REl - 0600523-53.2024.6.21.0090 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Mérito

No mérito, cuida-se de examinar se estão presentes os requisitos para configuração de propaganda antecipada.

A Lei das Eleições, de acordo com a redação dada pela Lei n.13.165, de 2015, assim disciplina:

Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.

(...)

§ 3o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.

(...)

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei.

(...)

 § 2o Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.

 § 3o O disposto no § 2o não se aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão.


 

Dispõe a legislação vigente no art. 36, caput e §3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição. (...) § 3º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.

 

Sobre o tema, a Resolução TSE n. 23.610/19 dispõe em seu art. 3º-A:

Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

Parágrafo único. O pedido explícito de voto não se limita ao uso da locução “vote em”, podendo ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

 

No caso, a propaganda considerada extemporânea trata do uso de camiseta pela candidata Juliana com o slogan "EU AMO, EU ABRAÇO, ELDORADO", utilizado antes de 16 de agosto de 2024.

Ao analisar o conteúdo acima, o magistrado julgou procedente a representação, nos seguintes termos (ID 45709601):

A representação foi recebida na forma do art. 96 da Lei n. 9.504/1997. 

Primeiramente, ressalto que não cabe a essa Especializada manifestar-se sobre a situação em que houve desligamento da representada, tampouco do porquê a ora candidata foi exonerada ou pediu exoneração do cargo de secretária de saúde do Município de Eldorado do Sul. Tal análise, de como e por qual motivo houve a exoneração do cargo que ocupava na prefeitura e a forma como aconteceu, devem ser discutidas na esfera judicial adequada, pois não está abarcada pela competência da Justiça Eleitoral. 

A controvérsia gira em torno do uso de material de pré-campanha, consistente em uso de camisetas com o slogan "EU AMO, EU ABRAÇO, ELDORADO", utilizado pela candidata Juliana antes do período permitido para campanha eleitoral, ou seja, antes de 16 de agosto de 2024, conforme documentos trazidos à baila na inicial. A lide versa sobre se tais materiais e o uso massivo do slogan configuram, ou não,  propaganda eleitoral antecipada. 

Consoante análise pormenorizada dos autos, verifica-se que antes do dia 15 de agosto desse ano, ou seja, antes do período permitido para campanha,  a representada Juliana passou a expor fotos em seu perfil na rede social Instagram dela e de apoiadores usando camisetas identificadoras com o slogan e logomarca suprarreferidos. Tal logomarca é perfeitamente associada a representada pelo uso de seu perfil no Instagram fazendo com que o eleitorado ao visualizar a logomarca remeta-a direto à sua pessoa. 

Como bem colocado pelo ilustre representante do Ministério Público Eleitoral em parecer de ID 123503857:

"[...] registra-se que o teor das transcrições e das reproduções de conteúdo da petição inicial não foram, por qualquer modo, controvertidas pelos representados.

Assim, evitando-se tautologia, referenda-se o teor das reproduções das manifestações do representado já transcritas pela representação.

Nesta linha, tem-se que as alegações veiculadas pela parte autora foram consubstanciadas por contundentes evidências concretas, aptas a demonstrar a responsabilidade dos representados.". Grifei. 

Verifica-se, portanto, por meio das referidas postagens na rede social da representada, de verdadeira estratégia publicitária com propósito de angariação de votos, portanto, propaganda extemporânea configurada com propósito eminentemente de captação de votos, em momento vedado pela legislação de regência, em consonância com a aplicação do art. 36, caput e §3°, da Lei das Eleições.

Para que o pedido de voto seja explícito, não é necessário que seja feito de forma literal, bastando que a mensagem esteja suficientemente clara para ser entendida por seus destinatários.

Não há, portanto, como negar a efetiva propagação pela então representada de mensagem indutiva do processo eleitoral agora em curso, e caracterizar a prática de propaganda eleitoral extemporânea.

