigurando-se possível que a Justiça Eleitoral realize a análise dos requisitos da indigitada causa de inelegibilidade." (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060062289, Acórdão, Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 09.06.2021.)

Ressalto, também, que a orientação da Corte Superior Eleitoral "é no sentido de que, tendo sido rejeitadas as contas públicas, compete à Justiça Eleitoral enquadrar como insanável ou não a irregularidade reconhecida em decisão irrecorrível do órgão competente, assim como verificar se a falha decorre de ato doloso de improbidade administrativa, não lhe competindo, porém, analisar o acerto ou o desacerto da decisão. Nesse sentido: AgR-REspe 82-51, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 5.4.2017, AgR-REspe 136-07, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 30.6.2017, e RO 725-69, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 27.3.2015".

Igualmente, o TSE "(…) consolidou o entendimento de que, para a análise acerca da existência de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, não é necessário que a decisão do órgão competente que rejeitou as contas públicas tenha assentado expressamente a presença de tais requisitos(…)". (Recurso Especial Eleitoral n. 060024984, Acórdão, Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26.03.2021.)

Além disso, de se ressaltar que a alínea "g" trata da inelegibilidade daqueles que "tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente", sendo desnecessária a condenação por improbidade administrativa ou criminal para a caracterização da hipótese legal. Nesse sentido, bem assinala a sentença recorrida:

(…)

Ainda, ressalte-se que para a incidência da inelegibilidade de rejeição de contas não é preciso que haja exata correlação entre a conduta praticada pelo agente público e as hipóteses previstas na Lei nº 8.429/92, ao ponto de tornar inócua a previsão da alínea "g", haja vista que a alínea "l", ambas do inciso I, art. 1º da lei em referência, já prevê a inelegibilidade decorrente de condenação por improbidade administrativa, senão vejamos:

(...)

No caso em tela, ao fundamentar a presença do dolo específico, o magistrado, na primeira sentença, afirmou ter realizado consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de Contas do Estado para pesquisar se a situação financeira do município havia chegado no patamar exposto no relatório do TCE "ou se o gestor já havia sido alertado das falhas e tivera oportunidade de corrigi-las", e que, com isso, "chegou-se ao processo n. 002855-0200/15-0, referente às contas de governo do exercício 2015".

Referiu o julgador que, "Do conteúdo do voto das contas de governo do ano de 2015 o gestor já havia sido alertado do agravamento da situação financeira do Município, impondo-se no voto do Conselheiro 'advertência à Origem, a fim de que adote as medidas corretivas que as situações requerem".

A conclusão pela existência de dolo específico foi baseada no fato de que, nas contas de 2015, o impugnado foi "avisado de suas incorreções, optou por não corrigi-las", ou seja, o dolo específico foi verificado a partir de uma pesquisa no site do TCE em que foi verificada a existência do Parecer do processo n. 002855-0200/15-0 do TCE, referente às contas de governo do exercício 2015".

A primeira sentença foi anulada por acórdão deste Tribunal, de acordo com o entendimento de que deveria ter havido prévia intimação de que o processo seria decidido com fundamento no processo n. 002855-0200/15-0 do TCE-RS, referente às contas de governo do exercício 2015 prestadas pelo recorrente.

Após o julgamento, os autos baixaram à origem para manifestação das partes.

Quanto ao recorrente, consignou o julgador a quo, na sentença, que "(...) a parte ré, em sua manifestação, nada trouxe a fim de defender-se dos apontamentos feitos no parecer do TCE no processo n. 002855-0200/15-0, que foi justamente a razão de decidir do acórdão proferido pelo egrégio TRE deste estado, sendo oportuno ressaltar que o réu limitou-se a apresentar argumentos e teses que nem ao menos de longe se aproximam do fundamento pelo qual o 2º grau entendeu pela nulidade da sentença e para o qual foi devidamente intimado para se manifestar. No mesmo sentido a manifestação do assistente".

Assim, estabelecido o contraditório, pois oportunizado que as partes se manifestassem sobre o processo n. 002855-0200/15-0 do TCE-RS, referente às contas de governo do exercício 2015, foi prolatada a sentença recorrida, na qual restou bem consignado que: "O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, estabeleceu que a Câmara de Vereadores, para os fins do art. 1º, inciso I, alínea 'g', é competente para o julgamento de todas as contas do Chefe do Executivo Municipal (Tese de repercussão geral 835)".

