REl - 0600400-44.2024.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é regular e tempestivo, de forma que comporta conhecimento.

 

MÉRITO

Conforme relatado, consta que o pedido de registro de candidatura de RUDIMAR MULLER foi impugnado sob o fundamento da existência de causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90.

A aludida inelegibilidade estaria reconhecida com a rejeição pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na Tomada de Contas Especial n. 029.232/2013-9, das contas relativas ao uso de verba federal, especificamente relacionadas a irregularidades na execução do Convênio MMA 2001CV000093, celebrado entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Associação Riograndense de Pequenos Agricultores (ARPA), em 20.12.2001, tendo por objeto a identificação de problemas agroambientais nas pequenas propriedades rurais e formação de agricultores familiares, para a adoção de tecnologias sustentáveis.

Vejamos o que a Lei Complementar n. 64/90 define com relação a este tópico:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[…]

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Como fixado por reiterados julgados do Tribunal Superior Eleitoral, para a incidência da inelegibilidade prevista na al. “g”, inc. I, art. 1º, da LC n. 64/90, é exigível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:

(i) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (ii) decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo; (iii) desaprovação decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa; (iv) não exaurimento do prazo de oito anos contados da publicação da decisão; e (v) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 67036, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação em 19/12/2019).

Necessário, então, verificar se o ora recorrido preenche os requisitos para o reconhecimento da inelegibilidade da al. “g”, inc. I, art. 1º, da LC n. 64/90.

Quanto ao primeiro requisito, é preciso que o gestor esteja no exercício de cargos ou funções públicas. A parte recorrida alega que o regramento da al. “g” da norma legal exige expressamente o exercício de cargo ou função pública, não havendo de forma alguma o que se falar em interpretação extensiva da norma.

Nesse ponto, tenho que não assiste razão ao recorrido. O convênio MMA 2001CV000093, celebrado entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Associação Riograndense de Pequenos Agricultores (ARPA), trata da gestão de recursos voltados exclusivamente para políticas públicas, como a identificação de problemas agroambientais nas pequenas propriedades rurais e formação de agricultores familiares, para a adoção de tecnologias sustentáveis. Portanto, a gestão da entidade, mesmo de natureza jurídica privada, caracteriza exercício de função pública para os fins do art. 1º, inc. I, al. "g", da Lei Complementar n. 64/90, como pode ser extraído da jurisprudência que colaciono:

EMENTA - ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS. FUNÇÃO PÚBLICA. DEFINIÇÃO. AGENTE PÚBLICO. PRESIDENTE DE ASSOCIAÇÃO PRIVADA. GESTOR DE VERBA MUNICIPAL. PRÁTICA DE ATOS PRÓPRIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROVIMENTO. 1. Tratando-se de verba pública municipal a competência para julgamento das contas é do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, abrangendo todos que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário. Inteligência do art. 75, inciso II, da Constituição do Estado do Paraná. Precedentes. 2. Caracteriza-se exercício de função pública para os fins do art. 1º, inciso I, alínea 'g', da Lei Complementar nº 64/90 a atribuição a dirigente de pessoa jurídica de direito privado, mediante convênio com a administração pública, de atos próprios de agente público, mormente para substituí-la na consecução de seus objetivos primários, como ações na área de assistência social, devendo o dirigente, em sua atuação, submeter-se aos princípios que regem a administração pública, em especial a probidade administrativa, e suportar os efeitos políticos decorrentes de sua boa ou má gestão. 3. In casu, configura-se inelegível presidente de associação privada que, mediante celebração de convênio com pessoa jurídica de direito público, recebe atribuições próprias de gestor público e, nessa qualidade, recebe atribuições próprias de gestor público e, nessa qualidade, administra verbas públicas municipais e exerce efetivamente função pública, quando as contas relativas à sua atuação são reprovadas em decorrência de irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, apurado e julgado pelo órgão competente em decisão irrecorrível na esfera administrativa. 4. Recurso conhecido e provido. (TRE-PR - RE: 06000719620206160098 UBIRATÃ - PR 57436, Relator: Des. Thiago Paiva Dos Santos, Data de Julgamento: 26/11/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão) Grifei.

 

Com relação ao segundo quesito, decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo; considerando que o trânsito em julgado da decisão que rejeitou as contas do candidato ocorreu em 02.12.2017, conforme acórdão TCU, fl. 37, ID 405508571, tenho que também presente o enquadramento.

No entanto, melhor sorte não socorre a recorrente quanto à qualificação da desaprovação das contas, a qual deve ser decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa.

O Acórdão TCU que julgou a tomada de contas teve a seguinte redação:

ACÓRDÃO Nº 5506/2017 – TCU – 2ª Câmara 1. Processo nº TC 029.232/2013-9 2. Grupo I – Classe de Assunto: II - Tomada de Contas Especial 3. Responsáveis: Associação Riograndense de Pequenos Agricultores - ARPA (03.210.596/0001-42); e Rudimar Muller (494.869.500-91), ex-Diretor Executivo da ARPA 4. Unidade: Associação Riograndense de Pequenos Agricultores - ARPA 5. Relator: Ministro José Múcio Monteiro 6. Representante do Ministério Público: Procurador Marinus Eduardo De Vries Marsico 7. Unidade Técnica: Secretaria de Controle Externo no Estado do Rio Grande do Sul (Secex-RS) 8. Advogado constituído nos autos: Ricardo Luiz Silva da Silva (OAB/RS 25779) 9. Acórdão: VISTOS, relatados e discutidos estes autos de tomada de contas especial instaurada em função da não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos transferidos à Associação Riograndense de Pequenos Agricultores por meio do Convênio MMA 2001CV000093, tendo por objeto a identificação de problemas agroambientais nas pequenas propriedades rurais e formação de agricultores familiares, para a adoção de tecnologias sustentáveis. ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da 2ª Câmara, diante das razões expostas pelo Relator, e com fundamento nos arts. 1º, inciso I; 12, § 3º; 16, inciso III, alíneas “b” e “c”; 19, caput; 23, inciso III, alíneas “a” e “b”; e 28, inciso II, da Lei 8.443/1992, c/c os arts. 1º, inciso I; 202, § 8º; 209, incisos II e III e § 7º; 210; e 214, inciso III, alínea “a”, do Regimento Interno do TCU, em: 9.1. julgar irregulares as contas da Associação Riograndense de Pequenos Agricultores e de Rudimar Muller, condenando-os, solidariamente, ao pagamento das quantias abaixo discriminadas, fixando-lhes o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, para comprovar, perante este Tribunal, o pagamento da dívida aos cofres do Tesouro Nacional, acrescida de correção monetária e de juros de mora calculados a partir da data da ocorrência até a data do efetivo recolhimento, na forma da legislação em vigor: DATA VALOR (R$) Débito/Crédito 3/1/2002 98.818,00 D 13/11/2002 893,86 C 11/12/2003 4.610,00 C 9.2. autorizar, desde logo, a cobrança judicial da dívida, caso não atendidas as notificações; e 9.3. remeter cópia deste acórdão, bem como do relatório e voto que o fundamentam, à Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul, para conhecimento e providências no âmbito de sua competência. 10. Ata n° 21/2017 – 2ª Câmara. 11. Data da Sessão: 20/6/2017 – Ordinária. 12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-5506-21/17-2.

De modo a evitar indevida tautologia, reproduzo apenas parcialmente a sentença, neste ponto, em razão do seu poder de síntese:

Aquilo que, agora, mais de 20 anos depois, em interpretação extensiva da condição do agente, pretende-se que seja tomado para tornar o impugnado inelegível, passou sem qualquer demanda judicial que reconhecesse que procedera de forma a caracterizar improbidade administrativa, com as sanções então próprias à espécie (inclusive de inelegibilidade), com tal inércia podendo até mesmo ser compreendida como reconhecimento, por aqueles legitimados à ação de improbidade administrativa (em especial o MP), da inexistência de motivo até mesmo para a propositura da mencionada ação judicial.

E, mesmo que desnecessário, parece prudente anotar que ações de improbidade administrativa tem regramento legal específico (Lei 8429/92 – que inclusive consagra benefícios processuais, tais como o “acordo de não persecução civil” – art. 17-B) e não são de competência da Justiça Eleitoral!

Nesse cenário, então, pretender que se declare inelegível cidadão que atuou em pessoa jurídico de direito privado, por atos nessa condição promovidos há mais de 20 anos e que não ensejaram nem mesmo ação de improbidade administrativa, tem de ser tomado como mero desejo de alijar da disputa eleitoral o mencionado cidadão - o que tem de ser recusado pela Justiça eleitoral.

 

Como constou na decisão do Tribunal de Contas da União e no excerto da sentença recorrida, acima transcrita, não está demonstrado o dolo no comportamento do gestor que teve as contas rejeitadas.

Especificamente em relação ao ato doloso de improbidade, a Lei n. 14.230/21 alterou o panorama de incidência da inelegibilidade por desaprovação de contas públicas, passando a ser exigido o dolo específico, em superação ao dolo genérico (RO n. 0601046–26/PE, redator para o acórdão o Ministro Ricardo Lewandowski, PSESS em 10.11.2022).

Ressalto, ainda, que TCU determinou a remessa de cópia daquele julgado, bem como do relatório e voto que o fundamentam, à Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul, para conhecimento e providências no âmbito de sua competência. Não há notícia nos autos de qualquer providência adicional adotada pelo Órgão destinatário.

Portanto, não decisão que consigne expressamente a constatação de dolo (específico, ou, até mesmo, genérico), não sendo admissível tal presunção pela Justiça Eleitoral. Ademais, a jurisprudência do TSE fixou tese ao exigir dolo específico para a incidência da inelegibilidade por rejeição de contas.

ELEIÇÕES 2022. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, G, DA LC 64/1990. NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE ANÁLISE PRÉVIA PELO ÓRGÃO DE CONTAS. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. DESPROVIMENTO DO AGRAVO. 1. O parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas mostra–se imprescindível para o julgamento das contas do Chefe do Executivo Municipal. 2. Circunstâncias ou fatos alheios à manifestação da Corte de Contas não são aptas a amparar a rejeição das contas, ante a ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, razão pela qual não incide a inelegibilidade constante no art. 1º, I, g, da LC 64/1990. 3. O Tribunal Superior Eleitoral assentou, para as Eleições 2022, a necessidade de dolo específico para configurar a causa de restrição prevista na aludida alínea g, ausente na espécie. Precedente. 4. Agravo interno desprovido. (TSE - RO-El: 060103594 RECIFE - PE, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 09/02/2023, Data de Publicação: 14/03/2023)

Assim, concluo por não estar caracterizada, no caso, a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al.“g” da Lei Complementar n. 64/90.

Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso do Diretório Municipal do PARTIDO LIBERAL de Cruzeiro do Sul, mantendo a sentença em sua íntegra.