REl - 0600385-08.2024.6.21.0116 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/10/2024 às 10:00

VOTO

A sentença combatida analisou as alegações lançadas na peça exordial e decidiu nos seguintes termos (ID 45738137):

No mérito, o direito de resposta é previsto na Lei Geral de Eleições para as hipóteses em que os candidatos, partidos e coligações sejam atingidos por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica.

Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

A definição do que venha a ser algo calunioso, difamatório, injurioso ou sabidamente inverídico sempre é permeada por percepções subjetivas na análise de um determinado discurso, razão pela qual, a fim de afastar-se das conclusões baseadas em sentimento meramente individualista, somente situações de incontestável ofensa ou deturpação da verdade podem justificar a concessão de direito de resposta.

Esse filtro de análise se justifica ainda mais quando se está diante de debate eleitoral, pois, ao se proporem à obtenção de cargo político por meio do voto popular, todos os candidatos se expõem publicamente a crítica e ao confronto, tanto por parte de seus opositores, quanto do próprio eleitor.

No caso em análise, não há como ver uma incontestável situação de homofobia no fato de o candidato representado ter se referido ao esposo da candidata da coligação autora como "primeiro-damo", pois não se verifica nessas afirmações conotação de um ataque direcionado à pessoa por conta de sua orientação sexual, notadamente com o propósito de discriminá-la ou ofendê-la.

As afirmações do candidato requerido acerca da vinculação entre o esposo da candidata da autora e a empresa CRVR, por sua vez, não contém nenhuma acusação objetiva e concreta da prática de crime. O candidato faz questionamentos sobre um possível "impedimento" que a prefeita deveria ter no trato com a aludida empresa pelo fato de o marido dela, supostamente, ter prestado serviços para a CRVR. Como foi dito, não há imputação objetiva e concreta da prática de crime, tratando-se de mera insinuação da ocorrência de irregularidade na situação abordada pelo candidato, o que é inerente à retórica do discurso político e não justifica o deferimento de direito de resposta.

Quanto à alegação de que o requerido teria mencionado que a candidata da coligação autora "está querendo implementar ideologias nazistas no Município de Minas do Leão", com a devida vênia, não há como extrair tal interpretação das falas que foram transcritas na petição inicial. Conforme se depreende dos trechos referidos pelos representantes, o candidato requerido disse que é uma prática nazista acusar outra pessoa de algo que ela própria é. Trata-se de uma crítica à conduta da autora enquanto candidata com adjetivação de algo "nazista", mas que nem de longe pode ser interpretado no sentido de que ela pretenderia ou já estaria implementando práticas dessa natureza enquanto prefeita.

Por fim, no que diz respeito à doação da empresa COMPASUL para a campanha eleitoral de 2012, não há como concluir que tal afirmação seja sabidamente inverídica. Veja-se que a própria parte autora admite que recebeu doação do "Diretório Municipal" que "poderá ter sido composta por diversas fontes de custeio" e que "eventual doação ao Diretório Municipal não caracteriza, automaticamente, uma doação para a campanha da representante Sílvia Lasek".

Neste panorama, o fato de tal doação não constar da prestação de contas da candidata no site do TSE não significa que ela não tenha existido, ainda que por meio do Diretório Municipal, como admite a própria representante, sendo que a exatidão dos valores doados não é questão que se caracterize como autorizadora de direito de resposta.

 

Tenho que a decisão encontra-se alinhada com a jurisprudência do TSE, que apenas autoriza a concessão do direito de resposta em situações excepcionais:

Eleições de 2018. Representação. Direito de resposta. Fato sabidamente inverídico. Inexistência. 1. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente. Viabiliza-se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação, situação não verificada na espécie. 2. A análise crítica sobre o pronunciamento de assessor econômico ligado à campanha de candidato a Presidente da República, com a indicação de eventuais consequências negativas das propostas apresentadas, não caracteriza fato sabidamente inverídico, tampouco ofensa de caráter pessoal, situando-se nos limites da crítica política admissível. 3. O plano de governo, embora documento relevante, não se presta a limitar o debate público acerca de manifestações de candidatos e integrantes da campanha eleitoral [...]"