 Com efeito, a teor da Lei n. 9504/97, popularmente conhecida por Lei das Eleições, foi estabelecido um marco para início da propaganda eleitoral em geral:

Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.

O legislador, com o comando do art. 36, caput, da Lei das Eleições, quis evitar eventual captação antecipada de votos, tentando preservar o equilíbrio da disputa eleitoral, de forma a preservar a igualdade de chances entre os candidatos e a própria higidez do pleito eleitoral, sendo que a propaganda eleitoral, propriamente dita, só é permitida a partir de 16 de agosto de 2024, de acordo com a Resolução TSE n. 23.610/2019, in verbis:

“Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre a propaganda eleitoral, as condutas ilícitas praticadas em campanha e o horário eleitoral gratuito.

Art. 2º A propaganda eleitoral é permitida a partir de 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 36).

Art. 3º Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, caput, I a VII e §§): 

[...]

 § 2º Nas hipóteses dos incisos I a VII do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver, observado o disposto no § 4º deste artigo (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, § 2º).

Desta forma, considerando que o termo propaganda traz o sentido de ação ou efeito de propagar ideias, princípios ou teorias, a difusão ou a vulgarização de alguma coisa, faz todo o sentido coibir as práticas a fim de que não interfiram de forma negativa na normalidade das eleições, sendo que o Estado, por seus Poderes, devem impedir o abuso, por meio de normas e correspondentes interpretações dirigidas especialmente aos partidos, pré-candidatos, candidatos e detentores de mandato eletivo, pessoas que mais fortemente têm potencial para desequilibrar o jogo político por meio da erosão de sua base ou pressuposto inafastável, qual seja, a isonomia de chances.

Ocorre, contudo, que, na presente representação em face de JULIANA DIAS FAGUNDES CARVALHO e de GIOVANI DE ÁVILA MATINS, em que fazem uso de camisetas de propaganda eleitoral com slogan, verifico que houve infração ao artigo 39, § 6º, da Lei n. 9504/97 e artigo 18, da Resolução n. 23.610/2019, como bem salientou o ilustre Promotor Eleitoral em seu parecer, o qual trago à colação, mais uma vez:

"[...] Registra-se, na mesma toada, o entendimento de que mesmo a propaganda intrapartidária, voltada ao público interno de agremiação política, não pode ser utilizada, mesmo que de maneira velada, como propaganda eleitoral. 

No caso concreto, a existência dos atos narrados é incontroversa entre as partes. De igual sorte, o teor das manifestações reproduzidas no corpo da representação. 

Com efeito, a própria defesa sustenta que não há "franca contrariedade" à previsão legal aplicável, assinalando que determinado grau de contrariedade é admitido francamente.

Vale notar que a partir da Lei n. 13.165/2015, denominada minirreforma política, o período de campanha eleitoral foi reduzido de maneira drástica e, ao mesmo tempo, houve o abrandamento do rigor com a realização da chamada propaganda eleitoral antecipada, permitindo de modo expresso a realização de determinadas condutas que, outrora, seriam consideradas ilícitas.

Com efeito, o art. 36-A da Lei n. 9.504/97 passou a disciplinar os chamados atos de pré-campanha com moldura normativa, claramente, liberalizante, com o escopo declarado de alargar o campo da liberdade de expressão aos pretensos candidatos e aos cidadãos.

[...] 

Da análise das imagens reproduzidas tanto pela representação como pela defesa técnica, depreende-se que há identidade de, pelo menos, 66% das cores empregadas, substituindo-se apenas o lilás pelo azul em relação ao movimento social e à campanha política da representada. No mesmo sentido, a defesa não logrou, de qualquer forma, justificar atos com bandeiras e atos para distribuição e aplicação de adesivos com o nome da representada e as cores verde branco - comuns entre o movimento e a campanha eleitoral - durante atos do movimento. 

[...]

