REl - 0600427-49.2024.6.21.0054 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/10/2024 às 10:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

 

MÉRITO

No mérito, a questão cinge-se a verificar a ocorrência ou não da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. II, al. “l”, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[…]

l) os que, servidores públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades da administração direta ou indireta da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e dos territórios, inclusive das fundações mantidas pelo poder público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais; (Grifei.)

Conforme relatado, cuida-se de recurso interposto pela Coligação JUNTOS POR IBIRAPUITÃ [PP/PL/PDT] - IBIRAPUITÃ – RS em face da sentença prolatada pelo Juízo da 054ª Zona Eleitoral, que deferiu o pedido de registro de candidatura de MARINA CAROLINA MORAIS PAZ para concorrer nas Eleições de 2024 ao cargo de prefeita pela Coligação TRABALHO E HONESTIDADE COM A FORÇA DO POVO em Ibirapuitã.

Em suas razões, a recorrente sustenta que a recorrida promoveu sua desincompatibilização em 27.6.2024, mas que, após as convenções, retornou ao trabalho em 16.8.2024, tendo atuado na função de agente de saúde dentro dos meses de agosto e setembro de 2024. Acrescenta que, em 05.9.2024, houve novo pedido de desincompatibilização. Dessa forma, argumenta que a recorrida não cumpriu o prazo legal para desincompatibilização. Requer a reforma da decisão, com o indeferimento do registro de candidatura da recorrida.

Na sentença recorrida, o Juízo a quo assim consignou:

(…)

A candidata afastou-se das funções públicas em 27/6/2024, com deferimento em 1º/7/2024, cumprindo assim o prazo legal de três meses de desincompatibilização e, não tendo sido escolhida na convenção partidária, retomou a sua função pública.

O retorno, por óbvio, uma vez que não foi escolhida, é consequência lógica, de modo que, estão preenchidos os requisitos e documentos necessários para o registro da candidatura.

Ante o exposto, rejeito a impugnação e, com o parecer, DEFIRO o pedido de registro de candidatura de MARINA CAROLINA MORAIS PAZ, para concorrer ao cargo de Prefeito, sob o número 45, com a seguinte opção de nome: MARINA.

(Grifei.)

Razão assiste à recorrente.

Consta dos autos que a recorrida solicitou a desincompatibilização do cargo de agente comunitária de saúde para se candidatar ao cargo de prefeita de Ibirapuitã nas Eleições de 2024, mas que, em razão de não ter sido escolhida para concorrer na convenção partidária do PSDB, retomou às suas atividades de agente comunitária de saúde do Município de Ibirapuitã em 16.8.2024.

Ficou demonstrado, também, que, embora não tenha, inicialmente, sido escolhida para concorrer ao cargo de prefeita, porquanto o PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA - PSDB, ao qual está filiada, passou a integrar a Coligação TRABALHO E HONESTIDADE COM A FORÇA DO POVO, tendo indicado JOSÉ NICOLODI PROVENCI para a disputa do cargo de prefeito que, tendo este renunciado, foi substituído pela recorrida.

Contudo, embora a recorrida tenha formalmente se desincompatibilizado do cargo público dentro do prazo, não se desvinculou de fato de suas atividades durante todos os três meses de desincompatibilização exigidos na espécie.

Pois bem.

O agente público, em seu sentido amplo, para concorrer a cargo eletivo, deve se afastar, de fato, do cargo ou função no prazo de três meses antes do pleito, nos termos do art. 1.º, inc. II, al. l, da Lei Complementar n. 64/90, devendo, assim, obrigatoriamente, promover a sua desincompatibilização.

A ratio essendi do instituto da desincompatibilização é evitar ou, ao menos, mitigar o uso da máquina administrativa em benefício próprio por parte de candidatos. Com efeito, tal situação teria o condão de atentar contra os princípios norteadores da Administração Pública, prejudicando a igualdade de chances entre os concorrentes da competição eleitoral, afetando, inequivocamente, a integridade do processo eleitoral.

