REl - 0600098-82.2024.6.21.0039 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

 

VOTO

Preliminarmente, analiso a preliminar de não conhecimento do recurso arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral, uma vez que contra a sentença de primeiro grau foi interposto recurso especial com fundamento no art. 105, inc. III, als. “a” e “c”, da CF (Constituição Federal), e do art. 1.029 do CPC (Código de Processo Civil), no lugar do recurso inominado disciplinado pelo art. 265 do Código Eleitoral.

Ao receber o recurso, consignei que das regras previstas no art. 265 do Código Eleitoral e do art. 58 da Resolução TSE n. 23.609/19, da sentença que julga o requerimento de registro de candidatura cabe a interposição de recurso inominado eleitoral, e que, embora o recurso especial interposto seja tempestivo, para o TSE “é inaplicável o princípio da fungibilidade recursal aos erros processuais reputados grosseiros” (AgR–REspEl nº 0600268–11/BA, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 12.11.2020).

A Procuradoria Regional Eleitoral igualmente aponta que houve erro grosseiro na interposição do apelo especial eleitoral e que é inaplicável o princípio da fungibilidade recursal.

Conforme entendimento pacífico no Tribunal Superior Eleitoral, incide o princípio da fungibilidade recursal quando verificada “a ocorrência de (i) dúvida objetiva quanto ao meio recursal a ser exercido contra decisão específica ou (ii) divergência doutrinária ou jurisprudencial acerca do meio recursal adequado para contestar determinada decisão." (TSE, AgR-AI n. 30525, Relator Ministro Luiz Fux, publicação no DJe, 22/05/2018).

Lembro, a propósito, que esta Casa recentemente, a partir do voto do ilustre Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, apontou que “inexiste a possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal ante a ausência de dúvida objetiva patente sobre as hipóteses de cabimento das espécies recursais, pois há previsão legal expressa acerca de qual recurso a ser interposto” (TRE/RS, ED em REl n. 0000038-90, Relator Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Publicação: DJE, 06/09/2023).

Sublinho, ademais, o precedente do Colendo Tribunal de Justiça deste Estado de que caracteriza evidente erro grosseiro a interposição de recurso especial contra sentença:

DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A AÇÃO ORDINÁRIA. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. O recurso cabível contra a sentença que julga improcedente ação ordinária é a apelação cível, e não o recurso especial, nos termos do art. 513 do Código de Processo Civil. Erro grosseiro configurado. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

(TJ/RS - AC: 70048840243, Relator Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, Primeira Câmara Cível, Publicação: Diário da Justiça, 10/09/2012)

Por conseguinte, encontro óbice intransponível para conhecer a tese recursal, pois se faz necessária a observância da jurisprudência consolidada desta Casa e do Tribunal Superior Eleitoral sobre a matéria, concretizando princípios de segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia (art. 927, § 4º, in fine, do CPC).

Desta forma, considerando a impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade na presente hipótese, representando a interposição de recurso especial contra sentença evidente erro grosseiro, impõe-se o não conhecimento do recurso.

Diante do exposto, acolho a matéria preliminar e VOTO pelo não conhecimento do recurso.

DESTACO.

Caso vencida nesta preliminar, passo ao exame do mérito.

Quanto ao mérito, João Luis de Lima Izaguirry recorre do indeferimento de seu registro de candidatura alegando inexistir causa de inelegibilidade posterior a concessão do indulto (ID 45703097)

Não há controvérsia sobre os fatos: reconhece a condenação criminal por delito do art. 171, § 3º, do CP e a extinção da pena pelo indulto em 26.01.2024.

Primeiramente, a sentença se fundamenta na pacífica jurisprudência desta Justiça Especializada a qual aponta que “a existência de condenação criminal pela prática do crime tipificado no art. 171, § 3º, do Código Penal, resta evidenciada a inelegibilidade, não havendo ainda o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, conforme previsão do art. 1º, Inc. I, al. "e", da Lei Complementar n. 64/90.” (TSE - REspEl 0600171-62, Relator Ministro André Mendonça, Publicado no Mural 258634, em 23/09/2024).

Logo, seguindo os precedentes das Cortes Eleitorais, considero que, apesar de empregar todo o cuidado em interpretar restritivamente a limitação aos direitos políticos, incide a causa de inelegibilidade na condenação por delito de estelionato, capitulado no art. 171, § 3º, Código Penal, conforme exige o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, complementado pelo art. 1º, inc. I, al. “e” da Lei Complementar n. 64/90 (com as modificações normativas introduzidas pela “lei da ficha limpa”, Lei Complementar n. 135/10).

De outro lado, para as eleições municipais deste pleito, a partir do brilhante voto do ilustre Desembargador Eleitoral Volnei dos Santos Coelho, esta casa, reafirmando o enunciado da Súmula 61 do TSE, assentou que “A Lei Complementar n. 135/10 (Lei da Ficha Limpa) e suas disposições sobre inelegibilidade são compatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e prevalecem sobre legislações internas que venham a conflitar com seu conteúdo, sendo aplicável a contagem de oito anos de inelegibilidade a partir da extinção da pena” (TRE/RS, REl 0600331-39, Relator Volnei dos Santos Coelho, publicado em sessão, 17/09/2024, grifei).

Reforço ainda que é a partir da concessão de indulto que começa a fluir o prazo de inelegibilidade de oito anos disposto na “lei da ficha limpa”, conforme precedentes desta Corte:

Recurso. Registro de candidatura. Eleições 2012. Cargo de prefeito. Improcedência de impugnação no juízo originário e deferimento do pedido. Irresignação aduazindo que a condenação tipificada no art. 171, § 3º, do Código Penal, incide na hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, letra e, da Lei Complr nº 64/90. Decisão do STF sobre a integral incidência das novas hipóteses materias de inelegibilidade a fatos anteriores à edição do referido diploma legal. Constitucionalidade da Lei Complementar nº 135/10 e inocorrência de ofensa ao princípio da irretroatividade das leis. Reconhecimento do enquadramento da condenação imposta ao recorrente pela prática de estelionato, situação que se amolda ao disposta no art. 1º, inc. I, letra e, nº 1, da Lei Complementar nº 64/90. Apenado beneficiado com a concessão de indulto em 10/02/2012, data equivalente ao cumprimento da pena e da qual começa a fluir a incidência do prazo de inelegibilidade de oito anos. Portanto, o insurgente é inelegível até 10/02/2020, impondo-se o indeferimento do pedido de registro de candidatura. Provimento ao recurso e consequente indeferimento do registro da chapa à eleição majoritária, por força de sua indivisibilidade.

(TRE-RS - RE: 13709 RS, Relator Desembargador Eleitoral Artur dos Santos e Almeida, Publicado em Sessão, 27/08/2012)

Dessa maneira, considerando que o prazo de 8 anos projeta-se após o cumprimento da pena (Súmula 61 do TSE), acompanho integralmente o raciocínio da Procuradoria Regional Eleitoral de que incide a inelegibilidade neste caso, na medida em que é incontroversa a sua condenação pelo crime de estelionato e “o exaurimento da pena se deu em 26 de janeiro de 2024, não tendo transcorrido, evidentemente, o lapso temporal de 8 anos desde aquela data” (ID 45720513, p. 6).

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento deste recurso para manter a sentença, indeferindo o requerimento de registro de candidatura de JOAO LUIS DE LIMA IZAGUIRRY para concorrer ao cargo de prefeito no pleito de 2024, uma vez configurada a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “e”, da Lei Complementar n. 64/90.