Nos termos salientados na decisão recorrida: "As contas em análise são as de governo, exercício financeiro de 2016, conforme relatório e voto emitidos pelo TCE/RS e Decreto Legislativo n. 05/2024" e "Nesse tipo, em específico, não existe a possibilidade de imposição de sanção ao gestor, restando as opções de julgamento pela aprovação, aprovação com ressalvas ou desaprovação", razão pela qual não incide a excludente de inelegibilidade do § 4º-A do art. 1º da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 1°. (…)

(…)

§ 4º-A. A inelegibilidade prevista na alínea "g" do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa.

(...)

A sentença bem esclarece que "as contas de governo não acobertam a possibilidade de aplicação de qualquer sanção ao gestor, no caso, o então prefeito, ora candidato. O órgão auxiliar do Legislativo apenas emite parecer pela aprovação, aprovação com ressalvas ou rejeição das contas. Da mesma forma, descabe à Câmara de Vereadores, autonomamente, impor qualquer sanção, vez que cabe a ela apenas acolher ou rejeitar o parecer".

Com efeito, ao interpretar a norma, o Tribunal Superior Eleitoral assentou a não incidência da excludente do §4º-A às contas de governo, de modo a não desvirtuar o fim pretendido com o § 9º do art. 14 da Constituição Federal e facultar àqueles inaptos à gestão da coisa pública que seguissem permitidos a concorrer a cargos políticos.

Firmou-se a tese de que o §4º-A do art. 1º da Lei Complementar 64/90 se aplicaria, tão somente, às contas de competência dos Tribunais de Contas.

Relativamente à presença de irregularidade insanável que configure ato de improbidade administrativa, a sentença é irretocável e as razões recursais não infirmam seus argumentos, pois o recorrente se limita a afirmar que atuou com negligência, imperícia ou imprudência, enquanto a farta prova contida nos autos faz cair por terra tais alegações.

As contas de governo do recorrente foram rejeitadas por: a) atendimento parcial das Leis de Transparência e Acesso à Informação; b) restos a pagar dos dois últimos quadrimestres do exercício sem disponibilidade financeira; c) equilíbrio financeiro das contas do Município afetado, com insuficiência financeira em percentual 1.158,05% superior ao do início da gestão do então Prefeito, ora candidato; d) não cumprimento das metas previstas no Plano Nacional de Educação, e) não envio da ata de encerramento do inventário de bens e valores do patrimônio municipal.

Ao apontar a presença da irregularidade insanável, que configurou ato doloso de improbidade administrativa, o magistrado expressou o percuciente raciocínio que cumpre reproduzir, pela clareza com que descreveu a gravidade dos fatos:

(…)

In casu, durante seu mandato, o candidato foi responsável por uma série de atos que levaram ao endividamento do município em patamares astronômicos, visto o percentual indicado pela Corte de Contas 1.158,05% superior àquele recebido quando do início de sua gestão.

A maioria dos valores foram decorrentes de despesas contraídas sem caixa suficiente para pagamento, não obstante a maioria dos bens e serviços contratados já tenham sido entregues ou prestados. A maioria das despesas relacionam-se à educação, saúde e recursos livres (pgs. 7/8, id 122644214).

No parecer extraem-se os seguintes enxertos:

"A respeito do item 5.2, cumpre salientar que a Instrução Técnica possui a tarefa de analisar dentro do exercício financeiro de 2016 se a gestão fiscal teve ação planejada e transparente em que se previnem riscos e se corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas. Tal equilíbrio impõe que ajustes devam ser observados no decorrer de todo o mandato, de forma que as receitas não sejam superestimadas, nem haja acúmulo excessivo de passivos financeiros, devendo, neste contexto, as despesas serem executadas e pagas no exercício financeiro, ao que se propõem o art. 35 da Lei 4.320/64.

