REl - 0600304-62.2024.6.21.0115 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2024 às 14:00

 

VOTO

Controverte-se nos autos se EDUARDO CHAGAS, apesar de ter formalmente formulado pedido de desincompatibilização da função de Secretário Municipal da Saúde, teria exercido de fato o cargo do qual se desincompatibilizou, no período vedado, ou seja, nos 6 meses que antecedem o pleito.

Adianto que merece reforma a sentença de origem.

Inicialmente, verifico não existir controvérsia quanto ao desligamento formal de Eduardo Chagas por meio do Decreto Executivo n. 046/24 de exoneração do cargo de Secretário Municipal da Saúde e Saneamento em 04.4.2024 (ID 45738609) e exoneração conforme Decreto Executivo n. 096/24 do cargo de Assessor de Planejamento em 05.7.2024 (ID 45738602).

A questão a ser solvida é se houve exercício de fato de algum dos cargos ocupados por Eduardo Chagas, durante o período em que deveria estar afastado.

E, no presente caso, há farto acervo probatório indicando que o recorrido participou de reunião no gabinete do Prefeito Municipal de Condor em 23.5.2024, em cerimônia de celebração de convênio com a empresa Servpref e igualmente participou ativamente do treinamento/capacitação de servidores da Secretaria Municipal de Saúde, em 03.7.2024. Como mencionado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, em ambas as ocasiões, houve ampla divulgação dos eventos, com fotografias nas quais pode ser comprovada a presença do recorrido, Eduardo Chagas.

Na própria inicial da impugnação do registro de candidatura o impugnante PDT de CONDOR trouxe a publicação do evento ocorrido em 23.5.2024, na rede social Instagram, pela empresa SERVPREF logística em sua página oficial, imagem na qual pode ser constatada a presença do recorrido:

 

 

No dia 03 de julho de 2024, o ora recorrido participou de evento de capacitação destinada aos funcionários da Secretaria da Saúde e Saneamento, fato também noticiado em rede social:

 

 

A prova oral produzida também demonstra que Eduardo Chagas esteve presente nesses dois momentos (23.05 e 03.07), condutas que não se amoldam à necessária desincompatibilização do cargo de Secretário Municipal da Saúde e Saneamento.

Transcrevo, por oportuno, o parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

Da prova colacionada, verifica-se que o recorrido esteve em reunião, no gabinete do Prefeito Municipal de Condor, em 23/05/2024, quando da cerimônia de celebração de convênio com a empresa Servpref - a qual, de fato, fez publicar a presença, no ato, do "prefeito de Condor, Valmir Land", também fazendo menção "aos secretários da prefeitura e aos agentes de saúde". Também não há dúvida de que o impugnado teve espaço de fala quando de treinamento ministrado a servidores da Secretaria Municipal de Saúde, em 03 de julho de 2024. Em ambas as ocasiões, houve extração de fotografias, as quais foram publicadas - aparentemente, com autorização ou não oposição do impugnado assessoramento e orientação técnica em todas as Secretarias Municipais".

A farta prova documental e testemunhal atesta que houve de fato a prática de atos de afastam a desincompatibilização. Como bem referido pelo Ministério Público:

Entre as testemunhas, tais fatos são mencionados de forma razoavelmente concorde - inobstante a oitiva de Carmen Eni Keller como informante, já que esposa de candidato ao cargo de Prefeito Municipal pelo partido impugnante; assim como a de Marlise Schneider, correligionária política do impugnado.

(...)

Em análise à documentação pertinente ao processo de contratação da empresa Servpref, nota-se que a requisição de compras foi assinada em 17/04/2024, já pelo Coordenador de Saúde, Arno Matchinske Júnior. Tal se deu poucos dias depois do Memorando 064/2024, datado de 25/03/2024, firmado pelo ora impugnado, ainda na condição de Secretário Municipal de Saúde. Nesse documento, o impugnado ressaltava a necessidade de contratação de uma empresa para direcionar pacientes para cidades destino de consultas e exames - precisamente, o campo de trabalho da empresa Servpref.

O Estudo Técnico Preliminar, datado de 08 de abril de 2024, apresenta

assinatura semelhante à do Coordenador de Saúde, Arno Matchinske Júnior, embora com o sinal "p/", e em espaço batido como "Resp. Secretário Municipal da Saúde e Saneamento". O termo de referência de contratação, de 16 de abril de 2024, também tem a assinatura de Arno, sendo que o edital de licitação, datado de 17 de abril de 2024, tem somente a assinatura do Prefeito Municipal. A homologação do certame, ocorrida em 02/05/2024, apresenta apenas a assinatura do Prefeito Municipal, sendo que ele também assinou o próprio contrato, datado de 03/05/2024.

