REl - 0600051-97.2024.6.21.0172 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

VOTO

Inicialmente, consigno que não desconheço o entendimento jurisprudencial de que inexiste litispendência ou conexão por prevenção nos pedidos de direito de resposta que envolvem propagandas realizadas em momentos distintos:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO. PARCIALMENTE PROCEDENTE. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA E CONEXÃO POR PREVENÇÃO. AFASTADA. INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. PREFACIAL REJEITADA. RECURSO ADESIVO. NÃO CONHECIDO. MÉRITO. PROGRAMA DE TV. INVASÃO DE ESPAÇO. OCUPAÇÃO OCORRIDA ENTRE CARGOS MAJORITÁRIOS DA MESMA COLIGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 73, CAPUT, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/19. INOBSERVADO O ART. 74 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/19. INVIÁVEL O SANCIONAMENTO DE PERDA DO TEMPO EQUIVALENTE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO. DESPROVIMENTO.

(...)

2. Afastada a preliminar de litispendência e conexão por prevenção. Isso porque #os processos cujas matérias são referentes à propaganda eleitoral e direito de resposta são distribuídos livremente, sem prevenção, quando dizem respeito a datas e horários diversos# (TRE-SP # REl. n. 0600227-05.2020.6.26.0002, Rel. Marcelo Vieira de Campos, publicado em 13.11.2020). Inexiste litigância de má-fé, pois a cada veiculação da peça tida como irregular, a parte poderia ingressar com uma representação.

(…)

6. Desprovimento.

(TRE-RS, REl 0601931-29, Relator: Des. LUIZ MELLO GUIMARÃES, Data de Julgamento: 16/09/2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 19/09/2022 )

Contudo, considerando as peculiaridades dos casos concretos e o possível risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias sobre os mesmos fatos, foram reunidos os processos para julgamento conjunto na forma do art. 55, § 3º, CPC e do art. 96-B, caput, da Lei n. 9.504/97.

No mérito, irresignado, Tarcísio João Zimermann recorre da decisão que negou direito a resposta em desfavor da recorrida, sua adversária política na disputa do cargo de prefeito de Novo Hamburgo, Tânia Terezinha da Silva, em face de propaganda veiculada no horário eleitoral gratuito em rádio nos dias 14 a 16.9.2024, e no dia 13.9.2024, na rede social Instagram.

As propagandas impugnadas são compostas por três peças publicitárias, cujo conteúdo segue transcrito nas iniciais (ID 45730780, p. 2, REl 0600050-15; ID 45728244, p. 2-3, REL 0600051-97; ID 45731748, p. 2-3, REL 0600052-82; ID 45730638, p. 2-3, REL 0600060-59):

Locutor: Agora, na rádio 15, o programa Tânia prefeita. E no programa de hoje, vamos tratar de um assunto muito sério que é o preconceito do candidato Tarcísio Zimmermann contra quem trabalha com limpeza, contra as mulheres, contra os mais humildes. Na tentativa de ofender Tânia, o candidato Tarcísio disse no debate do Jornal RS que a tarefa da Tânia na prefeitura era varrer o chão.

Trecho editado do debate contendo voz do autor: "Durante vários anos, eu não sei o que faz uma assessora especial, se varre ali o chão, ou se enfim…"

Locutor: Candidata Tânia, a senhora fez questão de colocar o Tarcísio no seu devido lugar e falar do orgulho das suas origens e das pessoas que trabalham com limpeza.

Candidata ré: Isso mesmo, (inaudível). Ele tentou me ofender, como se o trabalho de varrer o chão fosse algo ruim. Como disse para o Tarcísio, tenho

muito orgulho da minha mãe servente, empregada doméstica, dos meus

antepassados e vou lutar para que todos os hamburguenses tenham orgulho das suas famílias. Chega de preconceito.

Locutor: Pois é, Tânia, infelizmente, foi uma fala vinda do coração do Tarcísio.

Candidata ré: Isso foi muito triste. Em nosso governo nós vamos reconhecer a importância de todos os profissionais, vamos valorizar a diversidade do povo hamburguense, negros, brancos, pardos, não importa a cor e origem, todos terão vez e voz, porque acreditamos na nossa gente.

Locutor: É por isso que a candidatura de Tânia está ganhando mais apoio em todos os lugares de Novo Hamburgo.

 

Locutor: Que isso, Tarcísio, que preconceito, hein?