(Ac. de 3.10.2018 na Rp nº 060149412, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)

 

[...] Propaganda eleitoral. Direito de resposta. Art. 58 da Lei das Eleições. Fato sabidamente inverídico. Não configuração. Precedentes. Manutenção da decisão recorrida [...] 1. Para a configuração do direito de resposta, é necessário que o fato atacado esteja revestido de injúria, calúnia, difamação inverdade ou erro. 2. Somente poderá ser outorgado direito de resposta quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação. 3. Não há falar em direito de resposta quando o fato atacado configurar controvérsia entre propostas de candidatos, restrita à esfera dos debates políticos, próprio do confronto ideológico [...]".

(Ac. de 25.9.2014 no R-Rp nº 124115, rel. Min. Admar Gonzaga.)

 

Nesse sentido, a crítica restrita à atuação política é admitida, sendo, inclusive, salutar ao debate político o esclarecimento prestado pelos candidatos ou partidos ao eleitor, desde que não transborde para a ofensa pessoal ou qualificada como inverdade patente.

Quanto ao ponto, trago a doutrina eleitoral de Rodrigo Lopez Zílio (2024 - p. 563):

Somente a afirmação que evidentemente se configura como inverídica é passível de direito de resposta, dado que a divergência de posicionamento acerca de fatos de interesse político-comunitário é essencial ao desenvolvimento do debate eleitoral. Daí que é incabível o direito de resposta quando assacada uma verdade escancarada, evidente, manifesta, e não quando o fato narrado admite contestação e abre espaço para uma discussão política.

 

Ademais, cumpre ressaltar que a tutela da honra de pessoas públicas ou que exerçam cargos públicos possui uma dimensão diferenciada em relação à pessoa comum. Nas palavras de José Jairo Gomes (2024 p. 503): "Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caraterizar crime, perdem esse matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. Assim, não são de estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos. Tudo isso insere-se na dialética democrática".

Em reforço, transcrevo excerto do parecer do Procurador Regional Eleitoral, Dr. Cláudio Dutra Fontella, que apreciou a situação com precisão:

O uso da expressão “primeiro-damo”, ainda que inadequada, não enseja a concessão de direito de resposta. Como se sabe, a companheira do chefe do Executivo é referida costumeiramente como “primeira-dama”, mas a versão masculina, “primeiro-cavalheiro”, é completamente inusual. Então, ao se comunicar com seu público, é possível supor que o candidato adaptou o termo para se fazer compreendido, embora, repita-se, inadequadamente. Contudo, nesse contexto, não se observa gravidade suficiente para enquadrar o fato como uma ofensa homofóbica.

Quanto à vinculação entre o esposo da candidata e a empresa CRVR, a própria recorrente admite na inicial que “o Sr. José Eron Lucas Nunes trabalhou para a empresa MERCOSERVICE PARTICIPAÇÕES LTDA, CNPJ 05.432.268/0001-16, que executou algumas obras para diversas empresas da nossa região, inclusive desenvolvendo alguns serviços de engenharia para a companhia CRVR, que não eram de natureza continua (terceirização) e foram executados antes do período das eleições de 2020.” Assim, em homenagem à liberdade de expressão, é lícito ao candidato tecer comentários éticos sobre o fato e suas eventuais repercussões, sem realizar a imputação de crimes.

Por derradeiro, quanto ao suposto recebimento de doação de uma determinada empresa na campanha de 2012, inexiste divulgação de fato sabidamente inverídico. Como salientou o Juízo de primeiro grau, “a própria parte autora admite que recebeu doação do ‘Diretório Municipal’ que ‘poderá ter sido composta por diversas fontes de custeio’”. Isso possibilita o debate sobre o tema, o que, por si só, afasta a alegação de de fato sabidamente inverídico, o qual “é aquele que não demanda investigação, ou seja, perceptível de plano” (TSE. AgR-AREspE nº 060040043, Relator Min. Raul Araujo Filho, publicado em 28/08/2023).

Dessa forma, não deve prosperar a irresignação.

Assim, porque as afirmações não se enquadram como sabidamente inverídicas, ensejadoras da concessão do direito de resposta, deve ser mantida a sentença de improcedência.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.