No caso ora analisado, conforme a tabela abaixo foi constatada insuficiência financeira no valor de R$ 10.617.526,60, superior a 1.158,05% em relação à apresentada no enceramento do exercício de 2012:

(…)

Destaco, inicialmente, que do valor correspondente à Insuficiência Financeira acima exposta, R$ 10.432.776,57 referem-se a Restos a Pagar Processados e R$ 184.760,03, tratam-se de Restos a Pagar Não Processados. Ou seja, 98,26% da insuficiência apontada decorrem de despesas liquidadas em que os bens ou as mercadorias foram entregues e os serviços foram prestados. "

Com efeito, não se vê outro norte a não ser enquadrar as opções do gestor como atos que importam improbidade, considerando a grave situação fiscal, econômico-financeira e orçamentária que foi imposta à administração pública municipal, suficiente, inclusive, para afetar serviços básicos, como saúde e educação.

Na espécie, tem-se por evidente o prejuízo ao erário, considerando-se a consequente dificuldade de restabelecimento de sua saúde financeira, vez que se delegou à gestão seguinte os ajustes necessários a fim de atingir novamente o equilíbrio das contas municipais, bem como, no mínimo, evidente está a afronta direta a princípios basilares da administração pública, tais como o princípio da legalidade, eficiência, supremacia do interesse público, continuidade, transparência, dentre outros.

Ainda, ressalte-se que para a incidência da inelegibilidade de rejeição de contas não é preciso que haja exata correlação entre a conduta praticada pelo agente público e as hipóteses previstas na Lei nº 8.429/92, ao ponto de tornar inócua a previsão da alínea "g", haja vista que a alínea "l", ambas do inciso I, art. 1º da lei em referência, já prevê a inelegibilidade decorrente de condenação por improbidade administrativa, senão vejamos:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(…)

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010) (destacou-se)

O Tribunal Superior Eleitoral, em oportunidade de verificação da incidência da inelegibilidade analisada nestes autos, assim pontuou:

Ao interpretar tal dispositivo, esta Corte Superior fixou o entendimento de que nem toda conta desaprovada gera a referida causa de inelegibilidade. Com efeito, cabe à Justiça Eleitoral verificar a presença de elementos mínimos que revelem má-fé, desvio de recursos (em benefício próprio ou de terceiros), dano ao erário, nota de improbidade ou grave afronta a princípios, isto é, circunstâncias que evidenciem lesão dolosa ao patrimônio público ou prejuízo à gestão da coisa pública. (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060007714, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 16/10/2023.)

A corroborar a conclusão acima, houve mais apontamentos feitos ao gestor, os quais denotam a falta de observância da Lei de Acesso à Informação e da Transparência, intrínsecas ao Estado Democrático de Direito e garantidoras da participação do cidadão na fiscalização da coisa pública. Ao aplicá-las apenas parcialmente, é tolhida da população em geral o acompanhamento de como o gestor lida com os bens e recursos públicos. Neste caso, é cristalino o desrespeito ao princípio da publicidade, previsto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal.

As justificativas apresentadas pelo candidato e descritas no parecer do Tribunal de Contas não são capazes de elidir a não observância dos preceitos legais. Como bem descrito no voto do Conselheiro, "cumpre salientar que a Defesa refere que o mérito concernente à não disponibilização da prestação de contas (Relatório de Gestão) do ano anterior e o respectivo parecer prévio não possui previsão legal, e que os mesmos não foram objeto de apontes em anos anteriores. Contudo, o caput do art. 48 da Lei Complementar n.º 101/2000 estabelece a obrigatoriedade da ampla divulgação da prestação de contas e do respectivo parecer prévio, estando tal entendimento fulminado ante a previsão legal."

Por fim, no tocante ao não cumprimento das metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação, apenas reforçam a conduta recalcitrante do gestor em não cumprir com a legalidade inerente à gestão pública e a responsabilidade de zelo, eficiência e implementação de políticas públicas previstas constitucionalmente e garantidoras, em última instância, do pleno desenvolvimento do cidadão na vida civil, e da dignidade ínsitas à condição humana.

No cotejo à finalidade insculpida pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal de um lado (lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta), e o direito à plena participação do cidadão na vida pública, por meio de sua capacidade eleitoral passiva, o magistrado deve ter a prudência e o bom discernimento para afastar somente aqueles que incorreram de forma grave em atos que geraram prejuízo ao erário, enriquecimento ilícito ou atentaram frontalmente com os princípios da administração.