Trecho editado do debate contendo voz do autor: “Durante vários anos, eu não sei o que faz uma assessora especial, se varre ali o chão, ou se enfim…” Candidata ré: Se tivesse que varrer o chão, eu iria varrer com muito orgulho, eu tenho orgulho dos meus antepassados, eu tenho orgulho da minha mãe, eu tenho orgulho do meu pai, então eu quero aqui dizer, um grande abraço pra aquela secretária do lar, que talvez tenha se sentido ofendida com essa fala.

 

A fala do candidato Tarcisio no último debate expõe todo o seu preconceito com as mulheres. E de forma muito especial com as mulheres negras como eu e com pessoas que dignamente exercem funções que ele parece considerar desprezíveis. Mas a minha indignação não é apenas por mim, pois infelizmente entendi faz tempo que na política o ódio e a intolerância disfarçam a falta de ideias. Ser uma mulher negra de origem humilde me fez superar barreiras impostas justamente por gente preconceituosa. Como esse senhor. Talvez o candidato esteja tão atrasado e voltado ao passado que não seja capaz de observar que as mulheres, que o senhor tanto despreza, hoje tem voz. Pode ter certeza, esta voz, nenhum preconceito será capaz de calar.

 

Diante desse conjunto publicitário, o recorrente entende ser vítima de calúnia, e que lhe foi imputado o crime de “injúria em razão de etnia”, com a pecha de preconceito a mulheres. Além disso, aponta irregularidade por ter havido difusão descontextualizada de sua fala, a qual foi extraída de trecho de debate do qual participou com a candidata recorrida, ocorrido no dia 12.9.2024.

Para corroborar sua tese, o recorrente reproduziu, nas petições iniciais, o trecho completo de sua fala (ID 45730780, p. 1, REL 0600050-15; ID 45730780, p. 1, REL 0600051-97; ID 45731748, p. 1-2, REL 0600052-82; ID 45731748, p. 1-2, REL 0600060-59):

A candidata que foi assessora especial da prefeita, durante vários anos. Eu não sei o que que faz uma assessora especial, se varre ali o chão ou se, enfim… Porque ela não assume nada da tragédia que o governo dela produziu, por isso ela não quer falar do passado. Porque ela não tem o que defender nesse governo, é isso. Ela renega a sua história. Mas eu quero dizer… E ela nem sequer sabe que infelizmente não existe mais telemedicina. Que esse convênio foi rompido e que infelizmente isso acabou.

 

As sentenças, em judiciosas razões, analisam a fala do recorrente Tarcísio e concluem pela improcedência dos pedidos por ausência de irregularidade nas peças publicitárias divulgadas pelas recorrentes.

De acordo com as decisões recorridas: “é inequívoco que o exemplo utilizado para dizer que a candidata estava alheia aos problemas do governo municipal foi extremamente infeliz e inadequado, ao mencionar ‘Eu não sei o que que faz uma assessora especial, se varre ali o chão ou se, enfim…’” (ID 45730806, REL 0600050-15; ID 45728269, REL 0600051-97; ID 45731776, REL 0600052-82; ID 45730660, REL 0600060-59).

Ponderou o julgador que: “O autor tinha ciência de que estava dirigindo suas palavras para TANIA, única candidata mulher, negra e de origem humilde (características declaradas pela própria candidata requerida na contestação). A correlação feita com a atividade de limpeza, portanto, permite interpretação que conduz à conclusão de que a fala carrega valoração preconceituosa contra a condição pessoal da candidata. A manifestação crítica de TANIA, portanto, reflete uma resposta àquilo que foi dito por TARCISIO no debate. A exploração do tema e a afirmação de que a fala é preconceituosa e contra as pessoas mais humildes está dentro dos limites do debate político, pois é possível interpretar dessa forma.” (ID 45730806, REL 0600050-15; ID 45728269, REL 0600051-97; ID 45731776, REL 0600052-82; ID 45730660, REL 0600060-59).

As razões recursais afirmam que “Em outras palavras, o recorrente questionou se as atividades desempenhadas eram de varrição (como exemplo de atividade manual e operacional) porque a candidata não assume responsabilidade política pelas decisões do governo que recentemente integrou”.

Como se vê o próprio recorrente reconhece que, para atenuar o que foi dito, são necessárias “outras palavras”, ou seja, não aquelas que foram ditas. E, por conta disso, após examinar os autos e muito refletir sobre os argumentos do candidato recorrente, concluo que não têm força suficiente para reformar as sentenças as justificativas no sentido de que o recorrente somente questionou se as atividades desempenhadas pela candidata, então ocupante do cargo de assessora especial, eram de varrição apenas para citar um exemplo de atividade manual e operacional. O tom depreciativo é notório e evidente.

