REl - 0600279-53.2024.6.21.0049 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, e merece conhecimento por atender aos demais pressupostos relativos à espécie.

Preliminar de ofício. Cumulação. Representação por propaganda irregular e direito de resposta. Impossibilidade.

Colegas, trago a debates uma situação que, ao meu juízo, deve ser solvida anteriormente à análise de qualquer questão de fundo de causa, quer do direito de resposta, quer da propaganda tida como irregular.

A questão diz respeito à matéria eminentemente processual, e fulmina inapelavelmente a presente demanda. Explico.

Ao contrário do sustentado pela recorrente, a representação pela prática de propaganda irregular não é cumulável com o pedido de concessão de direito de resposta, como realizado na petição inicial da requerente, ora recorrente, MARIA LUIZA BICCA BRAGANÇA FERREIRA, notadamente por se tratarem de demandas que apresentam ritos notoriamente diversos: a representação por propaganda irregular segue o rito do art. 96 da Lei n. 9.504/97, o direito de resposta está previsto nos arts. 58 e 58-A da mesma Lei.

Trata-se de norma expressamente veiculada na Resolução TSE n. 23.608/19, art. 4º, caput:

Art. 4º É incabível a cumulação de pedido de direito de resposta com pedido de aplicação de multa por propaganda eleitoral irregular, ainda que diga respeito aos mesmos fatos, sob pena de indeferimento da petição inicial.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não impede a análise de pedido de suspensão, remoção ou proibição de nova divulgação da propaganda apontada como irregular.

 

Ou seja, texto expresso, com efeitos também bem claros, de modo que mesmo a doutrina de maior quilate não vê necessidade de maiores detalhamentos. ZILIO, por todos, apenas assevera, com a didática que lhe é peculiar:

Deve-se anotar que é incabível a cumulação de pedido de direito de resposta com pedido de aplicação de multa por propaganda eleitoral irregular, ainda que diga respeito aos mesmos fatos, sob pena de indeferimento da petição inicial – previ­são, contudo, que não impede a análise de pedido de suspensão, remoção ou proibição de nova divulgação da propaganda apontada como irregular (art. 4º da Res.-TSE nº 23.608/2019). (ZILIO, Rodrigo López, Direito Eleitoral. 9ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2023. P. 528).

 

Ou seja, uma vez aviada uma petição inicial que contenha, em seu bojo, essa – inviável – cumulação, cabe ao magistrado tão somente, a par do indeferimento da petição inicial, eventualmente analisar pedido de suspensão, remoção ou proibição de nova divulgação da propaganda apontada como irregular, pois tal providência prescinde, obviamente, de início de quaisquer dos ritos das diferentes ações.

Dadas as peculiaridades do processo eleitoral (vide Resolução TSE n. 23.478/16), tal solução é, de fato, a mais coerente, pois ao mesmo tempo confere efetividade mínima e resguarda a tutela de relevante bem jurídico (estanca a propagação de propaganda nitidamente irregular) e impede a cumulação indevida de pretensões que devem, como visto, trilhar ritos (ou procedimentos) diferentes.

Neste sentido, em caso que difere minimamente dos presentes autos (conforme se verá), pois lá havia, ainda, a possibilidade de manifestação jurisdicional no que toca a novo direito de resposta (item 1 da ementa que segue):

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. CUMULAÇÃO COM MULTA. IMPOSSIBILIDADE. CONHECIMENTO PARCIAL. PROVIMENTO. 1. Com a realização das eleições não há mais sentido a concessão ou não de novo direito de resposta, tendo em vista a inutilidade da medida, havendo evidente perda de interesse recursal da parte, impondo-se o não conhecimento do recurso neste aspecto. 2. Nos termos do art. 4º da Res. TSE nº 23.608/2019 não é possível a cumulação de pedido de direito de resposta com pedido de aplicação de multa por propaganda irregular por apresentarem ritos diversos. Enquanto a representação por propaganda irregular segue o rito do art. 96 da Lei nº 9.504/1997, o direito de resposta está previsto nos arts. 58 e 58-A da Lei das Eleições. 3. Recurso parcialmente conhecido e provido na parte conhecida para afastar a multa imposta.

(TRE-SE - RE: 06006131620206110014 JACIARA - MT 29032, Relator: Des. GILBERTO LOPES BUSSIKI, Data de Julgamento: 11/11/2021, Data de Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 3543, Data 18/11/2021, Página 46-52)

 

E, a par das atecnias operadas no presente feito, a sentença sequer precisaria ter adentrado à questão de fundo de causa, pois além de (i) entender indevida a cumulação dos pedidos de direito de resposta e multa, (ii) constatou a ausência do prévio conhecimento do beneficiário, e (iii) no mérito, asseverou a inexistência de fake news, de modo que a conduta dos demandados não teria extrapolado o contexto de práticas regulares de campanha eleitoral.

Sequer haveria, portanto, a necessidade de adentrar aos itens ii e iii, pois o indeferimento da petição inicial no presente caso, como visto, é imperativo, conforme lei, jurisprudência e doutrina abalizada.

Lembro, aqui, que as demandas de direito eleitoral veiculam, para além dos interesses das partes, questões de ordem pública, tais como a manutenção da isonomia entre os candidatos, a liberdade de expressão lato sensu e a higidez do debate democrático, de modo que incumbe ao magistrado, no caso esta Corte, decretar de ofício a mácula que fere a demanda nos termos prefaciais.

A única medida cabível seria aquela indicada pela d. Procuradoria Regional como objeto viável do recurso, qual seja, a de proibir nova veiculação da propaganda, tendo em vista a nítida manipulação havida – houve a realização de recorte no pronunciamento da recorrente na sessão legislativa, para retirar a fala do contexto em que originariamente inserido, situação que desobedece o art. 9-C da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

De fato.

A transcrição da versão original do vídeo referente indica a fala completa:

Vereadora: [...] eu votei contra os trinta milhões exatamente porque vocês, e o senhor era secretário de obras, não disse o que seria feito com os trinta milhões. Não foi dito o que seria feito [...]. Nunca foi dito pela prefeitura as ruas que seriam feitas, por isso que eu votei contra [...]. Agora o senhor tá dizendo as ruas… Por que não disseram antes?

Interlocutor: vereadora, o Poder Executivo não tem a obrigação de dizer o que ele vai fazer.

 

Na versão com cortes, há apenas a afirmação de que a vereadora MARIA LUIZA votara “contra os trinta milhões”, seguida de trecho manipulado, não presente no vídeo original, em que o interlocutor nomeia as supostas áreas que seriam beneficiadas com o empréstimo – em troca da resposta dada originalmente, no sentido de que o Executivo não teria que dar explicações.

 

Diante o exposto, VOTO para, de ofício, indeferir a petição inicial, por desobediência ao art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 23.608/19, e dar parcial provimento ao apelo, para determinar a proibição de nova divulgação da propaganda objeto do presente processo, nos termos do art. 4º, parágrafo único, a Resolução TSE n. 23.608/19.