REl - 0600220-25.2024.6.21.0030 - Voto Relator(a) - Sessão:

VOTO

1. Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comportam conhecimento.

2. Das Preliminares de Cerceamento de Defesa

2.1. Do Indeferimento da Prova Oral

Em sua primeira preliminar arguida, o recorrente alega prejuízos à defesa em razão do indeferimento do pedido de produção de oitiva de testemunhas que conheciam os fatos analisados pelo Tribunal de Contas e demonstrariam a inexistência de dolo específico.

Não assiste razão ao recorrente.

A análise de eventual configuração da inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90 deve ser realizada exclusivamente com base na decisão do Tribunal de Contas, órgão responsável pelo julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da administração direta e indireta, sendo despicienda, no caso, a prova testemunhal.

Ressalta que eventual admissão da prova oral pretendida implicaria em revolver questões de fato que já foram apreciadas e decididas pela Corte de Contas, não cabendo à Justiça Especializada dizer sobre o acerto ou desacerto da decisão proferida, sob pena de violação ao enunciado da Súmula n. 41 do TSE, segundo o qual “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade”.

Nessa linha, destaco julgado do TSE:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. LIMITE CONSTITUCIONAL DE GASTOS. EXTRAPOLAÇÃO. ART. 29-A DA CF/88. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. No decisum monocrático, mantiveram-se sentença e acórdão unânime no sentido do indeferimento do registro de candidatura do agravante ao cargo de vereador de Imbaú/PR nas Eleições 2020 com base na inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90.2. Inexiste cerceamento de defesa. Como bem assentou o TRE/PR, a incidência ou não da causa de inelegibilidade oriunda de rejeição de contas públicas há de ser verificada a partir do exame do decisum prolatado pelo órgão competente, e não mediante prova testemunhal. Precedentes. [...].

(TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 060043796, Acórdão, Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 04/05/2021) (Grifei.)

 

Com essas considerações, afasto a preliminar em tela.

 

2.2. Da Ausência de Intimação para Contrarrazões aos Embargos de Declaração

Como segunda preliminar, o recorrente sustenta a nulidade da sentença, uma vez que o juízo recorrido “acolheu os embargos de declaração com efeitos infringentes alterando o teor central do decisum sem possibilitar à parte contrária vista para contrarrazoar o recurso”.

No caso, a sentença proferida acolheu a impugnação ofertado pelo Ministério Público Eleitoral e concluiu de modo expresso que: “se extrai claramente das auditorias e da decisão do Tribunal de Contas, que o impugnado assumiu conscientemente os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que pautam os gastos públicos. E tal conduta perfaz o dolo previsto no art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90” (ID 45738980).

Em sequência, o Ministério Público Eleitoral opôs embargos de declaração apenas para integrar a decisão com a referência ao “dolo específico” (ID 45738985).

Sobreveio, então, decisão acolhendo os aclaratórios com os seguintes fundamentos (ID 45738987):

Efetivamente, não obstante o julgado embargado tenha, em sua fundamentação, apontado a conclusão do magistrado prolator quanto a compreender o dolo do agente como específico (note-se os contornos do teor do decisum), dadas as circunstâncias, a reiteração sistemática e a espécie dos atos irregulares e danosos praticados pelo impugnado na gestão da referida fundação de direito público – dirigidos voluntária e conscientemente a comprometer a verificação do gasto público à finalidade dos convênios; a determinar despesas fora do período de vigência do convênio e saques diretos de valores de convênios; a aceitar e receber prestação de contas incompletas; bem como a autorizar despesas que sabia estarem em desacordo com a legislação e omitir-se em exigir, como de lei, a comprovação da aplicação da contrapartida pelos beneficiários das verbas públicas -; não foi explícito em seu dispositivo quanto a tal âmbito de análise, merecendo haver a devida integração e explicitação a fim de registrar, clara e inequivocamente, a conclusão do juízo eleitoral, formada a partir da argumentação constante do voto condutor do julgado do Tribunal de Contas, de que o dolo do impugnado, na espécie, configura-se como específico em cometer as irregularidades constatadas pelas auditorias e verificadas no julgado transitado em julgado da Corte de Contas.

