REl - 0600094-69.2024.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/10/2024 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo, visto que a sentença foi publicada no Mural Eletrônico da Justiça Eleitoral em 11.9.2024, e o recurso foi interposto 13.9.2024.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do apelo e passo a analisar o seu mérito.

 

MÉRITO

Conforme relatado, o caso em tela versa sobre recurso eleitoral em face da improcedência da AIRC manejada contra JORGE LUIZ AGAZZI para reconhecimento da inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90.

As razões elencadas pela coligação recorrente considera que o ora recorrido exerceu o mandato de Prefeito de Mato Castelhano no período 2013-2020 e, apesar de ter recebido vários apontamentos do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) neste período, ano após ano manteve o crescente desequilíbrio das contas públicas do Município, com débitos que variavam de aproximadamente R$ 450.000,00 a R$ 1.000.000,00, culminando, em 2017, na emissão de parecer do TCE-RS pela desaprovação das contas, o que foi acolhido pelo Poder Legislativo, órgão responsável pelo julgamento, por descumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF.

Foi apresentado parecer do TCE-RS que apontava sistêmica insuficiência financeira na gestão municipal e a necessidade de adoção de medidas para retomada do equilíbrio financeiro e adequação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Destaco excerto do voto de parecer desfavorável do TCE-RS relativamente às contas de governo de 2017:

PARECER DESFAVORÁVEL.

Irregularidade constatada relativa à insuficiência financeira em contrariedade ao disposto no §1º do art.1º da Lei Complementar Federal n.º 101/2000, cuja evolução ao longo do mandato e montante enseja avaliação desfavorável das contas de Governo.

(...)

“Diante do exposto, entendo o fato como grave, uma vez que a insuficiência financeira no exercício de 2017 foi superior em 163,13% à constatada no fim do exercício de 2016 e em 393,83% à constatada no fim do exercício de 2012, sendo que em nenhum exercício do mandato do Gestor houve redução, pelo que entendo incontornável a manutenção do aponte face ao não atendimento à Lei de Responsabilidade Fiscal e a determinação de que sejam adotadas as medidas necessárias para o retorno ao equilíbrio financeiro por parte do Município nos próximos exercícios.”

(...)

Após, o processo foi encaminhado ao Poder Legislativo de Mato Castelhano, que julgou pela aprovação do Parecer do TCE, desaprovando as contas de governo do recorrido com a edição Decreto Legislativo 04/2020 (ID 45727169), assinado pela Presidente da Câmara de Vereadores do Município, em conformidade com o art. 108, § 2º, do seu Regimento Interno.

Nos termos do art. 71, inc. I, da Constituição Federal, diferentemente das contas de gestão, as contas de governo visam demonstrar o cumprimento do orçamento e dos planos da administração, referindo-se, portanto, à atuação do chefe do Executivo como agente político, e são julgadas pelas Câmaras Municipais após parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas.

A sentença que considerou improcedente a AIRC, fundamentou suas razões de decidir na inexistência de imputação de débito, nem multa; embora tenha reprovado as contas de 2017, além da inexistência de reconhecimento de ato ímprobo doloso em decisão judicial definitiva sobre o tema. Destaco o trecho do julgado:

“Entretanto, a Corte de Contas não imputou a prática de ato de improbidade, nem há condenação do impugnado por débitos na gestão (contas da gestão). Como apontou o Ministério Público Eleitoral, que “É importante destacar que, apesar da competência da Justiça Eleitoral (...), em especial se constitui ou não ato doloso que configure improbidade administrativa, a Corte de Contas não reconheceu expressamente tal circunstância. Da mesma forma, não restou totalmente evidenciado o dolo específico do gestor, não sendo aceito o dolo genérico para configurar a inelegibilidade por rejeição de contas. Nesse sentido é o julgamento proferido no ROEl nº 0601046-26/PE – j. 10.11.2022 – PSESS”