Não por outra razão que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica no sentido de que, para fins de desincompatibilização, é exigido, além do formal, o afastamento de fato do candidato de suas funções, conforme revelam os seguintes precedentes daquela Corte:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA REFORMAR O ACÓRDÃO DO TRE DE MATO GROSSO. INCIDÊNCIA DE CAUSA DE INELEGIBILIDADE POR FALTA DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. ALÍNEA L DO INCISO II DO ART. 1º. DA LC 64/90. OFICIAL DE JUSTIÇA. SERVIDOR PÚBLICO. NECESSIDADE DE REAL DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DE SUAS FUNÇÕES ATÉ 3 MESES ANTES DO PLEITO. AUSÊNCIA DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO, INCLUSIVE DE FATO, DENTRO DO PRAZO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS HÁBEIS PARA MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A pretensão do agravante de ter seu pedido de Registro de Candidatura deferido ao argumento de que a declaração firmada por Servidor com fé pública, atestando que tentou se desincompatibilizar dentro do prazo legal, superaria a alegada intempestividade da desincompatibilização não merece prosperar, pois o que se observa é que não houve desincompatibilização no prazo de até 3 meses antes do pleito, inclusive de fato, ex vi do art. 1º., II, lda LC 64/90. 2. No caso dos autos, vê-se que, além de o agravante não ter requerido o afastamento em tempo hábil, não ficou configurada nem mesmo a desincompatibilização de fato. A jurisprudência deste Tribunal é de que, para fins de desincompatibilização, é exigido o afastamento de fato do candidato de suas funções ( AgR-REspe 820-74/MG, Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJe 2.5.2013). 3. Conforme assinalado na decisão agravada, não se pode relativizar a norma que trata dos prazos de desincompatibilização, sob a alegação de ausência de má-fé por parte do candidato ou culpa de terceiros, uma vez que a desincompatibilização possui critério unicamente temporal. Ademais, o candidato poderia ter se utilizado de outros meios para promover seu tempestivo afastamento. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento. (TSE - RESPE: 19047 JACIARA - MT, Relator: NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 07/03/2017, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 68, Data 05/04/2017, Página 23)

“ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. CARGO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE. AFASTAMENTO DE FATO. INOCORRÊNCIA. REEXAME DOS FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. CONFORMIDADE DA DECISÃO RECORRIDA COM O ENTENDIMENTO DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO. 1. Para que se tenha por configurada a desincompatibilização, exige–se, além do afastamento formal, o afastamento de fato das funções públicas pelo pretenso candidato. Precedentes. 2. O processamento do recurso especial fundamentado em ofensa a lei e em ocorrência de dissídio fica obstado quando o acórdão recorrido encontra–se em harmonia com a jurisprudência desta Corte, tendo em conta o enunciado da Súmula nº 30/TSE. 3. A modificação das conclusões da Corte de origem – no sentido de que as provas juntadas demonstraram que a desincompatibilização do ora agravante ocorrera somente no plano jurídico, tendo havido a continuidade do exercício das atividades concernentes ao cargo de secretário municipal de saúde na condição de coordenador de logística aplicada ao desenvolvimento das ações de prevenção, triagem e tratamento de combate à COVID–19 –, a fim de acolher a alegação de que a designação para a supramencionada função de coordenador se dera na qualidade de servidor ocupante do cargo de auxiliar de serviços gerais, demandaria a reincursão no acervo fático–probatório dos autos, providência vedada em sede extraordinária, nos termos da Súmula nº 24/TSE. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (TSE - REspEl: 060008053 ENVIRA - AM, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 22/04/2021, Data de Publicação: 04/05/2021)

Nesse mesmo sentido, cito o seguinte precedente do TRE-MS:

“RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PLEITO MUNICIPAL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADA. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DE FATO E NÃO FORMAL. NÃO ESCOLHA EM CONVENÇÃO E, AO DEPOIS, REQUERIMENTO PARA REGISTRO. EXERCÍCIO NO CARGO PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO PROCEDENTE. REGISTRO INDEFERIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Em face da longa instrução do processo de registro de candidatura, em primeira instância, inclusive com realização de audiência e oitiva de testemunhas, justificado está o proferimento da sentença após a realização das eleições. Se o juízo concedeu prazo de cinco dias em comum, para apresentação de alegações finais, inclusive para se manifestarem sobre os referidos documentos, tendo as partes assim procedido, não subsiste, portanto, o alegado cerceamento de defesa. A apresentação de rol de testemunhas, em sede de registro de candidatura, deve ser feita com a contestação, ônus que lhe incumbia dentro do prazo de sete dias, segundo o art. 4.º da Lei Complementar n.º 64/1990, estando, portanto, preclusa a oportunidade para arrolamento de testemunhas e, consequentemente, de sua oitiva, sendo vedado a apresentação de testemunhas em audiência que não foram tempestivamente arroladas. O agente público, em seu sentido amplo, para concorrer a cargo eletivo, deve se afastar, de fato, do cargo ou função no prazo três meses antes do pleito, nos termos do art. 1.º, inciso II, alínea l, da Lei Complementar n.º 64/1990. Não tendo sido escolhida em convenção partidária para concorrer ao cargo de vereador e, assim, procedendo-se o retorno às atividades do cargo público, a escolha posterior do servidor público para candidatar-se, em vista de dissidência partidária, enseja a sua inelegibilidade já que exerceu as atividades de suas funções públicas no decorrer do período de desincompatibilização. O retorno da recorrente às suas atividades, vai de encontro a ratio essendi do instituto da desincompatibilização que tem como fim evitar, ou, ao menos, amainar que os pretensos candidatos valham-se da máquina administrativa em benefício próprio, circunstância que, simultaneamente, macularia os princípios da Administração Pública e vulneraria a igualdade de chances entre os players da competição eleitoral, bem como a higidez das eleições. Recurso desprovido. Sentença mantida. Registro indeferido com fundamento no art. 1.º, inciso II, alínea l, da Lei Complementar n.º 64/1990. (TRE-MS - RE: 00002901520166120033 JAPORÃ - MS 29015, Relator: LAUANE BRAZ ANDREKOWISK VOLPE CAMARGO, Data de Julgamento: 27/10/2016, Data de Publicação: PSESS-, data 27/10/2016)”

Apesar de concordar com o Magistrado a quo, no sentido de que a candidata estava de fato e de direito desincompatibilizada de suas funções públicas quando da ocorrência da convenção partidária e, não logrando êxito na indicação para concorrer ao cargo no Executivo Municipal, o retorno ao seu labor era uma consequência óbvio, peço vênia para discordar da conclusão que, ao se apresentar como candidata em substituição ao renunciante, estaria satisfeita a cláusula de desincompatibilização.

Dessa forma, a conclusão a que se chega é que, mesmo não tendo sido escolhida em convenção partidária para concorrer ao cargo de prefeito e, assim, tenha retornado às atividades do seu cargo público, o fato é que a escolha posterior da recorrida para candidatar-se, em razão da renúncia do candidato inicialmente escolhido, enseja a sua inelegibilidade, já que exerceu as atribuições inerentes ao seu cago público de origem no interstício reservado ao período de desincompatibilização, o que é vedado àqueles que pretendem participar de campanha eleitoral como candidatos.

Nesse contexto, ante a inobservância do disposto no art. 1º, inc. II, al. “l”, da Lei Complementar n. 64/90, deve ser reformada a sentença que deferiu o registro de candidatura da recorrida.

Ante o exposto, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso da Coligação JUNTOS POR IBIRAPUITÃ [PP/PL/PDT] - IBIRAPUITÃ – RS para indeferir o registro de candidatura de MARINA CAROLINA MORAIS PAZ.