Ademais, também merece ser registrado que após análise do dolo na espécie, a fundamentação concluiu por reconhecer a incidência da causa de inelegibilidade do art. 1º que, a partir da alteração promovida pela Lei nº 14.230/2021   e na dicção de julgados do e. TSE - passou a exigir o dolo específico, como consta do teor do decisum. Logo, ao reconhecer a incidência, obviamente tratou o dolo como o suficiente para imantar a inelegibilidade apontada na inicial da impugnação.

Entretanto, e não obstante tais apontamentos, é de cautela e segurança atender à pretensão declaratória para aclarar a decisão e afastar toda e qualquer dúvida ou indevida interpretação.

ISSO POSTO, nos termos do art. 275 do Código Eleitoral c/c o art. 1.022 do Código de Processo Civil, acolho os embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Eleitoral para integrar a sentença que julgou procedente a pretensão de impugnação do pedido de registro de candidatura de Solimar Charopen Gonçalves a fim de que conste de seu texto o inteiro teor do presente, bem como do respectivo dispositivo sentencial, a expressão, “reconhecido o dolo específico”.

 

Portanto, não houve a atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Eleitoral, mas tão somente a referência inequívoca sobre o dolo específico então reconhecido, o qual já era depreendido da própria fundamentação da decisão.

Tendo em vista que o acréscimo da expressão “dolo específico” não trouxe alteração da fundamentação e não modificou a resolução de mérito, não se impunha a intimação da parte contrária para manifestação, pois não houve prejuízo ou agravamento de sua situação.

Dessa forma, rejeito a preliminar em análise.

3. Do Mérito

No mérito, o juízo da origem indeferiu o registro de candidatura de Solimar Charopen Gonçalves, sob o fundamento de que, “a partir do teor do contido na decisão irrecorrível proferida pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul – TCE/RS no âmbito do Processo de Tomada de Contas n. 007647-02000/09-0 evidencia-se claramente que o impugnado incorreu na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90, na medida em que a conduta extremamente danosa ao Erário público (gerando prejuízo de mais de um milhão de reais ao povo gaúcho, à época dos fatos) do pré-candidato, quando exerceu cargo público de administrador da Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul – FUNDERGS (fundação de direito público vinculada à Secretaria Estadual do Esporte e Lazer que administra recursos do Estado do Rio Grande do Sul)”.

A causa de inelegibilidade em questão tem a seguinte base legal:

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...).

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Logo, para a incidência do dispositivo legal, exige-se o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: i) existência de prestação de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; ii) julgamento e rejeição das contas; iii) detecção de irregularidade insanável; iv) irregularidade que configure ato doloso de improbidade administrativa; v) decisão irrecorrível do órgão competente para julgar as contas; e vi) inexistência de suspensão ou anulação judicial da decisão de rejeição das contas.

Na dicção da jurisprudência do TSE: “é despicienda a indicação expressa, pela Corte de Contas, acerca da prática de atos de improbidade, bastando que essa circunstância possa ser extraída do inteiro teor do decisum em que rejeitado o ajuste contábil” (TSE, Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 0600377-04, Acórdão, Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 18.12.2020).

Nesse passo, o Tribunal de Contas do Estado, no Processo de Tomada de Contas n. 007647-02000/09-0, rejeitou as contas do recorrido relativamente ao exercício de 2009, quando ocupou o cargo de Administrador da Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul (FUNDERGS), em razão de um volumoso conjunto de reiteradas irregularidades em convênios que acarretaram um prejuízo aproximada de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) ao erário, consoante os seguintes apontamentos (ID 45738865, grifei):

Em relação a tal argumento, conforme analisado em três exemplos listados a seguir, as sugestões de débito não decorrem de falhas isoladas, mas sim de um conjunto de inconformidades, diversas vezes em relação ao mesmo convênio, as quais comprometem a verificação quanto à adequação do gasto público à finalidade proposta para o convênio.

No item 1.6.1, por exemplo, foram apontadas 5 inconformidades: 1) Realização de despesas fora do período de vigência do convênio; 2) Saque do Valor do Convênio; 3) Recebimento de prestação de contas incompleta; 4) Despesas em desacordo com o Plano de Trabalho; e 5) Ausência de comprovação da aplicação da contrapartida.