Dessa forma, o § 4o-A, art. 1o, da LC no 64/90 afasta a aplicação da inelegibilidade aos “responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa”. Então, serem as contas julgadas irregulares, como as do impugnado, não implica inelegibilidade, ao não ter havido imputação de débito ou, ainda que sancionado o gestor “responsável”, se esta condenação fosse exclusivamente com multa. Aliás, o conectivo e na cláusula legal indica que o afastamento da inelegibilidade decorre da presenta daqueles requisitos. (Gomes, José Jairo. Direito eleitoral / José Jairo Gomes. - 20. ed., rev., atual. e reform. - [2. Reimp.] - Barueri [SP]: Atlas, 2024. pg. 224).

Diferentemente da conclusão do Magistrado a quo que reconheceu a excludente do § 4o-A, art. 1º, da LC n. 64/90 (a inelegibilidade prevista na al. “g” do inc. I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa), o Tribunal Superior Eleitoral elucidou a matéria, dando interpretação conforme a Constituição Federal ao § 4º-A do art. 1º da LC n. 64/90, a fim de que a regra incida apenas nas hipóteses de julgamento de gestores públicos pelos tribunais de contas, visto que o Poder Legislativo, ao julgar as contas do Executivo limita-se a decidir por sua aprovação, aprovação com ressalvas ou rejeição, não se prevendo qualquer espécie de penalidade. Esse é o entendimento do julgado que trago à destaque:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90.

1. Recurso ordinário interposto contra acórdão do TRE/SP em que se deferiu o registro do ora recorrido, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual de São Paulo nas Eleições 2022 (obteve 6.990 votos), afastando-se a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90 (rejeição de contas públicas), em decorrência da regra do § 4º-A do mesmo dispositivo legal.

INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DO § 4º-A DO ART. 1º DA LC 64/90. APLICAÇÃO APENAS NAS HIPÓTESES DE JULGAMENTO POR TRIBUNAIS DE CONTAS. MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROTEÇÃO. ADEQUADA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO.

2. Consoante o art. 1º, inciso I, alínea g, da LC 64/90, são inelegíveis "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes [...]".

3. De acordo com o art. 1º, § 4º-A, da LC 64/90, incluído pela LC 184/2021, "[a] inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa".

4. A Constituição brasileira prevê sistema de controle externo em que a fiscalização dos gestores públicos é exercida por dois órgãos autônomos - Poder Legislativo e Tribunais de Contas - com distintas competências estabelecidas no próprio texto constitucional (arts. 49, IX, 70 e 71 da CF/88).

5. Nas hipóteses em que o Tribunal de Contas da União é competente para julgar as contas (art. 71, II, da CF/88), há previsão constitucional expressa de imposição de multa e de imputação de débito (art. 71, VIII e § 3º, da CF/88), o que também se aplica ao julgamento pelas demais Cortes de Contas. Por sua vez, o Poder Legislativo, ao julgar contas anuais de chefe do Executivo - e, no caso de prefeitos, também as contas de exercício - limita-se a decidir por sua aprovação, aprovação com ressalvas ou rejeição, não se prevendo qualquer espécie de penalidade.

6. Impõe-se conferir interpretação conforme a Constituição ao § 4º-A do art. 1º da LC 64/90 a fim de que essa regra incida apenas nas hipóteses de julgamento de gestores públicos pelos tribunais de contas. Não se afigura razoável que o dispositivo seja aplicado de modo absolutamente incompatível com a proteção dos valores da probidade administrativa e da moralidade para exercício de mandato, especialmente destacados no art. 14, § 9º, da CF/88, o que ocorreria caso os chefes do Poder Executivo fossem excluídos de forma automática da incidência dessa causa de inelegibilidade, já que no julgamento de suas contas anuais e de exercício não há imputação de débito ou imposição de multa.

CASO DOS AUTOS. CONTAS DE PREFEITO. JULGAMENTO PELA CÂMARA MUNICIPAL. § 4º-A DO ART. 1º DA LC 64/90. INAPLICABILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIOS FINANCEIROS DE 2018 E 2019. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE. CARACTERIZAÇÃO. INELEGIBILIDADE CONFIGURADA.

