RSE - 0600139-49.2021.6.21.0073 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2024 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Do Mérito

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença proferida pelo Juízo da 073ª Zona Eleitoral, que rejeitou a denúncia contra HELIOMAR ATHAYDES FRANCO pelo suposto impulsionamento de conteúdos, consistentes em vídeos de divulgação de sua candidatura ao cargo de prefeito, na aplicação de internet Facebook, no dia da Eleição de 2020, incorrendo nas sanções do art. 39, § 5º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97.

Aqui, importa lembrar que a Lei das Eleições (Lei n. 9504/97) foi alterada pela chamada Minirreforma eleitoral de 2017 (Lei n. 13.488/17) para inserir disposições específicas sobre a propaganda eleitoral na internet. Neste sentido, o artigo 57-C estabeleceu a vedação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.

Contudo, embora permitido o impulsionamento de conteúdos, tal prática não é permitida no dia da eleição, sob pena da caracterização do crime previsto no art. art. 39, § 5º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

IV - a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de internet de que trata o art. 57-B desta Lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.

No caso dos autos, é incontroverso que houve o impulsionamento de propaganda eleitoral pelo candidato durante a campanha. No entanto, a cizânia reside no fato de o candidato Heliomar Athaydes Franco ter ou não impulsionado tais conteúdos no 15.11.2020, dia da eleição.

Em sua denúncia, o Ministério Público Eleitoral elencou 9 (nove) publicações que teriam sido impulsionadas pelo denunciado e que estariam com seus respectivos conteúdos ativos no dia da votação, o que é vedado pela legislação em vigor:

- de 13 a 16 de novembro de 2020 (https://web.facebook.com/ads/library/?id=840698086742087);

- de 12 a 16 de novembro de 2020 (https://web.facebook.com/ads/library/? Id=715681852400763);

- de 13 a 16 de novembro de 2020 (https://web.facebook.com/ads/library/? Id=1485126805030120);

- de 13 a 16 de novembro de 2020 (https://web.facebook.com/ads/library/? Id=285323829443078);

- de 12 a 16 de novembro de 2020 (https://web.facebook.com/ads/library/? Id=435439744113683);

- de 11 a 15 de novembro de 2020 (https://web.facebook.com/ads/library/? Id=374633793845797);

- de 13 a 16 de novembro de 2020 (https://web.facebook.com/ads/library/? Id=369163347664586);

- de 13 a 16 de novembro de 2020 (https://web.facebook.com/ads/library/? Id=1065766473874298);

- de 13 a 16 de novembro de 2020 (https://web.facebook.com/ads/library/? Id=855948085178576)

Por seu turno, anteriormente à realização da audiência para oferecimento de transação penal, o candidato apresentou manifestação acompanhada das capturas de tela relativas aos links contidos na denúncia, indicando, contudo, que os respectivos impulsionamentos não teriam ultrapassado o dia 14.11.2020 (IDs 45615456 e 45615457).

Diante disso, o juízo de primeira instância rejeitou a denúncia, por considerar que a ação penal foi movida sem um acervo probatório mínimo e seguro, circunstância que configura a ausência de justa causa para a ação penal, na forma do art. 395, inc. III, do Código de Processo Penal.

Em seu recurso, o recorrente sustentou estarem presentes nos autos indícios de autoria e materialidade suficientes à admissão da denúncia, com a apresentação da certidão lavrada por Oficial do Ministério Público, acompanhada das capturas de tela obtidas em consulta aos links dos impulsionamentos, de forma a satisfazer os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. Manifestou, ainda, que mesmo havendo dúvida sobre a ocorrência do crime o feito deveria prosseguir, com a prolação de decisão acerca da quaestio somente após a instrução, imperando nesta fase o princípio do in dubio pro societate, descabendo a rejeição da denúncia.

Tenho que razão assiste ao recorrente.

Embora o principal momento de análise da prova ocorra após a deflagração do processo penal, ou seja, depois do recebimento da denúncia, a valoração da prova também ocorre em momentos precedentes à sentença, como, por exemplo, na instauração ou não do inquérito, na decisão da autoridade policial acerca do indiciamento, no oferecimento da denúncia ou pedido de arquivamento pelo órgão ministerial, bem como na decisão do juízo que recebe ou rejeita a denúncia.

No entanto, a decisão acerca do recebimento da denúncia obviamente não requer o mesmo grau de convicção acerca da materialidade e da autoria delitiva exigido na prolatação da sentença.

No caso telado, a denúncia encontra-se lastreada na certidão lavrada por servidora do Ministério Público com as respectivas capturas de tela a indicar o impulsionamento de propagandas eleitorais no dia da eleição.

Assim, diferentemente do entendimento do juízo a quo, avalio que os indícios apresentados pelo órgão acusador mostram-se suficientes para o recebimento da denúncia, não havendo falar na ausência de justa causa para o exercício da ação penal.

Com efeito, no caso sob exame, vislumbro que a denúncia preenche os requisitos necessários para o seu recebimento, em conformidade com as disposições dos arts. 41 do Código de Processo Penal e 357, § 2º, do Código Eleitoral:

Art.41 CPP. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

Art. 357 CE. Verificada a infração penal, o Ministério Público oferecerá a denúncia dentro do prazo de 10 (dez) dias.

(…)

§ 2º A denúncia conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

Embora o recorrido também tenha apresentado prints de consultas aos mesmos links, nos quais as datas de contratação dos impulsionamentos constam diversas das datas apontadas na denúncia, nesta etapa processual, a dúvida merece ser solvida em favor da sociedade, prevalecendo o princípio in dubio pro societate, como bem pontuado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer:

Noutros termos, efetivamente, a contradição entre a informação que constou inicialmente, logo após eleição, e aquela que foi obtida posteriormente, pelo então Denunciado, deve ser objeto de discussão e corroboração durante a pertinente instrução criminal, especialmente porque, no juízo de apreciação da denúncia, vige o princípio in dubio pro societate (…).

[...]

Assim, a referida dúvida, neste momento, deve ser resolvida “em favor da sociedade”, ou seja, com a determinação de prosseguimento da ação penal, para permitir o esclarecimento e julgamento da conduta, ao menos em tese, delitiva.

Destarte, os elementos carreados aos autos pelas partes implicam importante divergência quanto ao fato de o candidato Heliomar Athaydes Franco ter ou não impulsionado conteúdos de propaganda eleitoral no dia da eleição, de forma que se faz necessária a instrução processual para o esclarecimento dos fatos.

Por fim, ressalto que esta Corte já julgou no mesmo sentido os seguintes casos análogos: RSE n. 0600132-57.2021.6.21.0073, Relator: Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 12.6.2024; e RSE n. 0600111-81.2021.6.21.0073, Relator: Desembargador Eleitoral Volnei dos Santos Coelho, julgado em 18.6.2024.

ANTE O EXPOSTO, VOTO para dar provimento ao recurso, ao efeito de receber a denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral da 073ª Zona Eleitoral - São Leopoldo/RS em face de HELIOMAR ATHAYDES FRANCO.