ED no(a) REl - 0600141-47.2024.6.21.0062 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/10/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração só podem ser opostos com o objetivo específico de esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, conforme expressamente estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil.

É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que “a boa técnica dos embargos declaratórios visa a escoimar o relatório, os fundamentos e o acórdão de incoerências internas, capaz de ameaçarem sua inteireza” e, portanto, não é o meio adequado para o embargante “obter o reexame da matéria versada nos autos, na busca de decisão que lhe seja favorável” (STJ, EDcl no REsp n. 440.106/RJ, 6a Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 23.8.2010).

À análise.

Inicialmente, colaciono os dispositivos apontados pelo embargante:

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

(...)

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

(...)

VI - provocar incidente manifestamente infundado;

 

Transcrevo, agora, a ementa do julgado, que vai com grifo meu:

Direito eleitoral. Eleição 2024. Recurso. impugnação contra o registro de candidatura – airc. Improcedente. Registro de candidatura. Litigância de má-fé. Não configuração. Afastada a pena pecuniária. Recurso provido.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso interposto contra sentença que julgou improcedente Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura (AIRC) proposta contra candidato ao cargo de vereador e condenou o recorrente por litigância de má-fé, impondo multa de cinco salários mínimos.

1.2. O recorrente questiona a condenação por litigância de má-fé, alegando que não houve intenção de denegrir a imagem do candidato e que a ação foi proposta de maneira legítima, sem utilizar provas duvidosas ou tumultuar o processo.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. A questão consiste em verificar se houve atuação de má-fé.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. A mera proposta de ação de impugnação ao registro de candidatura, baseada em interpretação jurídica razoável, ainda que não acolhida pelo Judiciário, não configura litigância de má-fé.

3.2. A AIRC fora proposta em razão da assunção à presidência do legislativo municipal de um vereador suplente, supostamente em contrariedade à legislação aplicável. Ainda que a situação não encontre enquadramento nas hipóteses de inelegibilidade previstas em Lei, cujo rol é taxativo, a questão foi trazida como controversa ao Poder Judiciário, requerendo-se exegese alternativa, situação comum e razoável no contencioso judicial.

3.3. Ausente ato atentatório à dignidade da Justiça ou comportamento temerário nos termos exigidos pelo inc. art. 80 do Código de Processo Civil.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso provido. Afastada a caracterização de má-fé nos autos e a pena de multa.

Tese de julgamento: "A mera propositura de Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura, embasada em interpretação jurídica, não configura litigância de má-fé”.

Dispositivos relevantes citados: Código de Processo Civil, art. 77, inc. II, e art. 80, inc. I e VI.

Jurisprudência relevante citada: TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 060061760/RS, Rel. Des. Miguel Antônio Silveira Ramos, Publicado em Sessão, 10/11/2020.

 

Claras estão, portanto, as referências ao art. 80, inc. VI, bem como às circunstâncias da controvérsia – o ajuizamento de AIRC proposta em razão da assunção à presidência do legislativo municipal de um vereador suplente, supostamente em contrariedade à legislação aplicável.

E, no corpo do acórdão, em fundamentação própria, foram analisadas e afastadas todas as hipóteses legais de litigância de má-fé, qual seja, os sete incisos constantes no art. 80. Verbis, grifado por mim:

“(...)

Examinados os autos, verifico que a AIRC fora proposta em razão da assunção à presidência do legislativo municipal de um vereador suplente, supostamente em contrariedade à legislação aplicável. Ainda que a situação não encontre enquadramento nas hipóteses de inelegibilidade previstas em Lei, cujo rol é taxativo, entendo que a questão foi trazida como controversa ao Poder Judiciário, requerendo-se exegese alternativa, situação comum e razoável no contencioso judicial, de modo que não vislumbro ato atentatório à dignidade da Justiça, nem verifico comportamento temerário nos termos exigidos pelo inc. art. 80 do Código de Processo Civil:

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II – alterar a verdade dos fatos;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI – provocar incidente manifestamente infundado;

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Sublinho que esta Corte, em caso semelhante, entendeu por ser incabível a aplicação de multa por má-fé quando “ausentes nos autos as hipóteses caracterizadoras de má-fé previstas na legislação processual civil comum e não evidenciada, no comportamento do recorrente, condita desleal durante a tramitação do feito” (TRE/RS. Recurso Eleitoral 060061760/RS, Relator(a) Des. MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Acórdão de 09/11/2020, Publicado no(a) Publicado em Sessão, data 10/11/2020).”

 

Ora, claríssimo que a demanda não fora abordada sob o prisma da “resistência injustificada ao andamento do processo”, quer sob o ponto de vista fático, quer sob a análise jurídica.

E mesmo o trecho transcrito do parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral – aliás trazido ao acórdão em caráter obiter dictum, pois expressamente agregado como reforço argumentativo – não conduz o leitor à conclusão do embargante, visto que antes de aludir o inc. IV do art. 80 do CPC, o Parquet refere expressamente as hipóteses legais invocadas na sentença para fundamentar a litigância de má-fé, para logo após ir além da sentença, ao referir que “de outra parte (…) nem se pode entender que o ajuizamento seja uma resistência injustificada ao andamento do processo.”

Em resumo, nota-se, à evidência, que o embargante não se insurge quanto aos alegados vícios. Insurge-se, na realidade, no que toca ao resultado do julgamento contrário aos seus interesses, que afastou a multa por má-fé. Prova disso é a longa revisita argumentativa referente ao mérito do recurso, à guisa de apontamento de erro material e omissão.

De inviável aceitação.

A título de desfecho, duas observações:

1. Improcede – aliás, carece de razoabilidade lógica - a afirmação de que “A AIRC somente pode ser manejada quando houver claro descumprimento de norma da legislação eleitoral, constitucional ou infraconstitucional, referente às condições de elegibilidade, causas de inelegibilidade ou quanto às normas específicas do registro”. (Grifei.)

Ora, assim fosse, todas as Ações de Impugnação ao Registro de Candidatura haveriam de receber juízo de procedência, o que por si só desvirtuaria todo o sistema do Poder Judiciário – em afronta, aliás, ao devido processo legal. O Poder Judiciário, no geral, e em específico a Justiça Eleitoral, aqui se encontram para analisar, à luz das provas e alegações apresentadas pelas partes, a melhor solução para a controvérsia. O direito eleitoral é ramo especialíssimo, com institutos jurídicos peculiares e ingredientes sociais relevantes, de modo que todos aqueles que nele operam devem levar em conta, sempre, tais peculiaridades;

2. A própria ausência de interposição recursal no relativo ao juízo de improcedência da AIRC, de parte dos embargados, demonstra a ausência de má-fé, ao contrário do alegado pelo embargante – estivessem, de fato, dotados de malícia, seguiriam na denominada “aventura jurídica”. O “inócuo” não é nocivo ou prejudicial. Não causa dano, e é improvável que ofenda. Aquilo que o embargante classifica como “discussão inócua”, nos presentes autos, foi entendido por esta Corte como suficiente para o deslinde da causa.

Conclusão.

Nas circunstâncias, evidenciado que a pretensão recursal possui o intento de rediscutir a matéria decidida pelo Tribunal, o que é incabível em âmbito de embargos declaratórios, uma vez que "a omissão apta a ser suprida pelos declaratórios é aquela advinda do próprio julgamento e prejudicial à compreensão da causa, não aquela deduzida com o fito de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo julgador" (TSE, ED-AgR-AI n. 10.804, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 1º.2.2011).

A matéria vai prequestionada nos termos do art. 1025 do Código de Processo Civil, para que o embargante, assim desejando, dirija-se à Superior Instância.

 

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.