Foi devidamente demonstrado que as recorridas não divulgaram fato sabidamente inverídico. Foi tão somente reproduzido trecho do discurso proferido pelo próprio candidato, sendo incabível a exigência de que a fala seja divulgada na íntegra. Não houve descontextualização alguma. Pelo contrário, a narrativa foi plenamente contextualizada. Apenas a integralidade de tudo o que foi dito pelo recorrente não foi utilizada na propaganda das recorridas, providência que seria até mesmo ilógica, porquanto houve clara intenção da candidata opositora de fazer uma contraposição apenas quanto ao ponto da fala considerado por ela, para dizer o mínimo, desrespeitoso.

Se o candidato realmente disse o que está sendo publicado, não há que se falar em divulgação de fato sabidamente inverídico. A candidata, albergada pelos princípios da livre manifestação do pensamento e da liberdade de expressão, utilizou o seu espaço de propaganda para apresentar suas impressões subjetivas e pessoais quanto ao que verdadeiramente foi dito.

Não há como censurar aquele ou aquela que se sentem ofendidos por exprimir o que sentiram e as conclusões alcançadas a partir de uma fala desnecessária e que efetivamente foi dita.

Lidos e relidos os autos, visualizadas as propagandas atacadas, não identifico a ofensa à honra aventada nas razões recursais. A propaganda não é caluniosa, injuriosa ou difamatória. Ela retrata a impressão pessoal da adversária do recorrente quanto a um conteúdo verídico.

Lembro, a propósito, que esta Casa, para esta eleição, assentou que “Afirmações duras e críticas veiculadas no contexto de disputa política, desde que não configuradas como fato sabidamente inverídico ou ofensivo à honra, estão protegidas pela liberdade de expressão e não justificam a concessão de direito de resposta” (TRE/RS, REl 0600021-62, Relator Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, publicado em sessão, 17.9.2024) e que "Para a concessão de direito de resposta, a afirmação deve ser sabidamente inverídica, sem margem para controvérsias ou interpretações políticas diferentes." (TRE/RS, REl 0600182-92, Relator Desembargador Eleitoral Francisco Thomaz Telles, publicado em sessão, 24.9.2024).

Portanto, guiada pela intervenção mínima da Justiça Eleitoral na propaganda eleitoral, entendo incabível direito de resposta contra interpretação subjetiva política e diversa daquela que agradaria o recorrente.

O trecho da fala utilizado na propaganda das recorridas partiu de discurso verdadeiro e incontroverso proferido em debate público pelo candidato, e não cabe exigir que a candidata faça uma nova propaganda para que o recorrente preste explicações sobre a sua intenção a utilizar o verbo “varrer”.

Foram escolhidos pelo candidato, político experiente, no momento do debate, palavras e símbolos para se referir a um cargo público – de forma infeliz e inadequada – sendo legítimo que sua opositora venha a público expressar entendimento pessoal no sentido de ter havido intencional tentativa de desqualificar o seu trabalho enquanto estivera investida no cargo de assessora especial.

Com idêntico raciocínio, a Procuradoria Regional Eleitoral igualmente concluiu pela improcedência dos pedidos de direito de resposta, ressaltando: “não haver afirmação injuriosa, caluniosa, difamatória ou manifestamente inverídica. A crítica contundente de TÂNIA corresponde a uma exposição potencializada do viés extraído da fala de TARCÍSIO (“eu não sei o que faz uma assessora especial, se varre ali o chão ou se, enfim…”), dirigida a ela, o que, na linha bem exposta na sentença, não deve ser sancionada: (…) A propósito, é peculiar das campanhas eleitorais a exposição potencializada das desvirtudes e incongruências dos concorrentes, o que, por si, não torna irregular a manifestação irregular. (ID 45733937, REL 0600050-15. No mesmo sentido: ID 45733938, REL 0600051-97; ID 45734262, REL 0600052-82).

Pode o candidato, se assim desejar, utilizar seu próprio espaço de propaganda para rebater o conteúdo das publicidades que entende indevidas, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário Eleitoral e apresentar as “outras palavras” que entende melhor atender a intenção de sua fala.

Por fim, importa salientar que a Justiça Eleitoral tem fomentado esforços para que candidatos e candidatas mantenham em sua propaganda eleitoral um debate propositivo de ideias, prestigiando a apresentação de propostas de governo em vez de ataques a adversários políticos, medida que em nada beneficia o processo eleitoral e a escolha dos eleitores e das eleitoras.

Desse modo, merece ser mantida a sentença.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento dos recursos.