Nesse cenário, tem-se que, se o impugnado atuava como "contato" da empresa para a contratação, isso ocorreu sem que o mesmo deixasse clara sua atuação, já que sua assinatura constou em apenas um, dentre vários documentos componentes dos processos licitatório e de contratação. A alegação de que "negociações" vinham desde ano anterior não encontram amparo nos documentos juntados, que, como visto, dão conta da existência de memorando, sugestivo da necessidade de contratação, datado de março de 2024. No contexto, a alegação do exercício de fato, de forma não declarada, do cargo de Secretário Municipal de Saúde, pelo ora impugnado, passa a ganhar força.

Essa alegação ganha ainda mais força quando sabido que o impugnado passou a exercer cargo de segundo escalão, vinculado à Secretaria Municipal de Fazenda e Planejamento, poucos dias depois de sua exoneração do cargo de Secretário Municipal de Saúde. Tal fato não é incomum quando de estratagemas para maquiar a atuação de fato dos secretários municipais, conferindo certo grau de legalidade ao agir do

mesmo. (g.n.)

Ora, é cediço que o prazo de desincompatibilização de secretários municipais é maior (seis meses, a teor do art. 1º, III, b, 4, da LC 64/90) do que o dos demais servidores públicos (três meses, a teor do art. 1º, II, l, da LC 64/90).

Nesse passo, a ocupação de outro cargo permite, na prática, justificativa para agir funcional por mais três meses, contados da data das eleições.

Nessa toada, diante da farta prova de que o impugnado permaneceu no exercício, no plano fático, de atribuições inerentes ao cargo de Secretário Municipal de Saúde, a conclusão é pela ausência de desincompatibilização, e pela permanência da condição de inelegibilidade, prevista no art. 1º, III, b, 4, da LC 64/90.

Portanto, devem prosperar as irresignações.

 

Sendo relevante exatamente o afastamento de fato do exercício das atividades e não a mera desincompatibilização formal, sendo evidente que exerceu as funções das quais deveria estar afastado, deve ser reconhecida a inelegibilidade do recorrido, como se extrai da seguinte ementa da Corte Superior:

 

ELEIÇÕES 2018. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO FEDERAL. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL MUNICIPAL. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. COMPROVAÇÃO. INELEGIBILIDADE ART. 1º, II, l, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. NÃO INCIDÊNCIA.

1. O candidato comprovou o afastamento de fato da função pública, ante a apresentação, ainda na origem, de atestados médicos, os quais lhe garantiram licença para tratamento de saúde até o dia 25.10.2018, fatos que foram corroborados pelos documentos juntados em sede recursal.

2. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o afastamento de fato do cargo no prazo legal é suficiente para demonstrar a desincompatibilização.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 0602983-61.2018.6.26.0000/SP, Relator Min. Admar Gonzaga, julgado em 23.10.2018) (grifo nosso)

 

Eleições 2012. Registro de candidatura. Indeferimento. Desincompatibilização. Secretário Municipal. Afastamento de fato. Ausência.

1. O Tribunal Regional Eleitoral concluiu que o candidato, secretário municipal, embora tenha requerido formalmente o afastamento do cargo, continuou a frequentar a secretaria e a realizar reuniões relacionadas à pasta com servidores, o que evidenciaria a falta de desincompatibilização, mantendo, assim, sua influência.

2. Para afastar a conclusão do acórdão regional no sentido de que o candidato permaneceu atuando na secretaria em que exercia suas funções seria necessário o reexame do contexto fático-probatório, vedado em sede de recurso de natureza extraordinária, nos termos das Súmulas nos 7 do STJ e 279 do STF.

3. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica no sentido de que, para fins de desincompatibilização, é exigido o afastamento de fato do candidato de suas funções.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 82074, Acórdão de 02.4.2013, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 81, Data 02.5.2013, p. 58-59) (grifo nosso)

 

Dessa forma, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, merece acolhida a pretensão recursal.

Diante do exposto, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso do PDT DE CONDOR e do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, ao efeito de INDEFERIR o registro de candidatura de EDUARDO CHAGAS.