REl - 0600572-12.2024.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/09/2025 00:00 a 12/09/2025 23:59

VOTO

 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, Aline da Costa Viana teve suas contas de campanha julgadas desaprovadas, com a determinação de recolhimento de R$ 8.910,00 ao Tesouro Nacional, em razão de irregularidades na comprovação de gastos com serviços de militância e mobilização de rua e da extrapolação do limite de gastos com locação de veículos automotores (ID 45921407).

Passo ao exame discriminado de cada irregularidade reconhecida na sentença e das alegações recursais.

1. Das Contratações de Pessoal para Militância e Mobilização de Rua

A sentença considerou irregulares todas as contratações de pessoas físicas para atividades de militância, uma vez que não teriam sido observados os requisitos do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, porquanto, no entendimento da Magistrada da origem, a candidata “trouxe aos autos apenas um contrato genérico, sem comprovação da prestação do serviço por parte dos contratados”.

Em relação aos ajustes firmados com Luciano de Quadros Amaro (ID 45921371) e Caroline Rosângela Silva da Rosa Martins (ID 45921372), considero que os contratos estão íntegros e apresentam os elementos básicos exigidos pelo art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conforme entendimento deste Tribunal, tratando-se campanha para vereador em circunscrição de pequeno ou médio porte, afigura-se “desarrazoado exigir do trabalho da militância demonstrativo por ruas ou bairros”, sendo suficiente a indicação do Município (Recurso Eleitoral n. 060086510/RS, Relator: Des. Volnei Dos Santos Coelho, Acórdão de 25.7.2025, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 139, data 30.7.2025).

O valor pago aos prestadores de serviço, R$ 500,00 para Luciano e R$ 1.050,00 para Caroline, à razão de R$ 70,00 por dia de trabalho, em jornada diária de 8 horas, encontra-se dentro de um padrão médio vislumbrado nas contas eleitorais de 2024. Da mesma forma, os pagamentos estão comprovados por meio de seus nomes no extrato bancário da conta de campanha e ocorreram rigorosamente após a vigência da contratação.

Assim, julgo que devem ser consideradas regulares as despesas com militância realizadas com Luciano de Quadros Amaro e Caroline Rosângela Silva da Rosa Martins.

Diferentemente, o contrato assinado com Adelmo Lourenço Vieira de Medeiros, embora seguindo modelo semelhante aos firmados com Luciano e Caroline, apresenta cláusula atinente à jornada de trabalho bastante confusa, caracterizando uma relevante impropriedade quanto ao efetivo regime de trabalho cumprido pelo prestador (ID 45921368):

Soma a isso a circunstância de que, embora esteja estipulada a vigência da contratação entre 06.9.2024 e 05.10.2024, com valores pagos semanalmente, o cabo eleitoral recebeu o crédito de R$ 1.050,00 em 6.9.2024 (ID 45921368, fl. 5), por aparentes serviços executados antes do início da vigência do contrato.

O recibo de pagamento acostado sob o ID 45921398, informando a jornada de segunda a sexta-feira, do dia “19/08 a 04/10, com horário de 8h diárias”, corrobora a conclusão de que a execução das atividades e os pagamentos ocorreram de modo dissonante das previsões contratuais, prejudicando a atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral sobre a utilização de recursos públicos em campanha.

Portanto, a comprovação do gasto eleitoral está inquinada de inconsistências e lacunas que afastam a idoneidade dos documentos e indicam a irregularidade da despesa, por descumprimento dos arts. 35, § 12, e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Quanto às demais despesas com cabos eleitorais, o Juízo a quo valorou, além das falhas na comprovação dos gastos, a contratação de parentes da candidata para a prestação de serviços de campanha remunerados com verbas públicas.

De fato, é incontroverso que, conforme apontou a sentença, “a candidata contratou a sua mãe, SONIA MARTINS DA COSTA - ID 124887229 - e o seu filho, MURILO DA COSTA VIANA DOS SANTOS - ID 124887231 - efetuando o pagamento para ambos do valor de R$ 2.450,00 (dois mil, quatrocentos e cinquenta reais) oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha”.

Em suas razões, a recorrente defende que a contratação de familiares não é vedada pela legislação eleitoral, que os contratados atuaram de forma efetiva na coordenação de campanha e na militância, bem como que os documentos comprobatórios dos gastos são idôneos e atendem os ditames legais.

