REl - 0600430-53.2024.6.21.0070 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/09/2025 00:00 a 12/09/2025 23:59

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos processuais, razão pela qual dele conheço.

Mérito

Como relatado, LUANA LANFREDI interpõe recurso em face de sentença que desaprovou suas contas referentes ao pleito de 2024 e determinou o recolhimento ao erário de R$ 2.500,00, porquanto emitidos cheques não cruzados para pagamento de despesa com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da conta Outros Recursos, dificultando sua rastreabilidade.

Em apertada síntese, a recorrente, conquanto assuma a falha relativa à emissão de cheque em sua forma não cruzada, defende que esta não comprometeu a confiabilidade das contas, mormente, porque endossado pela colaboradora da empresa contratada, permitindo a fiscalização do destino da verba pública.

À luz dos elementos que informam os autos, rogando a máxima vênia ao entendimento lançado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, assiste parcial razão à recorrente.

Não se nega que o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 impõe a forma nominal e cruzada dos cheques, de maneira a permitir a aferição, por esta Justiça Especializada, do real destino dos valores versados durante a campanha eleitoral. Isso porque, ao nominá-lo, o emissor indica o destinatário imediato da cártula e, ao cruzá-lo, garante a identificação do real beneficiário, uma vez que o cruzamento condiciona o pagamento ao depósito em conta do sacador.

Entretanto, as ordens de pagamento, ainda que nominais e cruzadas, podem ser endossadas por meio de assinatura no verso. É o que dispõe o art. 17, § 1º, da Lei n. 7.357/85 (Lei do Cheque), o qual indica que para proibir o endosso de cheque, ainda que nominal e cruzado, deve-se marcar a cártula como "não à ordem", pois todo o cheque, por padrão, apresenta a expressão "à ordem", podendo ser endossado normalmente.

E, por outro lado, não há vedação ao endosso no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com base nessas premissas, ainda que mantida a falha relativa ao cheque não cruzado, considero suficientemente comprovada a destinação da verba pública.

Explico.

Conforme extratos eletrônicos disponíveis no sistema da Justiça Eleitoral, as cártulas nos valores de R$ 2.500,00 e R$ 1.330,00 foram destinadas a Georgia Baseggio Spilka, embora o contrato de prestação de serviços de marketing para a campanha da recorrente tenha sido firmado com Jessica Baggio Scartazzini (CNPJ n. 28.198.553/0001-10).

Ocorre que o referido contrato também foi assinado por Georgia Baseggio Spilka (ID 45856781), além de constarem, em seu cabeçalho, os números de telefone de ambas ao lado do logotipo da empresa BS9 Marketing Digital, o que evidencia a vinculação de Georgia à execução dos serviços contratados.

Ora, se debitada a cártula por pessoa signatária do contrato de serviços, não há falar em prejuízo à rastreabilidade do recurso público e, via de consequência, em recolhimento da cifra tida por irregular ao erário.