Já no item 1.6.2 existem 2 inconformidades: 1) Saque do Valor do Convênio; e 2) Realização de despesas fora do período de vigência do convênio.

No item 1.6.3 há 3 inconformidades: 1) Saque do Valor do Convênio; 2) Realização de despesas fora do período de vigência do convênio; e 3) Recebimento de prestação de contas incompleta.

Nos demais itens a situação é muito semelhante, existindo, ainda, outras inconformidades, tais como: 1) prestação de contas fora do prazo; 2) despesas em desacordo com o plano de trabalho; 3) ausência de comprovação da aplicação da contrapartida; 4) documentos comprobatórios de despesa inadequados ou em desacordo com as cláusulas do convênio; 5) diferença no custo unitário cobrado pelo mesmo prestador de serviço para a mesma despesa; 6) utilização de recursos recebidos de outro Órgão do Estado para comprovar a despesa referente à contrapartida; 7) irregularidade da empresa prestadora de serviços; 8) ausência de orçamentos de pesquisa de preços; entre outras.

[...]

Por todo o exposto, voto pela fixação do débito no montante de R$ 1.279.885,11, conforme detalhado na tabela acima, devendo o atual Gestor ser recomendado para que adote as providências cabíveis no sentido de evitar a repetição dos apontes.

Quanto aos demais itens, todos sem sugestão de débito, apontados nos itens 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, 2.1, 2.2, 3.1, 5.1, 5.2, 5.3, 6.1.1, 6.1.2, 6.1.3 e 6.1.4, todos dos Relatórios de Auditoria, itens 2.1, 2.2, 2.3.4, 2.3.5.a, 2.3.6, 2.4.3, 2.4.4, 2.5.1.b, 2.5.2, 2.6, 2.7, 2.8, 3.1, 3.2, 3.3, 3.4 e 3.5, todos da CAGE, itens 2.1 e 2.2 da Documentação, anuo às razões trazidas pela Instrução Técnica no sentido de mantê-las, pois entendo que tais inconformidades revelam fragilidades do sistema de gestão da Auditada, bem como infrações à administração financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, que em conjunto com as demais inconformidades, sujeitam o Administrador à penalidade de multa, com fundamento no art. 67 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas, sem prejuízo da recomendação à Origem para adoção de medidas corretivas.

Quanto ao julgamento das contas do senhor Solimar Charopen Gonçalves, o conjunto de falhas apresentadas no presente processo, em especial em relação à precariedade na prestação de contas de convênios, cujo montante das falhas supera R$ 1,5 milhão, compromete a globalidade da gestão, sujeitando o Administrador ao julgamento pela irregularidade de suas contas relativas ao exercício 2009, sem prejuízo das demais medidas contempladas neste Voto.

[...].

 

Em conclusão, decidiu o Tribunal Pleno da Corte de Contas (ID 45738866):

O Tribunal Pleno, por unanimidade, acolhendo o voto do Conselheiro-Relator, por seus jurídicos fundamentos, decide:

a) julgar irregulares as contas do Senhor Solimar Charopen Gonçalves (p.p. Advogados Valdir Boniatti, OAB/RS n. 35.067, e Ana Lúcia Steffens Bay, OAB/RS n. 35.124), Administrador da Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul – FUNDERGS no exercício de 2009, com fundamento no inciso III do artigo 84 do Regimento Interno deste Tribunal;

b) recomendar ao atual Gestor a adoção de medidas efetivas em relação às inconformidades apresentadas no voto do Conselheiro-Relator, em especial aquelas relativas às inconformidades nas Prestações de Contas dos Convênios;

