REl - 0600342-91.2024.6.21.0077 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/09/2025 00:00 a 12/09/2025 23:59

VOTO

Cuida-se de examinar recurso apresentado por ELISANDRA TAVARES DE OLIVEIRA, candidata ao cargo de vereador, em face da sentença que julgou desaprovadas suas contas, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, com determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 600,00.

Inicialmente analiso a prefacial de cerceamento de defesa por ausência de intimação do parecer conclusivo.

Sem razão.

O procedimento da prestação de contas prevê a intimação do parecer conclusivo apenas se houver irregularidade nova após o exame das contas (art. 72 da Res. TSE n. 23.607/19, hipótese que não se evidencia nos autos.

Ademais, conforme adiante será examinado, o mérito será favorável à recorrente, circunstância que faz incidir o art. 219 do Código Eleitoral.

Afasto a prefacial.

No mérito, as contas foram desaprovadas em razão de suposta incompatibilidade entre a capacidade econômica da recorrente e a doação de recurso próprio de R$ 600,00.

Destaco que a conclusão pela irregularidade adveio do fato de a candidata declarar que não possui bens (ID 45925761), ser dona de casa e beneficiária do bolsa-família.

Ora, o uso em campanha de recursos financeiros próprios em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não compromete o exame da movimentação contábil, não atraindo a conclusão de recebimento de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada, caso o valor impugnado tenha sido devidamente registrado na prestação de contas.

Trago precedentes do egrégio Tribunal Superior Eleitoral nesse sentido: 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVAÇÃO. USO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS EM CAMPANHA EM MONTANTE SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. COMPATIBILIDADE. REALIDADE FINANCEIRA E OCUPAÇÃO DO CANDIDATO. VALOR ÍNFIMO. DESPROVIMENTO.

1. O uso de recursos financeiros próprios em campanha em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente, por si só, para desaprovar contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato que declara sua ocupação. Precedentes.

2. No caso dos autos, embora o TRE/CE tenha assentado a existência de outras irregularidades que ensejaram a rejeição do ajuste contábil, consignou, especificamente quanto ao tema, que a renda mensal do candidato, declarada no valor de R$ 2.000,00, possibilitou a doação de recursos próprios no montante de R$ 2.500,00, e que a hipótese não cuida de recursos de origem não identificada.

3. Concluir em sentido diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 35885, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE, Tomo 61, Data 29.3.2019, pp. 64-65).

(Grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. USO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS EM CAMPANHA EM MONTANTE SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. HOLERITES APRESENTADOS. RESPEITO AO LIMITE DE GASTOS ESTABELECIDO PARA O CARGO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE MÁ-FÉ. APROVAÇÃO DAS CONTAS. DEPROVIMENTO.

1. A solução da controvérsia posta nos autos requer a distinção entre os bens próprios do candidato utilizados em campanha, referidos no art. 19, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, e os recursos próprios advindos de seus rendimentos, os quais correspondem a sua situação financeira e encontram referência no art. 21 da referida resolução.

2. In casu, não há falar em comprometimento do exame da movimentação financeira, porquanto, conforme consta do acórdão regional, o candidato, ora agravado, empregou R$ 3.828,40 (três mil, oitocentos e vinte e oito reais e quarenta centavos) em favor de sua própria campanha, mediante vários depósitos na conta específica. O candidato exerce a função de policial militar, tendo apresentado nos autos os respectivos holerites para comprovar sua renda mensal. Tais documentos foram aptos a justificar a utilização de recursos financeiros próprios no pleito, não havendo falar em recursos de fonte vedada ou de origem não identificada.

3. Referido entendimento foi confirmado por esta Corte Superior, em situações semelhantes à dos autos, relativas às eleições de 2016 no AgR-REspe n° 358-85/CE, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 29.3.2019 e AgR-REspe n° 397-90/SE, de minha relatoria, DJe de 2.8.2018.

4. A jurisprudência do TSE tem admitido a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para viabilizar a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, em hipóteses nas quais o valor das irregularidades é módico e ausentes indícios de má-fé do prestador e de prejuízo à correta análise da regularidade pela Justiça Eleitoral. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 18079, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 80, Data 30.4.2019, p. 42).

(Grifo nosso)

 

Insta salientar que a ausência de patrimônio não significa inexistência de renda. São situações distintas.

Nessa linha, colaciono jurisprudência da Corte Superior:

 

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VALOR MÓDICO DA INCONSISTÊNCIA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recurso especial eleitoral, mantendo aprovadas com ressalvas as contas de campanha referentes às Eleições 2016.

2. Hipótese em que o TRE/CE aprovou com ressalvas as contas de campanha do recorrido, candidato ao cargo de vereador nas Eleições 2016.

3. O acórdão regional alinha-se à jurisprudência desta Corte no sentido de que o patrimônio do candidato, declarado no momento do registro da candidatura, não se confunde com a sua situação financeira ou capacidade econômica, que é dinâmica e se relaciona aos rendimentos auferidos. Precedentes.

4. No caso, o TRE/CE assentou que, a despeito da declaração de ausência de bens por ocasião do registro de candidatura, é razoável concluir que a atividade de agricultora declarada pelo candidato justifique a aplicação em campanha de recursos próprios na ordem de R$ 1.153,72.

5. Desse modo, o acórdão consignou não se tratar de receita de origem não identificada ou de fonte vedada.

6. Além disso, o montante de recursos próprios utilizados na campanha é muito inferior ao teto de gastos estabelecido pelo TSE para o cargo pretendido (R$ 10.803,91).

7. A jurisprudência desta Corte inclina-se no sentido de que irregularidades em valores módicos, sem evidência de má-fé do prestador e que não prejudiquem a correta análise das contas pela Justiça Eleitoral, ensejam a sua aprovação com ressalvas. Precedentes.

