REl - 0600167-32.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, é incontroverso que os recorridos veicularam propaganda eleitoral impulsionada em suas páginas no Facebook e no Instagram, com a seguinte mensagem:

O que eu quero trazer para Pelotas é desenvolvimento e eu vou fazer isso, sabe? Os outros que estão aqui já tiveram suas oportunidades, já participaram do governo, tem candidato aqui que participou de 5 administrações, dizer que vai fazer agora, que vai melhorar a cidade, por que que não melhorou no governo que estava PSDB? Dizer que vai fazer alguma coisa pela cidade depois de 12 anos, não tendo feito quase nada da cidade, está abandonada desse jeito, com o povo sofrendo. Nós precisamos de mudanças, precisamos de alguém novo, de alguém com outro olhar, e eu vou trazer isso para cá, eu vou mudar essa cidade, eu vou trazer emprego e desenvolvimento e vou olhar para o povo. Lá do bairro, que é onde precisa, porque esse povo sofre muito e é meu compromisso e eu assumi com cada pessoa que eu estou visitando de melhorar e trazer desenvolvimento. Eles querem emprego, emprego, eles não têm emprego. Agora o governo federal pune quem está recebendo o bolsa família e porque quando consegue um emprego, ou seja, um salário mínimo, ele perde a bolsa, pelo amor de Deus, mantém essa bolsa para essa pessoa pelo menos com 6 meses, para auxiliar na renda, isso que tem que fazer. Muito obrigado uma boa noite, viu? Boa noite.

 

De seu turno, a sentença recorrida julgou improcedente a representação sob o entendimento de que as postagens impulsionadas não apresentam conteúdos inverídicos ou ofensivos à honra alheia, tecendo os seguintes fundamentos:

No mérito, a Coligação Nova Frente Popular alega que as declarações impulsionadas pelos representados nas redes sociais, ao criticarem o Programa Bolsa Família, configuram propaganda negativa e desinformação, violando as disposições da Resolução TSE n.º 23.610/2019 e da Lei nº 9.504/97.

 

Ao analisar o conteúdo das peças publicitárias questionadas, verifico que as manifestações do candidato Marciano Perondi se restringem a críticas pontuais sobre a execução do Programa Bolsa Família e à situação da gestão pública em Pelotas. Tais críticas, mesmo que incisivas, não extrapolam os limites do debate político legítimo, estando protegidas pelo princípio da liberdade de expressão, garantido pela Constituição Federal, nos artigos 5º, IV e 220.

 

Não ficou demonstrado nos autos que as declarações veiculadas tinham o objetivo de difamar ou ofender adversários políticos, tampouco de distorcer a verdade dos fatos a ponto de comprometer o equilíbrio do pleito eleitoral. O conteúdo veiculado se enquadra no âmbito da crítica política permitida, sendo legítima a manifestação do candidato sobre temas de interesse público, como políticas sociais e administrativas.

 

Ademais, o impulsionamento de conteúdo nas redes sociais não constitui irregularidade, desde que obedecidos os requisitos legais, o que não foi contestado de forma eficaz pela parte representante. Não houve, portanto, prova robusta de que as postagens impulsionadas pelos representados tivessem caráter negativo ou de desinformação, conforme alegado.

 

O art. 57-C, § 3º, da Lei n. 9.504/97, bem como os arts. 28, § 7º-A, e 29, § 3º, ambos da Resolução TSE n. 23.610/19, possibilitam a veiculação de propaganda paga na internet por meio da modalidade de impulsionamento, desde que a publicidade veiculada apenas promova ou beneficie candidatas e candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa:

Lei n. 9.504/1997:

Art. 57-C. […]

[…].

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações.

 

Resolução TSE n. 23.610/2019:

Art. 28. […]

[…].

§ 7º-A. O impulsionamento de conteúdo em provedor de aplicação de internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura, partido político ou federação que o contrate, sendo vedado o uso do impulsionamento para propaganda negativa (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024).

[…].

Art. 29. […].

[…].

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecida(o) no país e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 3º)

 

Em recente decisão, o TSE consignou que, “de acordo com o art. 57-C da Lei 9.504/97, o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral na internet somente é permitido para a finalidade de promover ou beneficiar candidatos e suas agremiações, sendo vedado esse tipo de propaganda com o intuito de criticar, prejudicar ou induzir a ideia de não voto a candidato adversário” (TSE, Rp n. 060147212/DF, Relator: Min. Floriano de Azevedo Marques, Acórdão de 03/05/2024, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 77, data 13/05/2024).

A vedação legal não impede que um candidato ou partido político manifeste suas críticas ou insatisfações, mas apenas restringe o uso de meios artificiais de ampliação dessa mensagem crítica, de modo a preservar o equilíbrio do debate eleitoral e a igualdade de oportunidades entre os concorrentes no pleito.

Logo, a incidência da norma proibitiva não reclama qualquer juízo sobre eventual teor calunioso, difamatório, injurioso ou sabidamente inverídico, bastando o uso de ferramentas de impulsionamento para ampliar a disseminação de propaganda eleitoral negativa, ainda que lícita em seu conteúdo.

Na espécie, o candidato recorrido não se limitou a apresentar as suas propostas de melhorias para a administração do Município, mas teceu críticas abertas e claras às gestões de anos anteriores e à atual Prefeitura, das quais seus adversários participaram ou participam de alguma forma, estimulando o voto contrário em tais concorrentes.