c) fixar débito relativo aos itens 1.6.1 a 1.6.9, 1.6.11 a 1.6.14, 1.6.18 a 1.6.20, 1.6.24 a 1.6.32, 4.1.1, 4.1.2 e 4.1.5 a 4.1.12 dos Relatórios de Auditoria; itens 1.1.2 e 1.1.3 do Relatório Complementar n. 002/2012 da Supervisão de Auditoria e Instrução de Contas Estaduais – SAICE e itens 2.3.1.e, 2.3.2.d, 2.3.2.e, 2.3.3.c, 2.3.3.d, 2.3.5.b, 2.3.5.c, 2.4.1, 2.4.2 e 2.5.1.a do Relatório da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado – CAGE, conforme tabela apresentada no relatório e voto do Conselheiro-Relator (folhas 3818 e 3819), de responsabilidade do Senhor Solimar Charopen Gonçalves;

d) impor multa, no valor de R$ 1.500,00, ao Senhor Solimar Charopen Gonçalves, com fundamento nos artigos 67 da Lei Estadual n. 11.424/2000 e 135 do Regimento Interno deste Tribunal;

e) remeter estes autos à Supervisão competente para a aplicação dos consectários decorrentes desta decisão, nos termos do Regimento Interno deste Tribunal.

 

Os fatos descritos pelo Tribunal de Contas configuram, em tese, atos de improbidade administrativa enquadráveis na Lei n. 8.429/92, precipuamente nos incisos II, XI, XII e XIX do artigo 10, especialmente no que se refere à realização de despesas sem a observância das formalidades legais, à facilitação para que terceiro se enriqueça ilicitamente e no agir para a configuração de ilícito na fiscalização e nas contas de parcerias firmadas com outras entidades.

Além disso, está bem demarcado pela Corte de Contas que o Gestor, nos diversos convênios firmados, agiu com dolo específico, uma vez que não adotou qualquer iniciativa para estruturar a fundação que administrava, não agiu para fiscalizar os ajustes ou apurar eventuais falhas nos processos, permitindo, de forma intencional, a contumaz realização de despesas sem a devida comprovação e sem estrita observância das normas pertinentes.

Nessa linha de intelecção, o TSE já proclamou que “o dano ao erário e o prejuízo à boa gerência da coisa pública afiguram–se inequívocos, tipificando–se falha grave, de natureza insanável, a atrair a inelegibilidade” (Recurso Especial Eleitoral n. 0600225-35, Acórdão, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE, Tomo 62, Data 08/04/2021).

Não foram verificadas apenas irregularidades formais e erros pontuais que poderiam ser sanados sem qualquer prejuízo, mas graves omissões e infringência às normas que acarretaram danos ao erário, no dizer na Corte de Contas.

Em que pese exista a possibilidade indenizatória no intuito de ressarcir os cofres públicos no que concerne ao prejuízo ao erário e ao enriquecimento ilícito, a violação a preceitos constitucionais é vício que não tem como ser desfeito.

De seu turno, o recorrente sustenta que os convênios eram aprovados por um conselho, bem como que não era ele o ordenador de despesas e que os fatos ocorreram por descumprimentos contratuais por parte das entidades conveniadas, o que afastaria a sua responsabilidade subjetiva.

Contudo, o Tribunal de Contas atribuiu a responsabilidade pelos fatos direta e pessoalmente ao recorrido enquanto gestor da fundação pública, tanto que lhe imputou o débito pelos prejuízos ao erário no montante de R$ 1.279.885,11 (ID 45738865, fl. 25), cumulativamente com a imposição e multa no valor de R$ 1.500,00.

Nesse ponto, retomo que não cabe a esta Justiça Especializada rediscutir o mérito do acórdão do Tribunal de Contas, nos termos da Súmula n. 41 do TSE. Cumpre à Justiça Eleitoral, contudo, extrair do pronunciamento da Corte de Contas os elementos configuradores da inelegibilidade, ainda que nele não conste menção expressa acerca da prática de atos de improbidade administrativa.

Portanto, analisadas as circunstâncias fáticas delineadas pelo Tribunal de Contas, deve ser reconhecida a prática de irregularidades que configuram atos dolosos de improbidade administrativa a ensejar a inelegibilidade em comento, tal como judiciosamente abordado na sentença:

A celeuma centra-se em aquilatar, das irregularidades insanáveis constatadas pela Corte de Contas, se a conduta do impugnado enquadrar-se-ia como ato doloso de improbidade administrativa. E, nesse âmbito de análise, entendo que a razão assiste ao Ministério Público Eleitoral.