Somam-se à identidade de cores, os contundentes registros de que a representada utilizou a camiseta do movimento "Eu amo, eu abraço Eldorado" em atos de campanha, diante de bandeiras dos partidos representados. Tem-se que o impulso inaugural do referido movimento, ainda em janeiro de 2024, já alardeava finalidade eleitoral, conforme se depreende da legenda da publicação reproduzida na representação: "Eldorado está pronta para um Novo Tempo. Não aguentamos mais ouvir as mesmas desculpas para os problemas de sempre. Na próxima quarta, dia 31/01/2024, às 19h, vamos iniciar uma caminhada de esperança em direção ao futuro que merecemos"

[..]

Em arremate, os registros audiovisuais que instruíram a inicial são definitivos. Por primeiro, o candidato a vereador Bráulio Machado, vestindo a camiseta do movimento, convidando a todos para participar da abertura de campanha da candidata Juliana para integrarem o movimento "Eu amo, eu abraço Eldorado", em evidente conexão entre a mobilização - alegadamente espontânea e decorrente das enchentes de novembro de 2023 - e a campanha eleitoral de Juliana. Segue, em outros vídeos, o início da caminhada em relato da própria representada e a descrição de que "Eu amo, eu abraço Eldorado" é um movimento de oposição, democrático, pelo futuro de Eldorado, conforme postagens acima analisadas."

Em tal contexto, é  certo que, para a aplicação de sanção aos candidatos, enquanto beneficiários da propaganda eleitoral irregular, resta imperiosa a comprovação de seu prévio conhecimento (art. 36, § 3º, da Lei Federal nº. 9.504/97, c/c art. 2º, § 4º, da Resolução TSE nº. 23.610/19). Importa destacar que, no caso em tela, nenhuma data ou ato teve sua veracidade controvertida pelos representados. Pelo contrário, buscou-se preservar a legalidade de todos os atos narrados, sustentando-se a tese de que inexiste qualquer semelhança ou finalidade eleitoral intempestiva decorrente da participação da representada Juliana no movimento "Eu amo, eu abraço Eldorado".  Grifei.

Saliente-se, ainda, que não é necessário que o pré-candidato ou o responsável pela divulgação da propaganda utilize a expressão “vote em mim” ou “vote nele(a)”, basta  que fique demonstrado pelas circunstâncias que a publicidade é vocacionada para a obtenção de votos. Nesse sentido, para a caracterização da propaganda eleitoral antecipada seja suficiente que o conteúdo veiculado, ainda que de forma dissimulada, induza o eleitor a concluir que o aspirante a um cargo eletivo mereça seu voto, ressaltando que, nada obstante a reforma eleitoral instituída pela Lei n. 13.165/2015 adicionar ao art. 36-A a expressão “pedido explícito de voto”, não significa, por si só, que o pedido implícito deva ser tolerado.

Nesse sentido, trago à colação:

Eleições 2020 [...] Propaganda eleitoral antecipada. Pré–candidato. Prefeito. Evento com presença do pré–candidato. Evento de grandes proporções. Flagrante quebra de isonomia entre candidatos [...] 2. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão reconheceu a propaganda eleitoral extemporânea, por flagrante quebra de isonomia entre candidatos, diante da promoção de carreata e discursos em evento público com a presença do pré–candidato após a realização de convenção partidária do PDT, no dia 15.9.2020, veiculando, inclusive, jingle típico de campanha eleitoral[...] 4. O entendimento do TRE/MA está de acordo com a jurisprudência do TSE, no sentido de que a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre candidatos é um critério alternativo para a caracterização da propaganda eleitoral antecipada, ao lado da presença de pedido explícito de voto ou da utilização de meio proscrito no período de campanha. Precedentes [...]” Grifei.

(Ac. de 23/4/2024 no AgR-REspEl n. 060014889, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques.) 

Nesse diapasão, fica evidente a promoção de propaganda eleitoral antecipada por parte dos representados. 

