REl - 0600245-22.2024.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

 

VOTO

 

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

No mérito, EDEMILSON JOSE PITON, candidato a vereador de Tapejara nas Eleições de 2024, insurge-se contra a sentença que julgou procedente a representação por propaganda eleitoral irregular ajuizada pela Coligação TAPEJARA SEGUINDO EM FRENTE [PP/PDT/REPUBLICANOS], por suposta ofensa veiculada em rede social na internet.

A decisão hostilizada confirmou a liminar que determinara a remoção do conteúdo, ordenou ao representado “que se ABSTENHA de disseminar notícias falsas a respeito dos candidatos opositores, bem como de atribuir-lhes, de modo público, por meio de suas plataformas digitais, a prática de condutas ilícitas ou questionáveis, dos quais prescinda de elemento de prova, sob pena da aplicação de multa astreinte, no valor de R$ 1.000,00 por dia de descumprimento, que fixo com fulcro nos arts. 536 e § 1º e 537, caput, ambos do CPC”.

Os dispositivos trazidos à baila pela coligação representante, ora recorrida, são os seguintes:

Resolução TSE nº 23.610/2019

Art. 9º-A. É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021.

 

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake).

§ 2º O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo.

 

Código Eleitoral

Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado: Pena - detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.

 

Destaco que a publicação impugnada consiste em vídeo onde pessoa que se identifica como Mario Vargas diz ter retornado de consulta no CAPES, onde fizera tratamento psiquiátrico por seis meses e, agora, teria recebido a informação de que não haveria mais médico disponível por ausência de verba.

Grifo, do excerto das falas, os trechos reconhecidos como ofensivos pela sentença:

“(…) a verba deve ter sido desviada para outra coisa. Quem sabe agora para o asfalto do Mutirão? Por que o que dá mais voto? Manter um psiquiatra atendendo 100 pessoas ou fazer um asfalto no Mutirão onde a visibilidade vai ser grande? Não tô dizendo que seja isso porque eu não sei quem que cortou se foi o Big e o Gipe, essa dupla que deu certo ou se foi a Secretaria da Saúde. Então esse vídeo aqui é só para fazer uma pergunta para a Administração Big e Gipe: por que cortar psiquiatra de quem precisa? Por que a notícia hoje foi de que a Prefeitura não tem mais verba para manter psiquiatra? (…)” “(…) Foi cortado agora às vésperas da eleição. Será que foi só na psiquiatria foi cortado ou tão cortando algumas coisinhas assim para que sei lá.. sobre para um outro fim?” Essa é a pergunta que eu tenho para o Big e para o Gipe (...)”

O recorrente sustenta que em momento algum objetivou ofender a integridade dos concorrentes ao pleito ou lançar uma notícia inverídica, “apenas repostou um vídeo que demonstra uma opinião de uma pessoa física, mas sem fins ilícitos, nem atentatórios ao processo eleitoral.”

Adianto que assiste razão ao recorrente.

Dos elementos dos autos, não se pode afirmar que o vídeo contenha qualquer “conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados”, “conteúdo sintético”, ou ainda, “divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados”. Trata-se de um vídeo simples. Produção caseira, ao que tudo indica, realizada no próprio celular do expositor.

Em termos de técnica audiovisual, por exemplo, não há utilização de filtros, manipulações de imagem ou áudio, bem como, ausentes elementos produzidos por ou com ajuda de inteligência artificial (sintéticos).

Concernente ao conteúdo, se limita a contar sua experiência junto ao posto de saúde. Em suma, que recebera a informação a respeito da descontinuidade dos atendimentos psiquiátricos. Nada há que indique ser inverídica a informação.

Além, o que se verifica na hipótese é cobrança encaminhada aos responsáveis pelo executivo municipal, Prefeito Evanir Wolff (Big) e Vice-prefeito Rodinei Bruel (Gipe), o último candidato à reeleição, pela coligação recorrida.

A manifestação documentada nos autos não constitui propaganda eleitoral irregular, pois amplamente assegurada a livre manifestação de posições políticas pessoais, por via de rede social devidamente identificada.

Trata-se de legítima manifestação política que não desbordou dos limites estabelecidos nas regras eleitorais, merecendo tutela, inclusive constitucional.

Analisando o material impugnado, não vislumbro afirmação ofensiva à honra dos mandatários, declaração caluniosa, injuriosa ou difamatória. Nada que ultrapasse os limites das críticas permitidas no jogo político, apenas uso da liberdade de expressão, para buscar resposta a uma pergunta objetiva - nas palavras extraídas do vídeo: “Essa é a pergunta que eu tenho para o Big e para o Gipe porque que foi cortado de quem precisa o psiquiatra do posto?”.

Não é possível atribuir, às falas, outra configuração que mera crítica política, com o tom cáustico próprio dos embates políticos, porém sem transbordar dos limites do razoável.

Nesses termos, deve ser reformada a sentença que julgou procedente a representação.

DIANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para julgar improcedente a representação, ao efeito de afastar a determinação de remoção do conteúdo impugnado e a aplicação de astreintes.