REl - 0600648-58.2024.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é regular e tempestivo, de forma que comporta conhecimento.

Consta que o pedido de registro de candidatura de PIERRE EMERIM DA ROSA foi impugnado sob o fundamento da existência de causa de inelegibilidade do art. 1º, I, al. “g”, da LC n. 64/90.

A aludida inelegibilidade relaciona-se com a rejeição, pelo TCU (Tomada de Contas Especial n. 005.248/2023-0), das contas relativas ao uso de verba federal – Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome destinada ao Município de Imbé/RS.

A Lei Complementar n. 64/90 define que são inelegíveis:
 

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[…]

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável  que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos  8 (oito)  anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

A doutrina eleitoral de Rodrigo Lopez Zílio (2024 – p. 309) assim discorre sobre o tema:

 

(…) é imprescindível um juízo de desvalor negativo do respectivo órgão decisor sobre as contas, a “mera inclusão do nome do agente público na lista remetida `Justiça Eleitoral pelo Órgão de Contas, nos termos do §5º do art. 11 da lei nº 9.504/97, não gera, por si só, presunção de inelegibilidade e nem com base nela se pode afirmar ser elegível o candidato, por se tratar de procedimento meramente informativo” (TSE – AgR-Resp nº 427-81/RS – j. 28.03.2017 – DJE 11.04.2017). Vale dizer, o caráter informativo da relação encaminhada pelo Tribunal de Contas à Justiça Eleitoral, por exigência da Lei nº 9.504/1997, indica que sua finalidade é tão somente de anotação para que os legitimados, no prazo e procedimento apropriado, possam eventualmente buscar o indeferimento do registro de determinado candidato.

 

Como bem fixado em decisão do TSE, para a incidência da inelegibilidade prevista na al. “g”, inc. I, art. 1º, da LC n.  64/90, é exigível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:

 

(i) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (ii) decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo; (iii) desaprovação decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa; (iv) não exaurimento do prazo de oito anos contados da publicação da decisão; e (v) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 67036, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação em 19/12/2019).

 

De modo a evitar indevida tautologia, reproduzo apenas parcialmente a sentença, neste ponto, em razão do seu poder de síntese:

 

Conforme já relatado, no art. 1º, inciso I, alínea "g" da Lei Complementar nº 64/90 é exigido que seja aferido dolo no comportamento do gestor público que teve as contas reprovadas. Compulsando a Lei 8.429/1992 em seu art. 11, § 1º determina que somente haverá improbidade administrativa quando for comprovado que a conduta do agente público se deu a fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa. A jurisprudência vem sendo francamente majoritária no sentido de considerar que erro grosseiro deve ser considerado como culpa grave.

ISTO POSTO, ACOLHO INTEGRALMENTE a manifestação do Ministério Público Eleitoral e JULGO IMPROCEDENTE a impugnação e a notícia de inelegibilidade propugnada nos presentes autos, uma vez que ausente o pressuposto do dolo na conduta do prestador de contas PIERRE EMERIM DA ROSA no julgamento de contas proferido pelo Tribunal de Contas da União, juntado aos presentes autos.

Decidida improcedente a impugnação e a notícia de inelegibilidade apresentadas nos autos e atendidos os requisitos legais JULGO DEFERIDO o pedido de registro de candidatura de PIERRE EMERIM DA ROSA ao cargo de Prefeito no município de Imbé.

 

Como constou na decisão acima transcrita, não demonstrado o dolo no comportamento do gestor público que teve as contas rejeitadas.

Especificamente em relação ao ato doloso de improbidade, a Lei n. 14.230/21 alterou o panorama de incidência da inelegibilidade por desaprovação de contas públicas, passando a ser exigido o dolo específico, em superação ao dolo genérico (RO n. 0601046–26/PE, redator para o acórdão o Ministro Ricardo Lewandowski, PSESS em 10.11.2022).

Nesse ponto, acolho os fundamentos do parecer ministerial com atuação no juízo a quo (ID 45724593) que traz à baila a distinção entre dolo e “culpa grave” feita pelo próprio órgão julgador administrativo.

