REl - 0600252-72.2024.6.21.0016 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/09/2025 00:00 a 12/09/2025 23:59

VOTO

 

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, devendo ser conhecido.

 

PRELIMINAR

Antes de adentrar no mérito do recurso, deve-se considerar a admissão dos documentos apresentados com o recurso eleitoral. Nesse ponto, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal Regional Eleitoral tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

In casu, tem-se por privilegiar o direito de defesa, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se das ementas oriundas deste TRE-RS, colacionadas a título exemplificativo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL DE SERVIÇOS CONTÁBEIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUITAÇÃO. DIVERGÊNCIA DE VALORES ENVOLVENDO TARIFAS BANCÁRIAS. MERAS IMPROPRIEDADES. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA A MULTA E A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de diretório municipal de partido político, referente ao exercício financeiro de 2020, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, acrescido de multa. 2. Conhecidos os documentos juntados na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica. Na hipótese, juntadas fotografias de cheques, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades. 3. Ausência de comprovação de quitação de despesa. Apresentação de recibo de pagamento para comprovação de doação estimável de serviços contábeis, em desacordo com o prescrito pelo art. 9º da Resolução TSE n. 23.604/19. Entretanto, sendo inequívoco que o serviço doado se origina da atividade laboral da própria doadora e que o valor arbitrado não destoa de outros praticados para trabalhos semelhantes no município de origem, a falha é meramente formal, pois não prejudica a fiscalização sobre os contornos essenciais da doação estimável em questão, sendo suficiente a aposição de ressalvas. Inexistência de fundamento legal para a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da doação estimável de serviço, fruto do trabalho da doadora, declarada em valor razoável relativamente aos parâmetros do mercado local e não envolvendo recursos públicos ou de origem não identificada. 4. Divergência detectada entre o valor registrado como despesas com tarifas bancárias e o valor realmente apurado em análise. Reduzido montante da falha. Mera impropriedade, ensejadora de ressalvas às contas. 5. Reforma da sentença. As falhas identificadas constituem meras impropriedades, pois, alcançando montante módico, não impediram o exame técnico das contas e não resultam em dano ao erário, possibilitando a aprovação com ressalvas da contabilidade, na esteira de julgados desta Corte e do TSE (TRE–RS – PC 060028875, Relator.: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Data de Julgamento: 15/06/2020, DJE de 23/06/2020). 6. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a multa e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 06000458320216210079 MANOEL VIANA - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 31/10/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 07/11/2023) Grifei.

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTAÇÃO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE. DOCUMENTAÇÃO SIMPLES. DESNECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE TÉCNICA. MÉRITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. JUNTADA DE NOTA FISCAL IDÔNEA. DESPESA DEMONSTRADA. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas anuais do partido, exercício 2020, em razão de ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional e aplicada multa de 5% do valor irregular. 2. Conhecidos os documentos juntados com o recurso. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte, a apresentação de novos documentos com o recurso, sobretudo na classe processual das prestações de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer, primo ictu oculi, as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. O posicionamento visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual e afastar excessivo formalismo. 3. Ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. A nota fiscal indicada é documento idôneo a demonstrar a despesa - a diferença é de ordem insignificante, um centavo, e foi emitida pela mesma empresa cujo pagamento parcial foi acolhido pela sentença. Existência apenas de falhas formais e de comprovações extemporâneas, de forma que as contas devem ser aprovadas com ressalvas. 4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 06000861020216210060 PELOTAS - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 20/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 135, Data: 26/07/2023.) Grifei.

Por essas razões, conheço dos documentos acostados nos IDs 45928004 e 45928005, consistentes em termos de declaração e espelho de folha-ponto carta de correção eletrônica de notas fiscais emitidas por Zurlo Implementos Rodoviários Ltda., de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento da irregularidade apontada.

 

MÉRITO

A controvérsia do presente recurso cinge-se à regularidade da despesa de R$ 4.952,86, paga com recursos públicos do FEFC, a título de serviços de militância, visto que na peça recursal em análise o recorrente admite a irregularidade de ausência de comprovação de despesa com impulsionamento de conteúdo na rede social Facebook, no valor de R$ 400,00.

A análise do conjunto probatório confirma a correção da sentença ao desaprovar as contas.

As irregularidades identificadas são materiais, de natureza grave, e comprometem a confiabilidade da prestação.

Conforme ressai dos autos, houve discrepância significativa entre os valores pagos a militantes que exerceram a mesma função, com mesma carga horária e em período equivalente.

Enquanto alguns receberam entre R$ 140,00 e R$ 280,00, três contratados — BRUNO BORGES DE MEDEIROS, RUBIA DANIELA BOEIRA BORGES e ANDRÉ ÂNGELO DE BRITO — receberam valores muito superiores (R$ 1.810,00, R$ 1.740,00 e R$ 1.402,86, respectivamente) por apenas dois ou três dias de trabalho.

A justificativa de que teriam trabalhado por período maior surgiu apenas em sede recursal, configurando inovação vedada e que suprimiu a análise pelo juízo de origem, que contava com maior proximidade fática e apoio técnico para averiguação.

Quanto ao ponto, oportuno lembrar que, nos termos do art. 336 do Código de Processo Civil (CPC), toda a matéria de defesa deve ser trazida junto à sua peça de contestação, de modo a propiciar a análise pelo Juízo originário. Vejamos o que diz o artigo referido, aplicável subsidiariamente à Justiça Eleitoral, conforme autoriza a Resolução TSE n. 23.478/16:

Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.