Quanto ao pedido de proibição do uso de camisetas com o slogan "EU AMO, EU ABRAÇO, ELDORADO", entendo de forma distinta da posição do ilustre representante do Ministério Público Eleitoral. Isso porque, em cumprimento da medida de urgência, os representados entregaram ao cartório eleitoral da 90ª Zona tão somente duas camisetas com o slogan atacado (certidão de ID 123545446). Ademais, não se pode permitir, como forma de garantia do princípio da isonomia entre os candidatos, que os representados utilizem o material amplamente divulgado em pré-campanha, com a campanha já em curso. Ademais, destaca-se que faltam menos de 30 dias para as eleições.

Nesse norte, a procedência dos pedidos é medida que se impõe. 

A conduta dos representados viola o disposto no artigo 36, §3º, da Lei n. 9.504/97, estando sujeita a multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

A gradação da multa é aferida com base na gravidade da conduta e no princípio da proporcionalidade. 

Os representados, em cumprimento a determinação entregaram ao cartório da 90ª Zona Eleitoral, o material que alegaram ter em sua posse, consistente em duas camisetas com o slogan atacado. É impossível aferir o alcance e o impacto da publicação no eleitorado, de modo que  adequado e proporcional estabelecer a multa no mínimo legal. 

Isso posto, JULGO PROCEDENTE a representação por violação ao disposto no artigo 36 da Lei n. 9.504/97 (propaganda eleitoral antecipada), confirmando a tutela provisória concedida para o fim de proibir o uso do material em questão, utilizado em período de pré-campanha, e CONDENO, solidariamente, JULIANA DIAS FAGUNDES CARVALHO, GIOVANI MARTIN DE ÁVILA e a COLIGAÇÃO CORAGEM PARA FAZER DIFERENTE (PL/ FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA (PSDB/ CIDADANIA) PODE/ DC/ PP/ PRTB) ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do artigo 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97. 

 

Antes de adentrar no caso concreto, peço vênia para colacionar breve histórico sobre o regime jurídico da propaganda eleitoral e o faço com a transcrição de trecho do voto do Min. Edson Fachin, proferido no REspe n. 0600227-31.2018.6.17.0000 (DJE -Diário de justiça eletrônico, Número123, Data: 01/07/2019, Página214):

 

A interpretação do art. 36-A da Lei nº 9.504/97 exige uma compreensão do regime jurídico da propaganda eleitoral sem as alterações promovidas pela Lei nº 12.034/2009, especialmente no período anterior à campanha.

Nas eleições anteriores a 2010, havia total proibição de propaganda eleitoral antes do dia 5 de julho (posteriormente modificado para o dia 15 de agosto), de modo que nenhuma referência à pretensão a um cargo eletivo poderia ser manifestada, à exceção da propaganda intrapartidária, com vistas à escolha em convenção.

A jurisprudência do TSE alcançava, também, a divulgação de fatos que levassem o eleitor a não votar em determinada pessoa, provável candidato, caracterizando-se o ato como propaganda eleitoral antecipada, negativa. Da mesma forma, era coibida a mensagem propagandística subliminar ou implícita que veiculasse eventual pré-candidatura, como a referência de que determinada pessoa fosse a mais bem preparada para o exercício de mandato eletivo.

A partir das eleições de 2010, porém, criou-se a figura do pré-candidato, sendo lícita a sua participação em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não houvesse pedido de votos, exigindo-se das emissoras de rádio e de televisão apenas o dever de conferir tratamento isonômico.

Nas eleições de 2014, a Lei nº 12.891/2013 ampliou a possibilidade do debate político-eleitoral, permitindo a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar de planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições. Além disso, tornou lícita a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, retirou a proibição de menção a possível candidatura, vedando apenas o pedido de votos.