Com efeito, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a existência de parentesco, por si só, não torna ilícita a contratação de prestação de serviço em campanha eleitoral pago com recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Contudo, tais contratações devem ser analisadas com maior rigor em relação ao atendimento dos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, a fim de repelir qualquer desvio de finalidade ou locupletamento indevido no gasto eleitoral. Nessa linha, colaciono o seguinte julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATA. DEPUTADO ESTADUAL. CONTRATAÇÃO. PRESTADOR DE SERVIÇO. PERÍODO EXÍGUO. VALOR EXPRESSIVO. RECURSOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS DESPESAS COM RECURSOS PÚBLICOS. RAZOABILIDADE. ECONOMICIDADE. MORALIDADE. IMPESSOALIDADE. TRANSPARÊNCIA. INOBSERVÂNCIA. VERBETES SUMULARES 24 E 27 DO TSE. INCIDÊNCIA. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE.

[…].

10. Embora não haja vedação expressa à contratação de futuros parentes (ou até mesmo de parentes) para prestação de serviços de campanha, é necessário que haja razoabilidade em tal prática e que sejam observados os preceitos éticos e morais que devem nortear a conduta dos candidatos e dos partidos políticos, notadamente quanto ao uso de recursos públicos, evitando–se o favorecimento pessoal de qualquer natureza e o prejuízo à economicidade que pode decorrer de tais contratações. Nesse sentido, destaca–se que é dever do candidato ou do partido político garantir o bom uso dos recursos públicos, buscando obter o melhor resultado pelo menor custo possível, em atenção ao princípio da economicidade.

11. A contratação de parente do candidato – ou mesmo de pessoa que mantenha relação de noivado ou namoro com o candidato ou com parente do candidato – para a prestação de serviço na campanha enseja atenção da Justiça Eleitoral, dada a possibilidade de conflito de interesses e de desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos, com vistas a, eventualmente, favorecer financeiramente a pessoa contratada. Assim, tal contratação, caso seja realizada, deve observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade, assim como deve evidenciar elevado grau de transparência, a fim de que sejam, de forma satisfatória, demonstradas as peculiaridades da transação, as atividades efetivamente desenvolvidas e a compatibilidade dos custos com valores de mercado. Cumpre à Justiça Eleitoral atuar com maior rigor em tais situações.

[…].

Recurso especial eleitoral a que se nega provimento.

(TSE - REspEl: 060116394 CAMPO GRANDE - MS, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 29/09/2020, Data de Publicação: 27/10/2020) (Grifei.)

 

Nessa ordem de ideias, a Corte Superior Eleitoral enuncia critérios de avaliação da compatibilidade da contratação de parentes, em confronto com os princípios da transparência, da razoabilidade e da impessoalidade, asseverando que, para a configuração de irregularidade, é necessária a comprovação de:  “a) valores dissonantes às práticas comuns do mercado; b) ausência de tecnicidade suficiente à prestação do serviço contratado; c) fraude na contratação do serviço etc., todas condicionantes que evidenciam a má-fé, a intenção de lesar o patrimônio público, o privilégio na contratação” (TSE; AREspE n. 0601221-21.2018.6.22.0000/RO, Acórdão, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Relator designado Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE, Tomo 66, Data 13.4.2023).

Na hipótese concreta, o contrato firmado com Sônia Martins da Costa prevê “o exercício de atividades de militância e mobilização de rua”, “durante uma carga horária de 8 (OITO) horas, de segunda a sexta-feira”, ao preço diário de R$ 70,00 (ID 45921367, fls. 1-3). O contrato, porém, não está completo, não registra a data em que formalizado e não permite a compreensão exata sobre o seu período de vigência.

Os recibos de quitação assinados por Sônia registram que os trabalhos teriam ocorrido entre 9.9.2024 e 4.10.2024 (ID 45921367, fls. 8-12). Por outro lado, o recibo de pagamento produzido após a campanha aponta o período de “19/08 a 04/10” (ID 45921403). Desse modo, a lacuna do instrumento contratual não é solvida por meio dos demais documentos acostados.

De seu turno, o contrato entabulado com Murillo da Costa Viana dos Santos apresenta os mesmos termos que o anterior quanto ao objeto, jornada de trabalho e preço, porém, foi formalizado no dia 6.9.2024, estipulando sua vigência “a partir da assinatura deste instrumento e findando em 05 de outubro de 2024” (ID 45921369).

Ocorre que, tendo em conta a previsão de jornadas “de segunda a sexta-feira", é possível contabilizar um total de 21 dias de trabalho entre 06.9.2024 e 05.10.2024, resultando no valor de R$ 1.470,00 (R$ 70,00 x 21), ou seja, quantia muito abaixo daquela efetivamente paga ao filho da candidata.

Após o parecer conclusivo, a candidata buscou sanear a incongruência com um recibo de pagamento de prestação de serviços, em que é confirmado o exercício das atividades de segunda a sexta-feira, por 8 horas diárias, mas justificado o montante pago em razão de período maior de dias: “19.8 a 04.10” (ID 45921401).