No caso dos autos, ante todo o exposto, em especial pelo agravamento substancial do equilíbrio financeiro do município, desídia na plena participação do cidadão por meio da transparência e acesso à informação sobre a administração pública e o não atendimento de metas relacionadas à educação - direito fundamental - reconheço presentes irregularidades insanáveis durante a gestão do então prefeito, configuradoras de ato de improbidade administrativa aptas a afastá-lo da corrida eleitoral.

(...)

Veja-se que o recorrente praticou atos de governo que ensejaram o endividamento do Município de São Borja em valores elevados (1.158,05% comparado ao valor existente no início da gestão), acarretando inegáveis prejuízos à municipalidade que passou a enfrentar grave crise financeira.

O endividamento da municipalidade em mais de 1.158,05% durante seu mandato representa uma severa discrepância em relação à condição financeira inicial, indicativa de má gestão fiscal e orçamentária. Tal magnitude evidencia a adoção de medidas irresponsáveis, especialmente quando despesas foram contraídas sem respaldo financeiro adequado, afetando áreas sensíveis como educação e saúde.

Além disso, a conduta do recorrente ofende diretamente princípios fundamentais da administração pública, como os da legalidade, publicidade, eficiência e transparência. Ao deixar de atender integralmente à Lei de Acesso à Informação e à Lei de Transparência, o recorrente restringiu a fiscalização popular sobre a gestão pública, o que configura uma violação grave do princípio da publicidade previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal. A parcial divulgação das informações afeta diretamente a capacidade do cidadão de monitorar como os recursos públicos estão sendo aplicados, caracterizando um desrespeito ao Estado Democrático de Direito.

No tocante ao prejuízo ao erário, está clara a deterioração das contas municipais, que não apenas comprometeu a atual gestão, mas também delegou à administração subsequente a árdua tarefa de restabelecer o equilíbrio financeiro. Este tipo de irresponsabilidade administrativa recai diretamente na caracterização de ato doloso de improbidade administrativa, na medida em que comprometeu a continuidade de serviços públicos essenciais e resultou em lesão patrimonial ao município.

Portanto, a farta prova documental - incluindo o parecer técnico e as conclusões do Tribunal de Contas - contraria as alegações do recorrente de que seus atos se limitaram à mera negligência ou imprudência. Violaram-se diretamente princípios constitucionais, configurando-se ato de improbidade administrativa.

Quanto à demonstração de dolo específico, a sentença está igualmente muito bem fundamentada. O caso dos autos amolda-se ao precedente do TSE citado na sentença no qual, diante de situação análoga, concluiu-se: "(…) 7. A inércia do gestor em reduzir o déficit público, apesar da emissão de alertas da Corte de Contas, evidencia o descumprimento deliberado de suas obrigações legais, consubstanciando ato doloso específico. 8. Conforme a jurisprudência deste Tribunal Superior, a ocorrência de déficit de execução financeira e orçamentária é irregularidade insanável apto a configurar ato de improbidade administrativa. (…) (Agravo Regimental no Recurso Ordinário Eleitoral n. 060032968, Acórdão, Min. Ricardo Lewandowski, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 25.04.2023)".

Transcrevo as bem-lançadas razões de decidir da decisão recorrida:

(…)

Nesse contexto, o MPE desincumbiu-se do ônus que lhe cabia, acostando, além dos documentos referentes às contas de 2016, o Decreto-Legislativo n. 09/2024, superveniente à propositura da AIRC, pelo qual a Câmara de Vereadores de São Borja rejeitou, assim como o fez com as contas de 2016, as contas de governo de 2015, reforçando que o gestor conduziu a máquina pública com a intenção patente de não respeitar princípios básicos da Administração Pública, a Lei de responsabilidade fiscal, metas associadas ao Plano Nacional de Educação, ausência de controle e zelo para com o patrimônio público ao desatender a exigência de inventário anual, o que colocou em risco a saúde financeira do Município e serviços básicos à população. Tais atitudes revelam o intencional agir em prejuízo da municipalidade.

Ademais, o progressivo e crescente endividamento do Município, não obstante os alertas emitidos pelo TCE, revelam a consciência e vontade dirigida em desatender as normas fiscais e deveres constitucionais, em específico.

Do conteúdo do voto das contas de governo do ano de 2015 o gestor já havia sido alertado do agravamento da situação financeira do Município, impondo-se no voto do Conselheiro "a advertência à Origem, a fim de que adote as medidas corretivas que as situações requerem" (id 124388160, pg. 4).