Nas eleições de 2016, a pré-campanha foi consideravelmente ampliada, pois a Lei nº 13.165 /2015 permitiu a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, além de diversos atos que podem ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet, com a única restrição de não haver pedido explícito de voto. Ou seja, à exceção dessa proibição, não há, atualmente, uma diferença substancial para os atos de propaganda antes e depois do chamado “período eleitoral” que se inicia com as convenções dos partidos políticos.

Essa mudança legislativa gerou muito debate na doutrina, relativamente ao seu alcance e limites, projetando-se sobre a compreensão interpretativa conferida pela jurisprudência.

Aliás, minha posição inicial, manifestada no julgamento do AgR-AI nº 9-24/SP, se orientava pela imposição de limites mais estreitos, de modo que o contexto em que são veiculadas as mensagens da propaganda seria relevante para caracterizar o pedido explícito de voto que não estaria circunscrito às expressões clássicas, tangenciando o “vote em mim”. Naquele julgado, porém, o TSE decidiu, em sentido contrário e por maioria apertada, que o pedido explícito de votos somente restaria caracterizado quando houvesse o emprego, na expressão do Ministro relator Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, tomada de empréstimo de Aline Osório (Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017) de “palavras mágicas” como “vote em”, “vote contra”, “eleja” etc., restando descartada a utilização do “contexto conceitual explícito”, como pretendia o Ministro Admar Gonzaga.

A principal razão do dissenso doutrinário e jurisprudencial tem origem no efeito derrogatório operado pela Lei nº 13.165/2015 sobre a consolidada jurisprudência que se formou no passado que vedava a propaganda extemporânea subliminar, aliado à própria falta de tecnicismo do art. 36-A.

Com efeito, apesar de a lei permitir a realização de propaganda antes do período eleitoral, com a vedação apenas do pedido explícito de voto, o caput do artigo inicia sua dicção com a cláusula de que esses atos típicos de campanha “não configuram propaganda eleitoral antecipada”.

Revela-se, aqui, de forma evidente, que a destacada expressão tem apenas a pretensão de afastar a ilicitude reconhecida no passado que sancionava a “propaganda eleitoral antecipada”. Antes da modificação legislativa, era comum a identificação do ilícito de “propaganda eleitoral antecipada”, havendo grande debate sobre sua caracterização, nas hipóteses de “propaganda negativa”. Havia, portanto, uma compreensão de que todo ato de divulgação de candidatura, anterior ao período crítico, era ilícito, daí a manifesta intenção do legislador em deixar evidente sua ampla permissão, a partir da reforma eleitoral de 2015.

O art. 36-A, portanto, não objetiva modificar o conceito de “propaganda”, já amplamente aceito pelo TSE, como o ato que “leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública” (Recurso Especial Eleitoral nº 161-83, Relator Ministro Eduardo Alckmin, DJ de 31.3.2000, p. 126).

Sua intenção é alterar o modal deôntico de proibido para permitido, por meio do afastamento da ilicitude verificada anteriormente.

Assim, aquele que, a título de exemplo, no período de pré-campanha, exalta suas qualidades pessoais, sem pedido explícito de voto, está realizando atos de propaganda eleitoral. No entanto, por força do novo art. 36-A da Lei das Eleições, não está mais sujeito a qualquer tipo de sanção, haja vista a superveniência do permissivo legal. Ainda que se possa admitir tratar-se de ato “pré-eleitoral”, não há como negar que seja um ato típico de propaganda.

Portanto, na quadra atual, há ampla permissão à realização de atos de propaganda, com indicação da intenção de concorrer a algum cargo eletivo e exaltação das qualidades do respectivo candidato. É patente que o legislador não teve a intenção de mudar o conceito de propaganda, por meio de uma ficção jurídica, negando este caráter àquele que, prematuramente, indica sua intenção de disputar um cargo eletivo. O objetivo foi apenas retirar a sanção que alcançava aqueles que levavam ao conhecimento geral a intenção de concorrer.

