REl - 0600088-02.2024.6.21.0148 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é adequado e tempestivo. Atende os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço e passo a analisá-lo.

 

MÉRITO

No mérito, o partido recorrente sustenta a necessidade do afastamento do candidato da Presidência da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Cruzaltense (ACISC), para concorrer ao cargo de Vice-Prefeito pela Coligação “Coragem Para Mudar", integrada pela Federação PSDB/CIDADANIA e pelo Partido PODEMOS, pois a entidade recebe recursos do Poder Púbico Municipal.

A controvérsia cinge-se quanto à necessidade de afastamento de ocupantes de cargo em entidade representativa de classe, com hipótese prevista no artigo art. 1º, inc. II, al. “g”, do mesmo artigo, da Lei Complementar n. 64/90, aplicável às eleições para Prefeito e Vice-Prefeito, por força do art. 1º, inc. IV, a, da mesma lei. Vejamos:

Art. 1º São inelegíveis: (...)

II - para Presidente e Vice-Presidente da República: (…)

g) os que tenham, dentro dos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, ocupado cargo ou função de direção, administração ou representação em entidades representativas de classe, mantidas, total ou parcialmente, por contribuições impostas pelo poder Público ou com recursos arrecadados e repassados pela Previdência Social;

Restou incontroverso que a Associação Comercial, Industrial e Serviços de Cruzaltense (ACISC) é entidade representativa de classe e que o recorrido exercera o cargo de presidente da associação, alegando ter solicitado seu afastamento das funções na data de 02.4.2024.

No caso concreto, a hipótese de incidência da regra de desincompatibilização foi afastada na sentença pela Magistrada a quo, ao entendimento de que a referida associação possui natureza jurídica de direito privado e, ainda que receba recursos públicos, o candidato não está obrigado a se afastar do cargo que ocupa para concorrer a cargo eletivo nas eleições.

Transcrevo trecho da bem fundamentada sentença de ID 45693405:

(…) A associação em comento não possui qualquer vínculo com a administração pública, vez que não a integra, diferentemente do que ocorre com as agências reguladoras, serviços sociais, tais como SENAI, SENAC, SESC entre outros, que integram a administração pública indireta, verdadeiras entidades de classe, criadas por lei específica para desenvolverem atividades típicas do Estado, colaborando no desempenho de atividades de interesse público e social.

Quanto à ACISC, pelo que se depreende de seu estatuto, não desenvolve qualquer atividade típica de Estado, nem mesmo colabora com o desempenho de atividades de interesse público ou social. Sua criação está voltada aos interesses empresariais dos associados, visando, assim, interesses eminentemente privados, conforme descreve o artigo 3º, de seu Estatuto (evento 31).

No que tange à alegação de receber, a referida associação, recursos públicos, tal fato não retira dela a natureza jurídica de direito privado, como também não a vincula à administração pública, frisa-se no sentido administrativo.

Nesse sentido é a jurisprudência:

“Eleições 2020 [...] Desincompatibilização. Diretor de entidade privada que recebe recursos públicos. Desnecessidade. Interpretação restritiva da norma. Precedente. [...] 3. Este Tribunal Superior decidiu, inclusive para o pleito de 2020, que a desincompatibilização prevista no art. 1º, II, a , 9, da LC nº 64/1990 não alberga a hipótese de dirigentes de entidades de direito privado que não integram a Administração Pública, ainda que recebam recursos públicos, hipótese dos autos. Precedentes. 4. No caso, não deve ser exigida, tal como feito pela Corte regional, a desincompatibilização do candidato recorrente, conforme a jurisprudência firmada no âmbito deste Tribunal. [...]” (Ac. de 18.12.2020, no REspEI nº 060055328, rel. Min. Mauro Campbell Marques.).

“Eleições 2016 [...] Registro. Vereador. Desincompatibilização. Art. 1º, II, a, 9, da Lei Complementar 64/90. Dirigente de entidade privada. Desnecessidade [...] 3. Dirigente de associação privada não está sujeito à desincompatibilização prevista no art. 1º, II, a, 9, da LC 64/90, ainda que a entidade receba subvenções públicas. Referido dispositivo legal engloba apenas presidentes, diretores e superintendentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas e fundações mantidas pelo poder público, que fazem parte da administração indireta. [...]”(Ac. de 19.12.2016, no AgR-REspe nº 19983, rel. Min. Henrique Neves da Silva.).

“Eleições 2020 [...] 2. Dirigente da APAE não está obrigado à desincompatibilização prevista no art. 1º, II, a, 9, da LC 64/1990, por se tratar de entidade privada, que não integra a Administração Pública Federal. […]” (Ac. de 14.12.2020, no AgR-REspEI nº 060023893, rel. Min. Alexandre de Moraes.).

A sentença não merece reparos.