7. Na linha do que decidiu esta Corte em recentíssimo julgado, "a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa passou a exigir o dolo específico para a configuração do ato de improbidade administrativa", o que se aplica à causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC 64/90 (RO 0601046-26/PE, redator para acórdão Min. Ricardo Lewandowski, publicado em sessão em 10/11/2022).

8. Na espécie, é incontroverso que o recorrido, na qualidade de Prefeito de Rio Claro/SP, teve contas públicas relativas aos exercícios de 2018 e 2019 rejeitadas pelo Poder Legislativo do município.

9. As contas do exercício de 2018 foram rejeitadas por meio do Decreto Legislativo nº 640, de 8/9/2021 em decorrência da falta de recolhimento de obrigações previdenciárias. As contas de 2019, por sua vez, foram desaprovadas por meio do Decreto Legislativo nº 662, de 29/6/2022, tendo em vista, entre outras irregularidades, déficit de execução orçamentária, elevação do endividamento e falta de pagamento de encargos previdenciários.

10. Assume particular gravidade o déficit de execução orçamentária, tendo em vista o expressivo valor da irregularidade, superior a quatorze milhões de reais, bem como a circunstância apontada no parecer prévio do TCE/SP de que "o resultado orçamentário deficitário contribuiu para a elevação do déficit financeiro do exercício anterior, que passou a ser de R$ 53.051.868,31 (cinquenta e três milhões e cinquenta e um mil oitocentos e sessenta e oito reais e trinta e um centavos) em 2019".

11. A presença de dolo específico do gestor público é patente no caso, pois se registrou no parecer prévio que "o Município foi alertado tempestivamente, por sete vezes, sobre desajustes em sua execução orçamentária e que o interessado não apresentou justificativas em relação aos apontamentos efetuados".

12. Da mesma forma, constitui falha insanável que configura ato doloso de improbidade a reiterada falta de recolhimento de encargos sociais ao regime de previdência do município. Em 2018, identificou-se não terem sido recolhidas as contribuições patronais no valor total de R$ 14.191.299,08 e a ausência de aporte para cobertura do déficit atuarial no montante de R$ 12.888.310,51. Já em 2019, a irregularidade atingiu o elevado importe de R$ 65.019.530,29.

13. Impõe-se reconhecer o dolo específico do gestor também neste ponto, considerando-se a reiteração e o agravamento das condutas do exercício de 2018 para o de 2019 e, ainda, o fato de não terem sido realizados nem mesmo o pagamento de todas as parcelas vencidas no exercício em relação a dois acordos judiciais de parcelamento com o RPPS e o parcelamento junto ao FGTS. CONCLUSÃO. PROVIMENTO DO RECURSO. INDEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA.

14. Recurso ordinário a que se dá provimento para indeferir o registro de candidatura do recorrido ao cargo de deputado estadual de São Paulo nas Eleições 2022. (Recurso Ordinário Eleitoral n. 060259789, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 13/12/2022.) (Grifei.)

Conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, cabe à Justiça Eleitoral apreciar os atos do gestor público para os fins de enquadrá-los, ou não, como irregularidades insanáveis que denotem improbidade administrativa:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. INDEFERIMENTO. CONTAS JULGADAS IRREGULARES. TRIBUNAL DE CONTAS. VERBAS ENTE ESTADUAL. COMPETÊNCIA DA CORTE DE CONTAS. INCIDÊNCIA DA INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. APLICAÇÃO DE MULTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONSIDERADOS PROTELATÓRIOS. ACÓRDÃO REGIONAL INTEGRALMENTE MANTIDO. DESPROVIMENTO. SÍNTESE DO CASO

(...)