Em resumo, os atos de pré-campanha constituem propaganda eleitoral antecipada, agora, porém, sem sancionamento, desde que não sejam acompanhados de pedido explícito de votos.

Porém, a ampliação do período de discussão das alternativas para o eleitor não esgota os problemas de ordem jurídica, pois o Direito Eleitoral é informado por outros princípios e limites que também devem ser observados no período de pré-campanha. Aliás, como tenho afirmado, a inexistência de limites importa na supressão da própria liberdade e na consagração do abuso. (Grifo nosso)

 

Dessa forma, tenho que nos moldes do que foi permitido no art. 36-A da Lei n. 9.504/97, com a Lei n. 13.165/15 – a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, as condutas dos incs. I a VI e ainda a expressa permissão do pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver – todos esses atos de pré-campanha são na verdade propaganda eleitoral antecipada, porém, o legislador optou por excluir o sancionamento. Nas palavras do Min. Edson Fachin, o que houve foi a alteração do modal deôntico de proibido ou permitido, ou seja, aquilo que outrora o TSE concebeu como propaganda subliminar e vedada, o legislador estabeleceu que é permitido, embora seja efetivamente uma propaganda eleitoral subliminar. Não houve modificação do conceito do que é ou não propaganda, mas sim houve a permissão legislativa para o pré-candidato realizar os atos até então proibidos, com exceção do pedido explícito de voto.

Consigno, também, trecho do voto divergente do Min. Carlos Horbach (vencido, bem verdade) no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060006381, Acórdão, Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 01.9.2021:
 

Com efeito, após a reforma eleitoral de 2015, realizada por meio da Lei nº 13.165, houve uma expansão considerável das balizas dentro das quais é lícito aos cidadãos, na qualidade de pré-candidatos, expressar suas aspirações políticas, inserindo-se de modo mais amplo no debate público de ideias.

A atual redação do art. 36-A da Lei das Eleições, de modo expresso, assevera que “não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos”, bem como uma série de atos que são – de modo exemplificativo – mencionados nos incisos de seu caput, sendo relevante para o deslinde da controvérsia dos autos o disposto no inciso V, que se refere à “divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais”.

O preceito constante do caput é complementado pelo § 2º do dispositivo em questão, que tem a seguinte redação:

§ 2o Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da précandidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.

Do padrão normativo acima explicitado, exsurge uma linha clara de compreensão do que se revela lícito no contexto da chamada pré-campanha: o cidadão pode expressar nas redes sociais sua pretensa candidatura, pode explicitar as qualidades que o habilitam para o exercício do cargo futuro, pode enfatizar sua experiência prévia na política, pode fazer promessas políticas e – mais importante para o exame da presente demanda – pode ainda pedir apoio político.

Tais possibilidades de ação se revelam na conduta imputada aos recorrentes, que divulgaram em suas redes sociais – Facebook e Instagram – vídeo com conteúdo assim sintetizado pelo aresto do Tribunal a quo, in verbis:

Sabe-se que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admite a divulgação de pré-candidatura, contendo número e sigla dos partidos políticos por meio dos quais os pré-candidatos pretendem concorrer ao pleito.

No entanto, os recorrentes, durante o vídeo, ao informar sua pré-candidata, mencionam frases como “conto com o seu apoio, e conte comigo”, “conto com seu apoio, quero lutar por uma Dom Cavati ainda melhor e acredito nessa possibilidade, muito obrigado”, “contando com o apoio de todos vocês”, “quero pedir o apoio de todos vocês”, “estou pleiteando mais uma vez uma vaga a vereador, e creio que com o apoio de todos vocês e de seus familiares, conseguirei atingir esse objetivo”, “conto com seu apoio nessa próxima eleição”, “conto com o apoio de todos vocês para darmos sequência aos nossos projetos sociais e de crescimento para Dom Cavati.”

[...]