De fato, a jurisprudência entende que dirigente de associação privada não está sujeito a prazo de desincompatibilização para concorrer em eleição, ainda que a entidade receba recursos públicos, salvo se tais recursos forem oriundos de contribuições impostas pelo Poder Público ou de recursos arrecadados ou repassados pela Previdência Social. Em igual sentido ao decidido pela Magistrada a quo sentido, destaco recente julgado do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, que neste pleito, mantém tal entendimento, In verbis:

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. INELEGIBILIDADE. ELEIÇÕES 2024. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. ASSOCIAÇÃO PRIVADA SEM FINS LUCRATIVOS. RECURSOS PÚBLICOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso eleitoral interposto contra a sentença que deferiu registro de candidatura ao cargo de vice–prefeito, julgando improcedente a impugnação baseada em alegada causa de inelegibilidade por ausência de desincompatibilização. A recorrente sustenta que o candidato, enquanto presidente da Associação Comercial e Empresarial de Clevelândia (ACEC), não se afastou a tempo, conforme exigido pelo art. 1º, II, g da LC 64/90, devido ao recebimento de recursos públicos pela associação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) apurar se ocupante de cargo de direção em associação comercial deve se desincompatibilizar para concorrer ao pleito (ii) determinar se a natureza dos repasses públicos recebidos pela associação comercial e empresarial exige a desincompatibilização do candidato. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O art. 1º, II, g, da LC 64/90 aplica–se apenas a dirigentes de entidades de classe mantidas por contribuições impostas pelo Poder Público ou recursos arrecadados e repassados pela Previdência Social, o que não foi comprovado no caso da ACEC, entidade mantida principalmente por contribuições de associados. 4. O mero recebimento de repasses públicos não configura, por si só, a necessidade de desincompatibilização de dirigentes de associações privadas sem fins lucrativos, conforme jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 5. Conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, dirigente de associação privada não está sujeito à desincompatibilização prevista no art. 1º, II, a, 9, da LC 64/90, ainda que a entidade receba subvenções públicas. Referido dispositivo legal engloba apenas presidentes, diretores e superintendentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas e fundações mantidas pelo poder público, que fazem parte da administração indireta. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. Não é exigida a desincompatibilização de dirigente de associação privada sem fins lucrativos, ainda que a entidade receba repasses públicos, nos termos do art. 1º, II, g, da LC 64/90, salvo comprovação de que a entidade é mantida com contribuições impostas pelo Poder Público ou recursos arrecadados e repassados pela Previdência Social.

Dispositivos relevantes citados: LC 64/1990, art. 1º, II, g. Jurisprudência relevante citada: TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 060062698, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 10.12.2020; TSE, Agravo Regimental no REspe nº 060015076, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 26.04.2021. (TRE-PR - REl: 06000746820246160047 CLEVELÂNDIA - PR 060007468, Relator: Desa. Claudia Cristina Cristofani, Data de Julgamento: 18/09/2024, Data de Publicação: PSESS-628, data 19/09/2024). Grifei.

Registro que o dispositivo da Lei de Inelegibilidades (al. "a", item 9, do inc. II, do art. 1º da Lei Complementar n. 64/90) que trata da necessidade de desincompatibilização de dirigentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas e “as mantidas pelo Poder Público”, não atinge cargos em associações filantrópicas privadas, mesmo as mantidas com recursos públicos, com a ressalva já citada.

Com efeito, não é possível uma interpretação extensiva a um dispositivo legal, que acabe limitando o exercício dos direitos políticos de quem deseja disputar uma eleição.

Ademais, como muito bem destacado pela diligente Procuradoria Regional Eleitoral, em que pese os argumentos do recorrente, a fundamentação da sentença descarta a hipótese legal de inelegibilidade e, considerando que não mais existe o caráter compulsório das contribuições às entidades de classe, não há que se falar em violação à LC n. 64/90:

Os incentivos pagos pelo município à associação da qual o recorrido foi presidente não configuram “contribuições impostas pelo poder Público”. São repasses voluntários, eventuais, e não contribuições de intervenção no domínio econômico ou qualquer outra espécie de contribuição de natureza compulsória imposta pelo Poder Público. Ainda que em 2024 os valores recebidos do Município tenham sido as únicas receitas, o que não está suficientemente provado, disso não resultaria o provimento do recurso pois não se pode dar limitação extensiva à disposição que restringe direitos políticos. O recorrente sustenta sua tese na “grande relevância” do “fato de ser a associação mantida por verbas públicas” e que “não há simples destinação de verbas, mas os extratos de contas evidencia (sic) que são estes valores os únicos recebidos pela associação no corrente ano de 2024”. Não atentou, contudo, à fundamentação da sentença nem à hipótese legal de inelegibilidade, que exige que a entidade privada seja mantida com “contribuições impostas pelo Poder Público”. Para sustentar sua tese, traz julgados dessa Corte Regional relativos a sindicatos de época em que eram mantidos com as contribuições sindicais enquanto espécie de “contribuições impostas pelo Poder Público”. A tese do recorrente só teria alguma chance de êxito se à hipótese legal se desse interpretação extensiva, o que não se admite em relação à norma que limita os direitos políticos.

Portanto, estando presentes as condições de elegibilidade e ausente qualquer causa de inelegibilidade, a manutenção do deferimento do registro de candidatura é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso do partido PROGRESSISTAS – PP.