Ou seja, o gestor já havia sido alertado que sua conduta estava a gerar prejuízos à administração e, mesmo com os avisos, achou por bem seguir agindo com inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, e as demais já citadas.

Percebe-se a recalcitrância do ora candidato, quando à frente da Prefeitura de São Borja, em cumprir com retidão as disposições legais que regiam sua atuação. Enquanto seu norte deveria ser em busca do reequilíbrio financeiro do Município, efetuando os ajustes necessários à saúde financeira da administração, optou por agravá-la ainda mais.

Afigura-se claro o dolo específico do agente no agir em claro prejuízo à administração pública, consciente de que suas ações pioraram cada vez mais as contas públicas. Ainda, uma vez avisado de suas incorreções, optou por não corrigi-las.

(...)

 

Sem sombra de dúvidas, o grave déficit financeiro em que a administração municipal foi deixada, aliado ao alerta prévio demonstrado pelo processo n. 002855-0200/15-0, demonstra com plenitude a prática de ato doloso de improbidade administrativa.

O candidato alega que o parecer prévio do TCE não deve ser entendido como conclusivo, não produzindo efeitos imediatos, e que não houve danos específicos, enriquecimento ilícito ou dolo de prejudicar a administração. Nesse ponto, assiste razão à Procuradoria Regional Eleitoral ao ponderar: "O ato doloso de improbidade que gera a inelegibilidade não demanda que necessariamente tenha havido o enriquecimento ilícito do agente ou que este tivesse a intenção de prejudicar a Administração Pública. O dolo a ser analisado é se houve a consciência e a vontade de agir para a prática do ato que podia, de algum modo, acarretar prejuízo à Administração Pública ou que atentaria contra princípios da administração pública ou ainda se geraria o enriquecimento ilícito".

Do mesmo modo, concordo com a conclusão da Procuradoria Regional Eleitoral de que é evidente que os atos ímprobos foram dolosos, "na medida em que o recorrente, de maneira consciente, constituiu dívidas sem que dispusesse de receitas adequadas para o seu pagamento. Esses atos não decorreram de imprudência, imperícia ou negligência do recorrente, mas sim de deliberada intenção em descumprir obrigações legais, bem como em promover o endividamento crescente do Erário".

A magnitude do dano e a sequência de falhas graves configuram a intenção dolosa de prejudicar a administração pública, evidenciando uma afronta aos princípios da administração e caracterizando o doloso ato de improbidade administrativa.

A existência de dolo específico não exige a intenção de enriquecimento ilícito ou benefício próprio, mas sim a consciência e a vontade de desrespeitar normas e compromissos legais, o que ficou demonstrado no caso. O magistrado reportou-se ao parecer do processo n. 002855-0200/15-0, referente às contas de 2015, que explicitamente advertiu o gestor sobre a necessidade de medidas corretivas diante do desequilíbrio financeiro do município. Apesar desse alerta formal do TCE, o gestor optou por continuar sua conduta irregular, o que configura um dolo deliberado. Ao ignorar a advertência, o recorrente agiu com plena consciência das consequências de sua omissão, caracterizando o dolo específico.

Esse comportamento recalcitrante foi decisivo para a conclusão de que o gestor agiu com dolo específico, pois, ao ser avisado das irregularidades e ciente da deterioração das contas públicas, ele continuou no mesmo agir, revelando descaso com os princípios da administração pública, como legalidade, transparência, eficiência e responsabilidade fiscal.

Considero que o fato de ter ignorado a obrigação de adotar medidas corretivas para sanear as finanças municipais e garantir o cumprimento das metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação demonstra uma intenção deliberada de desatender as normas.

Assim, a fundamentação do magistrado para reconhecer o dolo específico é sólida, uma vez que o gestor foi repetidamente alertado sobre os impactos de sua gestão e, mesmo ciente das consequências, persistiu na conduta danosa. O dolo específico, nesse contexto, resulta do conhecimento inequívoco das irregularidades e da escolha consciente de não corrigi-las, o que caracteriza a prática de ato doloso de improbidade administrativa.

Concluo que as razões recursais não têm força suficiente para infirmar as conclusões da sentença recorrida.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.

Considero prequestionados todos os dispositivos legais e teses invocadas pelas partes, para fins de facilitar o acesso às instâncias recursais.