REl - 0600294-21.2024.6.21.0017 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é adequado e tempestivo. Atende os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço e passo a analisá-lo.

 

MÉRITO

No mérito, a controvérsia cinge-se à necessidade de desincompatibilização ou não do cargo de Presidente do Conselho Municipal Povo de Terreiro de Cruz Alta.

O registro da candidata foi indeferido, pois a magistrada considerou que a impugnada exercia de fato e de direito a função equiparada a servidor público pela legislação eleitoral.

Examinadas as razões do recurso, antecipo que assiste razão à recorrente.

A matéria está disciplinada no art. 1º, II, al. l, da LC n. 64/90.

Art. 1º. São inelegíveis:

l) os que, servidores públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo Poder Público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais; Grifei.

Consoante disposto no art. 1º, II, al. l, da LC n. 64/90, são inelegíveis os servidores públicos que não se afastarem até 3 meses anteriores ao pleito.

Essa causa de inelegibilidade, segundo o c. Tribunal Superior Eleitoral, “visa coibir que os candidatos se valham da máquina administrativa em benefício próprio, circunstância que, simultaneamente, macularia os princípios fundamentais reitores da administração pública, vulneraria a igualdade de chances entre os players da competição eleitoral e amesquinharia a higidez e a lisura das eleições.”

Por tal razão a Constituição Federal reservou a matéria à Lei Complementar, com o “fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, § 9º).

O instituto da desincompatibilização encontra supedâneo, portanto, na garantia da isonomia entre os candidatos na disputa das eleições.

No entanto, as causas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente, a fim de que não alcancem situações não contempladas pela norma e para que se evite a criação de restrição de direitos políticos sob fundamentos frágeis e inseguros, como a possibilidade de dispensar determinado requisito da causa de inelegibilidade, ofensiva à dogmática de proteção dos direitos fundamentais.

As regras que preveem a inelegibilidade não podem sofrer alargamento por meio de interpretação extensiva, desconsiderando as peculiaridades e a situação real do cidadão, segundo a materialidade do caso analisado, sob pena de obstruir o seu direito constitucional de lançar-se na disputa do certame eleitoral.

Colho, nesse sentido, do parecer da diligente Procuradoria Regional Eleitoral a lição de José Jairo Gomes acerca da equiparação do membro de conselho municipal a servidor público:

É variado o número de entidades a que se atribui a natureza de “Conselho” e “Comitê”. Nem todas, porém, impõem a desincompatibilização de seus dirigentes para a disputa eleitoral. Em geral, a desincompatibilização se faz necessária somente quando a entidade é dotada de algum tipo de poder político estatal ou gerência dinheiro oriundo do erário. (...) De outro lado, tem-se negado a necessidade de desincompatibilização de membro (ainda que participe da diretoria) de órgão meramente opinativo, tais como Conselho de Turismo (TSE – REspe no 22.433/SP – DJ 8-9-2004 – decisão monocrática do relator), Conselho de Desenvolvimento (REspe no 15.067/BA – DJ 6-3-1998, p. 70), Comitê de Bacia Hidrográfica (TSE – Res. no 22.238/2006 – DJ 6-7-2006, p. 2).

As atribuições do Conselho Municipal do Povo de Terreiro de Cruz Alta, definidas no art. 2º da Lei Municipal n. 3340/21, conforme ID 45705016, são:

I – definir diretrizes para formulação das políticas públicas direcionadas a atender o Povo de Terreiro estabelecido em suas comunidades;

II – propor a instituição de programa estratégico de implementação de políticas públicas para o povo de terreiro;

III – acompanhar a execução das políticas públicas voltadas ao povo de terreiro e à comunidade em geral e propor orientações;

IV – propor à Chefia do Poder Executivo a convocação a cada 2 (dois) anos, da Conferência Municipal do Povo de Terreiro de Cruz Alta;

V – promover encontros, seminários e audiências públicas em prol da garantia de direitos do povo de terreiro;

VI – interagir com demais conselhos, com vista a estabelecer a transversalidade os temas na elaboração das políticas públicas voltadas ao povo de terreiro; e

VII – elaborar e aprovar o seu Regimento Interno.

Observa-se que as atribuições do conselho não denotam exercício de efetivo Poder Estatal, não define ou executa política pública, muito menos fiscaliza. Seus integrantes não recebem remuneração do Estado e tampouco administram recursos públicos.

Considerando que a capacidade eleitoral passiva é um direito fundamental que deve ser resguardado, não podendo ser ela afastada, efetivamente, sob o manto de uma indevida interpretação por analogia, entendo que não se pode equiparar a função de membro de conselho municipal a de um servidor público ordinário, sem considerar as particularidades apresentadas no caso concreto.

Destaco, nesse sentido, ementa de julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2022. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. ART. 1º, II, L, DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CONSELHO MUNICIPAL. MEMBRO TITULAR. AUSÊNCIA DE AFASTAMENTO. ATIVIDADES DE IMPLEMENTAÇÃO, ACOMPANHAMENTO E FISCALIZAÇÃO DO PLANO DIRETOR LOCAL. IMPACTO NO COTIDIANO DA COMUNIDADE. RELEVÂNCIA ELEITORAL. NÃO PROVIMENTO. 1. O membro titular de conselho municipal, cuja atribuição não seja meramente consultiva, mas imbricada à execução de políticas públicas, notadamente aquelas que impactam o cotidiano da comunidade local, fica sujeito à regra do art. 1º, II, l, da Lei Complementar n. 64/90, devendo se desincompatibilizar, a fim de concorrer a cargo eletivo. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral. (...) Recurso Ordinário Eleitoral nº060054103, Acórdão, Min. Carlos Horbach, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 29/09/2022

Nesse sentido, tendo em conta as atribuições da candidata no Conselho Municipal “Povo de Terreiro de Cruz Alta”, desprovidas de poder político estatal ou gerência de recursos públicos, entendo que não há necessidade desincompatibilização no prazo de 3 (três) meses anteriores ao pleito, de modo a resguardar direito fundamental relativo à capacidade eleitoral passiva.

Face ao exposto, VOTO em DAR PROVIMENTO ao recurso de ANGELA MARIA BASSAN, ao efeito de julgar improcedente a impugnação e deferir o pedido de registro de candidatura para concorrer ao cargo de vereadora em Cruz Alta.