5. A orientação desta Corte Superior é no sentido de que, tendo sido rejeitadas as contas públicas, compete à Justiça Eleitoral enquadrar como insanável ou não a irregularidade reconhecida em decisão irrecorrível do órgão competente, assim como verificar se a falha decorre de ato doloso de improbidade administrativa, não lhe competindo, porém, analisar o acerto ou o desacerto da decisão. Nesse sentido: AgR-REspe 82-51, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 5.4.2017, AgR-REspe 136-07, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 30.6.2017, e RO 725-69, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 27.3.2015.

6. Este Tribunal consolidou o entendimento de que, para a análise acerca da existência de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, não é necessário que a decisão do órgão competente que rejeitou as contas públicas tenha assentado expressamente a presença de tais requisitos.

(…)

(Recurso Especial Eleitoral nº060024984, Acórdão, Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26/03/2021)

A hipótese de inelegibilidade relativamente à rejeição de contas públicas está assentada expressamente no art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;       (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)     (Vide Lei Complementar nº 184, de 2021)

De acordo com a norma restritiva, exige-se o preenchimento de três condições para a caracterização da inelegibilidade da al. “g”: a) ter suas contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente; b) a rejeição deve se dar por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; c) inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule os efeitos da rejeição.

Tal inelegibilidade tem a finalidade de proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício do mandato, tal como estabelecido pelo art. 14, § 9º, da CF, impede o acesso ao cargo eletivo daqueles que praticaram ato doloso de improbidade administrativa, reconhecido em decisão definitiva de rejeição das suas contas como gestor público.

Ao entendimento do TSE, ainda, cabe à esta Justiça Especializada a análise de enquadrar como insanável ou não a irregularidade reconhecida em decisão irrecorrível do órgão competente (no caso, o Poder Legislativo Municipal), assim como verificar se a falha decorre de ato doloso de improbidade administrativa; não lhe competindo, porém, analisar o acerto ou o desacerto de tal decisão que rejeitou as contas públicas.

O STF, no julgamento do Tema n. 835, definiu que, “Para os fins do art. 1º, inc. I, al. "g", da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar n. 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores.” (STF. Plenário. RE 848826/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10/8/2016 (repercussão geral) (Info 834)).

E quando do julgamento do Tema n. 157, por sua vez, o STF fixou a tese de que “O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo.”

Portanto, como já citado em parágrafo anterior, deve ser analisado se estão presentes no caso as condições de caracterização da inelegibilidade da al. “g”.

Quanto ao primeiro requisito, no caso em tela há decisão irrecorrível, dado que o Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Mato Castelhano não prevê recurso após o julgamento das contas de governo do Executivo Municipal. Ainda, não há notícia de qualquer decisão que discuta o decreto legislativo que rejeitou as contas, o que preenche o terceiro requisito elencado (inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule os efeitos da rejeição).

Resta, então, analisar a existência da segunda condição: verificar se a irregularidade configura ato doloso de improbidade administrativa.

Especificamente em relação ao ato doloso de improbidade, a Lei n. 14.230/21 alterou o panorama de incidência da inelegibilidade por desaprovação de contas públicas, passando a ser exigido o dolo específico, em superação ao dolo genérico (RO n. 0601046–26/PE, redator para o acórdão o Ministro Ricardo Lewandowski, PSESS em 10.11.2022).

Assim, em relação à conduta que ensejou a impugnação (insuficiência financeira no exercício de 2017, superior em 163,13% à constatada no fim do exercício de 2016 e em 393,83% à constatada no fim do exercício de 2012, sendo que em nenhum exercício do mandato do Gestor houve redução, com apontamento de não atendimento à Lei de Responsabilidade Fiscal e a determinação de que sejam adotadas as medidas necessárias para o retorno ao equilíbrio financeiro por parte do Município nos próximos exercícios), terá de ser analisada a presença do elemento subjetivo (dolo específico) para o enquadramento na inelegibilidade.