Tal documento, contudo, revela-se incompatível com os termos contratuais, uma vez que declara a prestação de serviços em data anterior à própria assinatura do pacto e ao início da vigência do contrato, qual seja, 06.9.2024.

Além disso, constata-se que Luciano de Quadros Amaro e Carolina Rosângela Silva da Rosa Martins, contratados por meio de instrumentos idênticos quanto às cláusulas de objeto, carga horário, dias de trabalho e preço diário (IDs 45921371 e 45921372), auferiram valores substancialmente inferiores aos pagos à genitora e ao filho da candidata (R$ 500,00 para Luciano e R$ 1.050,00 para Caroline), confirmando a predileção ao pagamento de prol dos familiares.

Assim, julgo que os instrumentos contratuais e recibos de pagamentos acostados estão eivados de incongruências que lhes retiram a idoneidade e evidenciam um tratamento consideravelmente mais favorável aos familiares contratados em relação aos demais cabos eleitorais, sem qualquer justificativa razoável para tanto, configurando violação aos princípios da impessoalidade e da economicidade no manejo de recursos públicos.

Ainda que as razões recursais registrem que “os parentes contratados realizaram atuação de coordenação de campanha e militância durante todo o período de campanha”, as atividades especificadas no instrumento contratual são as mesmas expostas nos contratos dos demais prestadores de serviços, não havendo nenhuma espécie de prova sobre a suposta função de coordenação de campanha relativamente a qualquer contratado.

Portanto, o direcionamento do gasto aos parentes não tem justificativa baseada em especial qualificação dos contratados, em tecnicidade das tarefas ou no exercício de funções sensíveis a exigirem especial confiança, uma vez que, comum e ordinariamente, tais atividades de militância e mobilização de rua são prestadas independentemente de maiores predicações, conforme se verifica em diversas outras campanhas analisadas por este Tribunal.

No aspecto quantitativo, as contratações de parentes somaram R$ 4.900,00, ou seja, 40% do total recebido do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC (R$ 12.000,00) e 55% das despesas com atividades de militância (R$ 8.900,00).

Assim, houve o emprego de cifras nominais e percentuais bastante expressivas com os gastos em exame, que, de modo desproporcional, beneficiaram apenas dois parentes da candidata.

Os documentos e os esclarecimentos prestados pela candidata revelam diversas inconsistências acerca das contratações e não houve a efetiva comprovação dos serviços realizados, razão pela qual deve ser confirmada a irregularidade nas contratações de Adelmo, Sônia e Murillo, no somatório R$ 7.350,00, e o valor equivalente restituído ao Tesouro Nacional, conforme prevê o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Da Extrapolação do Gasto com Locação de Veículo

Ainda, a sentença reconheceu a extrapolação do limite de gastos com aluguel de veículos e determinou o recolhimento do valor excedido de R$ 10,00 ao Tesouro Nacional.

O tema encontra a sua regulamentação no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis: 

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

[...].

II - aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

 

É incontroverso que a candidata despendeu R$ 2.400,00 com locação do veículo com a fornecedora Sônia Martins da Costa, ultrapassando em R$ 10,00 o limite legal de 20% das despesas contratadas (R$ 11.950,00).

Observa-se que a Magistrada sentenciante não enfrentou o fato de que a locadora é, novamente, a mãe da candidata, na condição de pessoa física, de modo, não obstante os indícios de violação aos princípios da impessoalidade e da economicidade, a análise recursal abrange apenas, objetivamente, o excesso de gastos totais com a contratação, que ultrapassou o teto máximo previsto em lei.

Nas razões recursais, a recorrente limita-se a protestar pelo afastamento da irregularidade, tendo em conta a ínfima expressão monetária do excesso.

Contudo, a modicidade do valor não dá azo ao afastamento de irregularidade pontual, mas deve ser levada em conta no julgamento de mérito das contas, em avaliação conjunta com os demais apontamentos e suas repercussões globais sobre a regularidade e transparência das contas.

Considerando que foram empregados recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para o pagamento do aluguel de automóvel e tendo havido extrapolação do correspondente limite de gastos, resta configurada a aplicação irregular de verba pública, ainda que singela, ensejando o recolhimento da quantia excedida ao Tesouro Nacional, na forma estipulada no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Logo, deve ser mantida a sentença em relação ao ponto.

3. Do Julgamento das Contas

Estão afastadas apenas as falhas relacionadas às contratações de Luciano de Quadros Amaro e Caroline Rosângela Silva da Rosa Martins.

As demais irregularidades ora confirmadas alcançam a soma de R$ 7.360,00 (R$ 7.350,00 + R$ 10,00), representando 59% do total arrecadado pela recorrente (R$ 12.407,00) e inviabilizam a aprovação das contas com ressalvas por aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

 

 ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 7.360,00, mantido o juízo de desaprovação das contas.