Em resposta aos apontamentos do examinador, no relatório preliminar das contas, quando apontado que ao detalhamento “justificativa do preço pago”, observou-se grande diferença nos valores apresentados e requereu-se esclarecimentos e documentos comprobatórios que justificassem os valores diferenciados, o interessado manifestou-se no seguinte sentido (ID 45927990):

[...]

a) Com relação aos contratos de prestação de serviços eleitorais indicados, reitera-se que as disposições questionadas encontram-se em integralidade nas cláusulas dos respectivos instrumentos.

[...]

c) Os valores foram de livre pactuação entre as partes, considerando carga horária, quantidade de material, apoio extra no comitê, caminhadas com o candidato. Não houve desvio de finalidade, a legislação não veda, neste momento, a contratação de parentes, desde que dentro de uma razoabilidade e proporcionalidade e respeito ao recurso público, como houve no caso vertente.

[...]

Agora, o recorrente busca, em sede recursal, alterar a verdade dos fatos registrada nos documentos que ele próprio apresentou na prestação de contas original.

Os contratos juntados em primeira instância são claros ao estipular a prestação de serviços por poucos dias. A tentativa de justificar os pagamentos elevados com base em um período de trabalho mais extenso, amparada por declarações dos próprios prestadores, produzidas somente após a sentença, configura inadmissível inovação recursal.

A apresentação de novos argumentos e documentos, que alteram substancialmente o deduzido em defesa, além de não se tratarem de situação relativa a fato superveniente, excepcionada por força do art. 342, do CPC, não estão munidos de qualquer prova de terem sido trazidos somente nesse momento processual por motivo de força maior, como institui o art. 1.014, do mesmo Código:

Art. 1.014. As questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.

Tenho, portanto, in casu, que as justificativas trazidas no recurso se tratam de questões não suscitadas e debatidas em primeiro grau, não podendo ser apreciadas pelo Tribunal na esfera de seu conhecimento recursal, pois, se o fizesse, ofenderia frontalmente o princípio do duplo grau de jurisdição, tratando-se, de inovação recursal e tentativa de pós-questionamento, providência não admitida pela jurisprudência. A propósito:

"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ATRASO NA ENTREGA DA UNIDADE. INOVAÇÃO DE TESE NO RECURSO DE APELAÇÃO. MATÉRIA NÃO SUSCITADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. COBRANÇA DE LUCROS CESSANTES. MATÉRIA DECIDIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL A PARTIR DA INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA DO CONTRATO. SÚMULA N. 5 DO STJ. OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE DEMONSTROU A EXISTÊNCIA DO DANO MORAL VINDICADO. SÚMULA N. 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. [...] 2. Nos termos do 1.013, § 1º, do CPC, à exceção das questões de ordem pública, a apelação devolve ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, bem como das questões suscitadas e discutidas no processo, sendo vedado o conhecimento de matéria não veiculada oportunamente perante o magistrado de primeiro grau, o que se verifica, no caso, no tocante à alegação de exceção do contrato não cumprido. [...] 5. Agravo interno não provido." (AgInt no AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.243.799/RJ, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 9/9/2024, DJe de 11/9/2024) Grifei.

Ainda que se pudesse superar tal impedimento, a tese da defesa não se sustenta.

O chamado princípio da primazia da realidade, invocado pelo recorrente, não pode servir de escudo para o descumprimento de normas cogentes de transparência, especialmente quando se trata da aplicação de recursos públicos.

A Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 35, § 12, é taxativa ao exigir que as despesas com pessoal sejam detalhadas, assim dispondo:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

[...]

Os documentos apresentados pelo recorrente, mesmo em grau de recurso, não cumprem tais requisitos.

O espelho de ponto do candidato, que comprovaria seu vínculo empregatício, em nada socorre sua tese. Ao contrário, apenas evidencia a necessidade de uma organização de campanha transparente e bem documentada, o que não ocorreu.

A falha na formalização dos contratos e a posterior declaração dos contratados, não é um "mero erro formal", mas uma irregularidade grave que impede a efetiva fiscalização dos recursos do FEFC, abrindo margem para pagamentos desproporcionais e não comprovados. A ausência de lastro probatório robusto e contemporâneo aos fatos impede que se reconheça a regularidade dos pagamentos. 

Assim, o valor total das irregularidades mantidas é de R$ 5.352,86, o que representa 44,38% do total de recursos arrecadados.

Esse percentual é expressivo e afasta, por completo, a possibilidade de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, tanto do ponto de vista absoluto dos valores envolvidos, quando da proporção frente aos valores manejados em campanha.

A observância de tais princípios, portanto, é o fator determinante na análise dessas situações, permitindo a aprovação das contas com ressalvas quando as falhas são consideradas de pequeno impacto.

Porém, não é essa a realidade do caso em apreço.

Destarte, no caso concreto, não vislumbro espaço normativo ou jurisprudencial que autorize o acolhimento do recurso em tela, devendo, assim, ser mantida a sentença de primeiro grau pela desaprovação das contas, nos termos do que dispõem os arts. 74, inc. III e 79, § 1º e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em conclusão, em total consonância com o parecer do Ministério Público Eleitoral, a manutenção da sentença que desaprovou as contas de PAULO ROBERTO LOPES DE MEDEIROS e determinou o recolhimento do montante de R$ 5.352,86 ao Tesouro Nacional é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por PAULO ROBERTO LOPES DE MEDEIROS, nos termos da fundamentação.