Sobre o tema, este Tribunal ainda não examinou de forma definitiva, caso sob a vigência da Lei 14.230/21, pendendo o julgamento quanto ao mérito do REl 0600037-03.2024.6.21.0047, de relatoria da Excelentíssima Desembargadora Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, que declarou a nulidade da sentença e determinou a baixa dos autos à origem a fim de que impugnante e impugnado, sucessivamente, sejam intimados do prazo de 3 (três) dias para manifestação quanto ao processo n. 002855-0200/15-0 do TCE-RS, nos termos do art. 36, § 2º, da Resolução TSE n. 23.609/19.

Na hipótese destes autos, houve reprovação das contas tanto pelo Tribunal de Contas do Estado quanto pelo Legislativo Municipal. Resta analisar o dolo na conduta do prefeito que teve suas contas rejeitadas.

Tenho que o dolo específico de improbidade administrativa está claramente evidenciado no reiterado desequilíbrio financeiro das contas municipais, a partir dos recorrentes avisos dos órgãos fiscalizadores ao gestor, que, sem justificativa razoável, manteve a conduta inadequada, a gerar graves consequências para o município. Vejamos, com mais detalhes o trecho do apontamento (Relatório e voto do TCE-RS – ID 45727162):

Conforme observado, ao compararmos a insuficiência financeira do exercício de 2012, decorrente de Restos a Pagar Processados (R$ 223.328,84), recebida pelo Gestor no início de seu primeiro mandato em 2013, com a de 2017 (R$ 1.102.872,43), primeiro ano de seu segundo mandato, resta evidente o aumento da insuficiência em R$ 879.543,59, estando configurados os reiterados e sucessivos aumentos desta insuficiência, bem como a falta de planejamento a fim de prevenir riscos e corrigir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.

Diante do exposto, entendo o fato como grave, uma vez que a insuficiência financeira no exercício de 2017 foi superior em 163,13% à constatada no fim do exercício de 2016 e em 393,83% à constatada no fim do exercício de 2012, sendo que em nenhum exercício do mandato do Gestor houve redução, pelo que entendo incontornável a manutenção do aponte face ao não atendimento à Lei de Responsabilidade Fiscal e a determinação de que sejam adotadas as medidas necessárias para o retorno ao equilíbrio financeiro por parte do Município nos próximos exercícios.

No caso em apreço, o recorrente fez prova de que ainda no ano de 2013 JORGE LUIZ AGAZZI foi avisado que a insuficiência financeira atingira R$ 268.057,31, representando um quadro já de desequilíbrio financeiro. Também foi igualmente avisado em 2015 e 2016, até que a insuficiência financeira alcançou mais de um milhão de reais em 2017. (ID 45727162, p. 8)

Observa-se que a presença de dolo específico do gestor público é patente no caso em análise, pois, de acordo com a Corte de Contas, foram “configurados os reiterados e sucessivos aumentos desta insuficiência, bem como a falta de planejamento a fim de prevenir riscos e corrigir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas".

Da mesma forma, constitui falha insanável que configura ato doloso de improbidade a manutenção do aponte face ao não atendimento à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Desse modo, na esteira do parecer da diligente Procuradoria Regional Eleitoral, não há dúvidas de que o recorrido, então prefeito, praticou ato doloso de improbidade administrativa e incidiu na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90. razão pela qual deve ser dado provimento ao recurso para reformar a sentença do Magistrado a quo, julgando PROCEDENTE a Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura ao efeito de INDEFERIR o registro de candidatura de JORGE LUIZ AGAZZI para concorrer ao cargo de prefeito pela Coligação MUDAR PARA SERVIR A TODOS, no Município de Mato Castelhano/RS.

Ante o exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso da COLIGAÇÃO JUNTOS PARA CRESCER, julgando PROCEDENTE a Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura, ao efeito de INDEFERIR o registro de candidatura de JORGE LUIZ AGAZZI para concorrer ao cargo de prefeito pela Coligação MUDAR PARA SERVIR A TODOS, no Município de Mato Castelhano/RS, nas Eleições Municipais de 2024.