8. A modificação da conclusão do TRE/CE quanto à ausência de gravidade da falha apontada exigiria o revolvimento do acervo fático-probatório constante dos autos, vedado nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE).

9. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 73230, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE, Tomo 27, Data 07.2.2020, pp. 31/32).

(Grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. IRREGULARIDADE. USO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS EM CAMPANHA EM MONTANTE SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. RESPEITO AO LIMITE DE GASTOS ESTABELECIDO PARA O CARGO. VALOR MÓDICO. MÁ-FÉ. AUSÊNCIA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal Regional, por unanimidade, aprovou com ressalvas as contas de campanha da candidata nas quais foi constatado o uso de recursos financeiros próprios em campanha em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura.

2. A solução da controvérsia posta nos autos requer a distinção entre os bens próprios do candidato utilizados em campanha, referidos no art. 19, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, e os recursos próprios advindos de seus rendimentos, os quais correspondem a sua situação financeira e encontram referência no art. 21 da aludida resolução.

3. In casu, não há falar em comprometimento do exame da movimentação financeira de campanha pela Justiça Eleitoral, porquanto o valor impugnado, no montante de R$ 896,60 (oitocentos e noventa e seis reais e sessenta centavos), foi devidamente registrado na prestação de contas e mostra-se compatível com a atividade informal de cabeleireira, declarada pela candidata.

4. Referido entendimento foi confirmado por esta Corte Superior, em situação idêntica à dos autos, relativa ao pleito de 2016 no julgamento do AgR-REspe n° 397-90/SE, de minha relatoria, DJe de 2.8.2018.

5. A jurisprudência deste Tribunal tem admitido a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar prestações de contas, com ressalvas, em hipóteses nas quais o valor das irregularidades é módico e ausentes indícios de má-fé do prestador e de prejuízos à análise da regularidade das contas pela Justiça Eleitoral. Precedentes.

6. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 63615, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Data 05.4.2019).

(Grifo nosso)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE RECEITAS PRÓPRIAS EM VALOR SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. DOCUMENTAÇÃO APTA A FAZER PROVA DA CAPACIDADE FINANCEIRA. JUNTADA DE DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. AFASTADO DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

1. INSURGÊNCIA CONTRA SENTENÇA QUE DESAPROVOU PRESTAÇÃO DE CONTAS, EM VIRTUDE DE UTILIZAÇÃO DE RECEITAS PRÓPRIAS EM VALOR SUPERIOR AO PATRIMÔNIO FINANCEIRO DECLARADO QUANTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA, CONSIDERANDO OS RECURSOS COMO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DETERMINANDO SEU RECOLHIMENTO AO ERÁRIO.

2. DOCUMENTAÇÃO COLIGIDA AO FEITO SUFICIENTE A DEMONSTRAR A FONTE DOS RECURSOS TIDOS COMO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. JUNTADA DE DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA, COMPROVANTE APTO A FAZER PROVA DE CAPACIDADE FINANCEIRA PARA REALIZAR APORTES EM SUA CAMPANHA.

SITUAÇÃO PATRIMONIAL DA PRESTADORA, QUANDO DO REGISTRO DE CANDIDATURA, NÃO SE CONFUNDE COM O POTENCIAL ECONÔMICO, O QUAL TENDE A ACOMPANHAR O DINAMISMO DAS ATIVIDADES E SE RELACIONA COM O PERCEBIMENTO DE RENDA, E NÃO COM A TITULARIDADE DE BENS E DIREITOS. JURISPRUDÊNCIA. VÍCIO SANADO.

3. REFORMA DA SENTENÇA PARA APROVAR AS CONTAS E AFASTAR O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL.

4. PROVIMENTO.

(TRE-RS, REl n. 0600247-89.2020.6.21.0016, Relator Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, julgado em 03.11.2021).

(Grifo nosso)

 

Ademais, a declaração de bens "é estática e serve de amparo à eventual comprovação de enriquecimento ilícito no exercício do mandato ou futura variação patrimonial, enquanto a situação financeira é dinâmica e se relaciona aos rendimentos do candidato ao longo de um período eleitoral, no caso, a campanha eleitoral" (TSE, REspEl n. 060111308/SE, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Decisão monocrática de 30.8.2019, Publicada no DJe, Tomo n. 170, de 03.9.2019). Logo, a finalidade da declaração patrimonial exigida por ocasião do registro de candidatura não é de funcionar como medida de avaliação do potencial de autofinanciamento.

Com efeito, a situação patrimonial de postulante a cargo eletivo, declarado no momento do registro da candidatura, não se confunde com a sua capacidade financeira, a qual tende a acompanhar o dinamismo próprio do exercício de atividades econômicas, relacionando-se, portanto, mais diretamente ao percebimento de renda, e não à titularidade de bens e direitos.

Em que pese a recorrente tenha informado quando de seu pedido de Registro de Candidatura a ocupação de dona de casa, do fato de ser beneficiária de programa social (bolsa-família) exsurge a circunstância de auferir renda, ainda que modesta, compatível com o valor de uso de recurso próprio de R$ 600,00.

Dessa forma, mostra-se despida de razoabilidade a suposição de que a importância autofinanciada pela candidata, via regular trânsito de valores pelas contas bancárias, seja oriunda de fonte vedada.

Inexistindo outras máculas apontadas, merece aprovação as contas de campanha da recorrente.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, ao efeito de aprovar as contas de ELEISANDRA TAVARES DE OLIVEIRA, relativas ao pleito de 2024, afastando a determinação de recolhimento de R$ 600,00, com esteio no art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.