A publicação em questão não traz nenhuma proposição do candidato, ora recorrido, mas apenas crítica direta explícita ao PSDB e seus candidatos, com o claro objetivo de incutir no eleitor a ideia de “não voto” em seu oponente no pleito.

Quanto à suposta afirmação sabidamente inverídica de que o governo federal estaria punindo quem recebe o bolsa-família, “porque quando consegue um emprego, ou seja, um salário mínimo, ele perde a bolsa”, trata-se de compreensão ideológica da regra de transição do programa assistencial, formulada em um contexto de acirrado debate eleitoral, não extrapolando os limites da liberdade de opinião e de manifestação.

Importante ressaltar que para ser considerada sabidamente inverídica, a informação deve “conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”, bem como “o fato não pode demandar investigação, sendo perceptível de plano” (TSE - Representação nº 120133; Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto; Publicação: PSESS, Data 23/09/2014), o que não ocorre no caso em tela.

Nessa linha, consoante bem apontou a Procuradoria Regional Eleitoral:

A afirmação no sentido de que o governo pune com a perda do bolsa-família quem consegue um emprego pode ser considerada inexata ou imprecisa, mas corresponde a uma interpretação, com crítica potencializada, peculiar das campanhas eleitorais, sobre a “regra de transição” explicada pelos recorrentes.

 

De todo modo, está configurada induvidosa propaganda eleitoral crítica e negativa, o que é suficiente para infringir a proibição normativa quanto ao emprego de ferramentas de impulsionamento, contrariando o previsto no art. 57-C, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Uma vez caracterizado o ilícito na propaganda eleitoral, a jurisprudência é firme na compreensão de que há responsabilidade solidária entre partido, coligação e candidato em caso de ocorrência da propaganda irregular, com fundamento no art. 241 do Código Eleitoral. Nesse sentido, confira-se a seguinte ementa:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA IRREGULAR. DERRAMAMENTO DE SANTINHOS. VÉSPERA DO PLEITO. CONFIGURAÇÃO. MULTA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CANDIDATO. COLIGAÇÃO. ARTS. 241 DO CÓDIGO ELEITORAL E 6º, § 1º, DA LEI 9.504/97. NEGATIVA DE PROVIMENTO. […]. 2. A Corte a quo, ao examinar a responsabilidade pela prática do ilícito, asseverou que as circunstâncias fáticas não deixam dúvida de que "os representados tiveram conhecimento do fato e se beneficiaram da conduta irregular". Concluir de modo diverso esbarraria no óbice da Súmula 24/TSE. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a regra do art. 241 do Código Eleitoral, que prevê de modo expresso a responsabilidade solidária das agremiações pelos excessos cometidos por seus candidatos concernentes à propaganda eleitoral, se aplica às coligações, pois lhes são atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político, no curso do processo eleitoral, conforme disposto no § 1º do art. 6º da Lei 9.504/97. 4. Entendimento idêntico - no mesmo município, nas Eleições 2018 - foi firmado no AgR-AI 0603369-65/GO, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 4/11/2019. Assim, também por simetria e segurança jurídica, incabível afastar a multa. 5. Agravo interno a que se nega provimento. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº060340340, Acórdão, Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 09/06/2020.

 

Na hipótese, considerando, ainda, a realização de um vídeo com produção profissional e o incremento de sua difusão na internet, mediante pagamento, não é plausível o desconhecimento da coligação recorrida acerca do fato.

Assim, embora a responsabilidade seja solidária, a sanção por propaganda irregular deve ser aplicada de forma individualizada a cada responsável, consoante entendimento sufragado pelo TSE (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 0601254-64/PB, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Acórdão de 05.10.2023, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 204, data 16.10.2023).

Como explica José Jairo Gomes:

Nota-se que a solidariedade em tela circunscreve-se à imputação de responsabilidade pelo ilícito. Uma vez afirmada a responsabilidade, a sanção é aplicável de forma autônoma para cada qual dos agentes. Em outras palavras, a multa é sempre individualizada, já que não existe “multa solidária”, a ser repartida entre os diversos infratores. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 633)

 

Também nessa linha de entendimento, colho julgado deste Tribunal:

RECURSOS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. CRÍTICAS DE CUNHO ELEITORAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA. FACEBOOK. PÁGINA PESSOAL. JORNAL IMPRESSO. REPRODUZIDO VIRTUALMENTE NA INTERNET. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE FATOS SABIDAMENTE INVERÍDICOS. TEORIA DA CAUSA MADURA. APLICAÇÃO DE PENA PECUNIÁRIA. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DO REPRESENTANTE. DESPROVIMENTO DO APELO DOS REPRESENTADOS. (…). Fixação no patamar mínimo legal para cada um dos representados. Pacífico o entendimento de que o pagamento de multa aplicada em representação por propaganda eleitoral é sempre individual, independentemente de ser propaganda eleitoral antecipada ou irregular. 8. Provimento parcial ao recurso do representante. Desprovimento do apelo dos representados.

(TRE-RS - RE: 060005753 BENTO GONÇALVES - RS, Relator: RAFAEL DA CÁS MAFFINI, Data de Julgamento: 05/10/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06/10/2020) (Grifei.)

 

Nesses termos, impõe-se o provimento do recurso a fim de condenar os recorridos, individualmente, ao pagamento de multa, que arbitro em R$ 5.000,00 para cada um; patamar mínimo legal, diante da ausência de elementos que justificam a majoração da penalidade.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso para condenar os recorridos, individualmente, ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fundamento no art. 57-C, § 2º, da Lei n. 9.504/97.