A situação amolda-se como luva ao feito julgado pelo Des. Eleitoral Volnei dos Santos Coelho, em 07.8.2025. Na ocasião, restou superado o vício formal concernente ao não cruzamento de cheque, subsistindo tão somente o aspecto formal da falha, porquanto identificado o destinatário da ordem de pagamento, em feito que restou assim ementado:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATOS. DESAPROVAÇÃO. EMISSÃO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. PROVA DE PROPRIEDADE DE BEM LOCADO. AFASTADA A ORDEM DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.1. Recurso interposto por candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeita, nas Eleições de 2024, contra sentença que desaprovou as contas de campanha, em razão da emissão de cheques nominais não cruzados e ausência de prova de propriedade de bem locado, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.1. Determinar se a emissão de cheques nominais não cruzados justifica a desaprovação das contas e impõe o recolhimento ao erário. 2.2. Verificar se há prova idônea da legitimidade da locadora do bem imóvel utilizado na campanha. 2.3. Definir se subsiste a obrigação de recolher valores atualizados e acrescidos de juros, já que a ordem de recolhimento foi afastada. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. A emissão de cheques nominais não cruzados, embora contrarie formalidade prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, não justifica, por si só, o recolhimento de valores ao erário, quando demonstrada a regularidade das despesas e identificados os beneficiários, conforme precedentes do TSE. 3.2. A ausência de prova de propriedade de bem locado à campanha não invalida a legitimidade da locadora, quando amparada por documentação robusta e verossímil que comprova a posse do bem por sucessão hereditária. 3.3. Na hipótese, os elementos dos autos comprovam o gasto de campanha relativo à produção de jingle, bem como a identificação do beneficiário do pagamento do contrato de locação de bem imóvel. Admitido, na linha do entendimento do TSE e deste Tribunal, que seja afastada a ordem de recolhimento. 3.4. A sentença julgou que a locadora não é legitimada para firmar o contrato, porquanto não é a proprietária do imóvel e não foram apresentados documentos que a credenciassem para tanto. Contudo, a locadora se constituíra herdeira do bem, sem que houvesse encaminhado o inventário, tendo a sua posse, o que a legitima para ter firmado o contrato. 3.5. A determinação de recolhimento do equivalente à atualização monetária e juros moratórios devidos, referente a valor devolvido voluntariamente pelos prestadores em momento anterior à sentença, deve ser afastada, pois a ordem de recolhimento não mais subsiste com o provimento do presente recurso. Eventual restituição ou compensação do valor recolhido deve ser buscada em vias administrativas com a União, pois essa situação refoge da competência desta Justiça Especializada. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso parcialmente provido. Aprovação com ressalvas. Afastada a ordem de recolhimento, bem como a de pagamento de atualização monetária e juros. Teses de julgamento: “1. A emissão de cheques nominais não cruzados configura falha formal que não enseja recolhimento ao erário, quando demonstrada a regularidade da despesa e a identificação do beneficiário. 2. A posse derivada de sucessão hereditária, quando documentalmente verossímil, é suficiente para legitimar a locação de imóvel à campanha eleitoral. 3. Afastada a ordem de recolhimento, não subsiste obrigação de pagamento de atualização monetária e juros sobre valor recolhido espontaneamente, cabendo ao interessado pleitear eventual estorno em via própria.” Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23.607/19, arts. 38, inc. I, e 74, inc. II. Jurisprudência relevante citada: TSE, AgR-REspEl n. 0600203-46/2020, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJe 22.3.2023. TSE, REspEl n. 0602985-69, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe 16.8.2021. TRE-RS, PCE n. 0602152-12/RS, Rel. Des. Caetano Cuervo Lo Pumo, DJe 06.3.2024.

(TRE-RS REl 0600244-08/RS, Rel. Des. Eleitoral Volnei dos Santos Coelho, julgado em 07.08.2025, publicado em 18.08.2025 no DJE/TRE-RS, edição n. 151/2025)

 

A título de desfecho, na medida em que ventilada hipótese relativa aos parâmetros utilizados para mitigação do juízo de reprovação, não assiste razão à recorrente quanto ao ponto.

A recorrente aduz que a aferição da extensão da irregularidade teria por marco o valor do limite de gastos para a candidatura almejada.

Contudo, malgrado a tese recursal, esta Corte, em reiterada jurisprudência, firmou entendimento no sentido de balizar a valoração das irregularidades em R$ 1.064,10 ou 10% do total auferido em campanha para atenuar o juízo de desaprovação das contas (TRE-RS – REl n. 060049211, CANELA/RS, Relatora Des. Eleitoral Caroline Agostini Veiga, julgado em 06.6.2025, publicado no DJe n. 105, em 11.6.2025).

Com tal entendimento, encaminho voto no sentido de dar parcial provimento ao apelo para, afastando a determinação de recolhimento ao erário, na medida em que sanada irregularidade atinente à destinação da verba pública, aprovar as contas com ressalvas, pois persistente impropriedade formal relativa à emissão dos cheques em sua forma não cruzada, a qual não prejudicou a fiscalização da movimentação financeira de campanha.

 Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para aprovar as contas com ressalvas e afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

É o voto.