Para tanto, valho-me exclusivamente de todo o constatado na auditoria do TCE/RS, na auditoria da Auditoria-Geral do Estado/CAGE, na auditoria da Supervisão de Auditoria e Instrução de Contas Estaduais/SAICE e do teor da decisão do TCE-RS (proferida em 03.06.2018), onde evidenciou-se claramente complexo de reiteradas falhas graves que comprometeram absolutamente a verificação do gasto público à finalidade dos convênios (“realização de despesas fora do período de vigência do convênio”, “saque do valor do convênio”, “recebimento de prestação de contas incompleta”, “despesas em desacordo com o Plano de Trabalho” e “ausência de comprovação da aplicação da contrapartida”) e donde se extrai dolo inequívoco a autorizar a conclusão de incidência da causa de inelegibilidade em comento.

[...].

Evidencia-se, assim, que as irregularidades cometidas de forma sistemática e reiterada pelo impugnado não se trataram de “simples desídia”, de penosa “incompetência na aplicação e fiscalização” de recursos públicos – tão escassos ao povo gaúcho -, mas de condutas sistemáticas, reiteradas e conscientes, que ocasionaram grave prejuízo ao Erário público; em fim de atos que se qualificam como dolosos de improbidade administrativa.

Da mesma forma, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande Sul, na decisão que culminou com a rejeição das contas do impugnado, apontou que as irregularidades não constatadas não decorriam de falhas isoladas, mas compunham um conjunto reiterado de inconformidades, às quais passavam por “realização de despesas fora do período de vigência do convênio”, “saque do valor do convênio”, “recebimento de prestação de contas incompleta”, “despesas em desacordo com o Plano de Trabalho” e “ausência de comprovação da aplicação da contrapartida”.

A Corte de Contas ainda foi expressa em registrar que as 24 reiteradas irregularidades graves, não se configuravam em meras irregularidades formais, mas que comprometiam a verificação do gasto público à finalidade dos convênios.

Note-se, o impugnado autorizava, voluntária e conscientemente, despesas fora de período de vigência dos convênios, é dizer, autorizava movimentação de recursos quando já não havia mais razão jurídica que o embasasse.

Na mesma linha de ato doloso que configura, em tese, improbidade administrativa autorizava despesas em desacordo com plano de trabalho previsto nos contratos e até mesmo saques diretos de valores de convênio.

O resultado de tal conduta, segundo apontado também pela Corte de Contas estadual foram, a inviabilização da verificação do gasto público à finalidade dos convênios para os quais destinados os valores e o apontamento de débito no valor de no valor de R$ 1.279.885,11 (hum milhão, duzentos e setenta e nove mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e onze centavos), em valores consolidados em 2015.

O dolo – que a LC 64/90 não exige seja específico, mas apenas genérico – consubstancia-se claramente no caso em tela quando o impugnado, quando administrador, de forma voluntária e consciente, reiterou sistematicamente em falhas graves que:

- comprometeram absolutamente a verificação do gasto público à finalidade dos convênios, quando determinou despesas fora do período de vigência do convênio;

- quando determinou saques diretos de valores de convênios;

- quando aceitou e recebeu prestação de contas incompletas;

- quando autorizou despesas em desacordo com a legislação e não exigiu, como de lei, a comprovação da aplicação da contrapartida pelos beneficiários das verbas públicas.

No caso em tela, se extrai claramente das auditorias e da decisão do Tribunal de Contas, que o impugnado assumiu conscientemente os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que pautam os gastos públicos.

 

Consta nos autos que a decisão da Corte de Contas alcançou o trânsito em julgado em 5.02.2018 (ID 45738868), e não há qualquer notícia de que tenha sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, prova que interessaria ao recorrente, presumindo-se, assim, que tal suspensão ou anulação não ocorreu.

Portanto, preenchidos todos os requisitos legais, impõe-se a procedência da impugnação e o consequente indeferimento do registro.

Com essas considerações, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, entendo pela incidência de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90, de modo que se impõe a manutenção da sentença que indeferiu o registro de candidatura do recorrente para o pleito proporcional de 2024.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.