O TCU considerou que a conduta praticada pelo candidato, ausência de documentação na prestação de contas da verba federal recebida, foi resultante de um "erro grosseiro", o qual pode ser equiparado a uma ideia de "culpa grave", conforme abaixo transcrito:

(...) 38. Cumpre avaliar, por fim, a caracterização do dolo ou erro grosseiro, no caso concreto, tendo em vista a diretriz constante do art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 (Lei de Introdução à Normas do Direito Brasileiro - LINDB) acerca da responsabilização de agentes públicos no âmbito da atividade controladora do Estado. Desde a entrada em vigor da Lei 13.655/2018 (que inseriu os artigos 20 ao 30 ao texto da LINDB), essa análise vem sendo incorporada cada vez mais aos acórdãos do TCU, com vistas a aprimorar a individualização das condutas e robustecer as decisões que aplicam sanções aos responsáveis.

39. Acerca da jurisprudência que vem se firmado sobre o tema, as decisões até o momento proferidas parecem se inclinar majoritariamente para a equiparação conceitual do ‘erro grosseiro’ à ‘culpa grave’. Para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, tem-se considerado como erro grosseiro o que resulta de grave inobservância do dever de cuidado e zelo com a coisa pública (Acórdão 2391/2018-TCUPlenário, Relator: Benjamin Zymler, Acórdão 2.924/2018-Plenário, Relator: José Mucio Monteiro, Acórdão 11.762/2018-2ª Câmara, Relator: Marcos Bemquerer, e Acórdãos 957/2019, 1.264/2019 e 1.689/2019, todos do Plenário, Relator Augusto Nardes).

40. Quanto ao alcance da expressão ‘erro grosseiro’, o Ministro Antônio Anastasia defende que o correto seria considerar ‘o erro grosseiro como culpa grave, mas mantendo o referencial do homem médio’ (Acórdão 2012/2022 – Segunda Câmara). Desse modo, incorre em erro grosseiro o gestor que falha gravemente nas circunstâncias em que não falharia aquele que emprega um nível de diligência normal no desempenho de suas funções, considerando os obstáculos e dificuldades reais que se apresentavam à época da prática do ato impugnado (art. 22 da LINDB).

41. No caso em tela, as irregularidades consistentes na ‘ausência parcial de documentação de prestação de contas dos recursos federais repassados ao município de Imbé - RS, no âmbito do Transferências Legais – 2018’ configuram violação não só às regras legais: art. 37, caput, c /c o art. 70, parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil, art. 93 do Decreto-lei 200/1967; art. 66, caput, do Decreto 93.872 /1986, Portaria MDS nº 113, de 10 de dezembro de 2015, mas também a princípios basilares da administração pública. Depreende-se, portanto, que a conduta do responsável se distanciou daquela que seria esperada de um administrador médio, a revelar grave inobservância no dever de cuidado no trato com a coisa pública, num claro exemplo de erro grosseiro a que alude o art. 28 da LINDB (Acórdão 1689/2019-TCU-Plenário, Relator Min. Augusto Nardes; Acórdão 2924 /2018-TCU-Plenário, Relator Min. José Mucio Monteiro; Acórdão 2391 /2018-TCUPlenário, Relator Min. Benjamin Zymler).

 

Portanto, o órgão julgador consignou expressamente em sua decisão a constatação de erro grosseiro, não sendo admissível a presunção de dolo pela Justiça Eleitoral. Ademais, a jurisprudência do TSE fixou tese ao exigir dolo específico para a incidência da inelegibilidade por rejeição de contas.

 

ELEIÇÕES 2022. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, G, DA LC 64/1990. NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE ANÁLISE PRÉVIA PELO ÓRGÃO DE CONTAS. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. DESPROVIMENTO DO AGRAVO. 1. O parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas mostra–se imprescindível para o julgamento das contas do Chefe do Executivo Municipal. 2. Circunstâncias ou fatos alheios à manifestação da Corte de Contas não são aptas a amparar a rejeição das contas, ante a ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, razão pela qual não incide a inelegibilidade constante no art. 1º, I, g, da LC 64/1990. 3. O Tribunal Superior Eleitoral assentou, para as Eleições 2022, a necessidade de dolo específico para configurar a causa de restrição prevista na aludida alínea g, ausente na espécie. Precedente. 4. Agravo interno desprovido. (TSE - RO-El: 060103594 RECIFE - PE, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 09/02/2023, Data de Publicação: 14/03/2023)

 

Assim, não está caracterizada a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g” da Lei Complementar n. 64/90.

Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso, mantendo a sentença em sua íntegra.