Diversamente do que sustentam os recorrentes, não se pode extrair que o vídeo apresentado contenha apenas menção à pré-candidatura, com manifestação espontânea de apoio ao pré-candidato a Prefeito, sem qualquer pedido explícito de voto, mas, como sustentou a sentença a quo, “as propagandas apresentadas com a inicial contêm não apenas a menção à pré-candidatura, como autoriza a lei, mas uma verdadeira campanha, com os representados se identificando como pré-candidatos.” (sem destaque no original)

Do que se tem no acórdão recorrido, observa-se (i) menção à pretensa candidatura – “estou pleiteando mais uma vez a vaga de vereador” –, (ii) divulgação das ações políticas desenvolvidas – “darmos sequência aos nossos projetos sociais e de crescimento para Dom Cavati” –, (iii) enunciação das ações políticas que pretende desenvolver – “lutar por uma Dom Cavati ainda melhor” – e (iv) pedido de apoio político – “conto com seu apoio”, “creio que com o apoio de todos vocês”, “conto com o apoio de todos vocês”.

Destarte, nada do discurso em questão, tal como divulgado nas redes sociais, discrepa da moldura normativa dentro da qual é lícita a pré-campanha, sem caracterização de propaganda eleitoral antecipada e sem que se tenha possibilidade de aplicação da multa prevista no § 3º do art. 36 da Lei nº 9.504/97.

Não se pode enxergar na mensagem veiculada no vídeo postado pelos agravantes no Facebook e no Instagram, ao contrário do asseverado pela Corte de origem e pelo eminente Relator em seu voto, a utilização das chamadas “palavras mágicas”, configuradoras do pedido explícito de voto vedado pelo art. 36-A da Lei das Eleições. Até mesmo porque o vocábulo mais utilizado no mencionado vídeo, qual seja, a palavra “apoio”, consta expressamente dos comandos permissivos do § 2º acima transcrito, o qual autoriza, antes do período oficial de campanha, o “pedido de apoio político”. Concluir, no caso dos autos, pela ocorrência de propaganda eleitoral antecipada seria negar vigência aos expressos termos do art. 36-A e desprezar a teleologia da reforma realizada em 2015, voltada à ampliação do debate político na fase de pré-campanha, diminuindo assim o impacto da considerável redução do período de campanha, operada pela alteração introduzida no caput do art. 36 da Lei das Eleições pela referida Lei nº 13.165/2015.

Assim, para configuração de propaganda eleitoral tem de existir “pedido explícito de voto”. Portanto, a conduta da candidata está expressamente permitida, o que é vedado é o pedido explícito de voto e algumas expressões equivalentes, que inexistem no caso concreto.

Com efeito, a conduta enquadra-se no permissivo contido no § 2º do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, que EXPRESSAMENTE admite o “pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver”. O fato de a candidata usar a camiseta de uma campanha de mobilização social tão somente demonstra seu engajamento com essas questões políticas.

 

Nesse sentido o entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

 

A expressão “EU AMO, EU ABRAÇO, ELDORADO” pode ser entendida como exortação de mobilização política calcada na garantia constitucional da liberdade de expressão, inerente ao regime democrático, especialmente justificada pelo contexto social abalado em razão das inundações que assolaram severamente aquele município neste ano.

Trata-se de frase destituída de conteúdo eleitoral, voltada à reunião da comunidade em torno da reconstrução da cidade, circunstância que é corroborada pelas circunstâncias ressaltadas nas razões recursais, notadamente as diferenças entre a expressão inquinada e o slogan de campanha (“com o povo, por uma vida nova” 1 ), bem como entre as cores utilizadas no movimento e na propaganda eleitoral (ausência de identidade visual).

 

 

Destarte, a mera utilização de camiseta com os dizeres: "EU AMO, EU ABRAÇO, ELDORADO", não configura propaganda eleitoral antecipada, se ausente pedido explícito de voto.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso para julgar improcedente a representação.