REl - 0600353-73.2024.6.21.0125 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de analisar recurso interposto por Vivane Franz Stevens contra sentença que julgou procedente a ação de impugnação proposta pelo Ministério Público Eleitoral e indeferiu o seu registro para disputar o cargo de vereadora no pleito de 2024, ao reconhecer causa de inelegibilidade constitucional reflexa, na forma do enunciado da Súmula vinculante n. 18 do STF: "A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14 da Constituição Federal" (ID 45697178).

Primeiramente, sublinho que restou incontroverso o vínculo matrimonial que a recorrente manteve até 20.9.2023, de fato, e até 09.7.2024, de direito, com Germano Stevens, atual prefeito e candidato a reeleição de Imigrante/RS, circunscrição eleitoral sob a qual pretende concorrer, o qual não se desincompatibilizou de seu cargo nos seis meses antes da eleição deste ano.

Em suas razões recursais, alega inaplicabilidade da Súmula vinculante n. 18 do STF, pois distinguiria do precedente da Corte Suprema na medida em que: a) concorre para cargo diverso, vereadora; b) efetiva dissolução do grupo familiar; c) rompimento do vínculo conjugal no primeiro mandato; d) ausência de simulação (ID 45697185).

Contudo, os fundamentos fáticos ora examinados se aproximam daqueles verificados no caso líder, o Recurso Extraordinário n. 568.596, originário de Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED), relatado pelo Exmo. Ministro Ricardo Lewandowski, fonte da Súmula vinculante n. 18 do STF:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. ELEGIBILIDADE DE EX-CÔNJUGE DE PREFEITO REELEITO. CARGO DE VEREADOR. IMPOSSIBILIDADE. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO. SEPARAÇÃO JUDICIAL NO CURSO DO SEGUNDO MANDATO ELETIVO. SEPARAÇÃO DE FATO NO CURSO DO PRIMEIRO MANDATO ELETIVO. OPORTUNA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. INOCORRÊNCIA. RE DESPROVIDO 

I - A dissolução da sociedade conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da CF. 

II - Se a separação judicial ocorrer em meio à gestão do titular do cargo que gera a vedação, o vínculo de parentesco, para os fins de inelegibilidade, persiste até o término do mandato, inviabilizando a candidatura do ex-cônjuge ao pleito subseqüente, na mesma circunscrição, a não ser que aquele se desincompatibilize seis meses antes das eleições. 

III - Recurso extraordinário desprovido.

(STF, RE 568596, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, publicação em 21-11-2008)

Ao revisitar as razões de decidir do Ministro Ricardo Lewandowski do julgado paradigma, verifico que, no cenário descortinado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, declarou-se a inelegibilidade reflexa considerando a seguinte sucessão de eventos: separação de fato em 2000; sentença de separação judicial em 24.9.2001; conversão em divórcio em 07.4.2003; eleição para o cargo de vereadora em 2004, não tendo o ex-cônjuge se desincompatibilizado do cargo de Prefeito.

“Consta dos autos, e também do sítio eletrônico do TSE, que Osmando Pereira da Silva, ex-marido da recorrente, foi Prefeito do Município de Itaúna, Minas Gerais, de 1997 a 2000, sendo reeleito para o período de 2001 a 2004. Consta, ainda, que a separação de fato do casal ocorreu em 2000, e que a sentença de separação judicial foi prolatada em 24/9/2001, ocorrendo a sua conversão em divórcio na data de 7/4/2003, conforme consta do acórdão do TRE/MG (fls. 100), quer dizer, antes do término do segundo mandato do consorte.

A recorrente, por sua vez, foi eleita vereadora em 2004, para o período de 2005 a 2008, estando ainda no exercício do cargo, por força de cautelar que, aos 3/10/2007, deu efeito suspensivo ao presente recurso extraordinário.

Bem examinados os autos, verifico que se está diante da conhecida hipótese de inelegibilidade reflexa por motivo de parentesco.

(...)

Não há falar, portanto, em elegibilidade da recorrente, dado que a separação de fato do casal ocorreu durante o primeiro mandato do então Prefeito e a dissolução da sociedade conjugal, depois convertida em divórcio, durante o segundo mandato, não havendo o Prefeito, seu ex-marido, se desincompatibilizado seis meses antes do pleito.

Assim, forçoso é concluir que o vínculo conjugal - no sentido que lhe empresta a jurisprudência nessas hipóteses - perdurou ao longo de toda a gestão de seu ex-cônjuge na Prefeitura, inviabilizando a candidatura da recorrente, no pleito subseqüente, ao cargo de vereadora no mesmo Município.”

(razões de decidir, STF, RE 568596, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, publicação em 21-11-2008, grifei, sublinhei)

Noto, a propósito, nas razões de decidir supracitadas, o reconhecimento expresso da separação de fato sem qualquer pecha de fraude ou de simulação, mas tão só a permanência do vínculo jurídico matrimonial para fins de inelegibilidade.

Desta forma, se amoldam ao precedente vinculante do Supremo Tribunal Federal os fatos incontroversos desta ação: separação de fato em 20.9.2023; divórcio judicial em 09.7.2024; candidatura ao cargo de vereadora, não tendo o ex-cônjuge Germano Stevens, atual prefeito e candidato a reeleição de Imigrante/RS, se desincompatibilizado de seu cargo nos seis meses anteriores à eleição deste ano.

Reforço que o Tribunal Superior Eleitoral reformou o julgado do Tribunal Regional Eleitoral Mineiro n. 220-77.2012.6.13.0186, trazido pela defesa, para assentar "a suposta ausência de fraude à lei quanto à dissolução da sociedade conjugal é irrelevante” para determinar a inelegibilidade constitucional reflexa:

RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE REFLEXA. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EX-CÔNJUGE ELEITO E REELEITO PREFEITO NO MESMO MUNICÍPIO. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADECONJUGAL NO CURSO DO SEGUNDO MANDATO. IRRELEVÂNCIA. PROVIMENTO.

1.  O TSE, interpretando sistematicamente o art. 14, §§ 5º e 7º, da CF/88, consignou que o cônjuge e os parentes dos Chefes do Poder Executivo são elegíveis para o mesmo cargo, no período subsequente, desde que os titulares dos mandatos sejam reelegíveis e tenham renunciado ao cargo ou falecido até seis meses antes do pleito. Precedentes.

2.  No caso dos autos, considerando que o ex-cônjuge da recorrida não é reelegível para o cargo de prefeito do Município de São João do Paraíso/MG nas Eleições 2012 - por ter sido eleito e exercido o mandato nas duas eleições imediatamente anteriores - a suposta ausência de fraude à lei quanto à dissolução da sociedade conjugal é irrelevante.

3. Recursos especiais providos para indeferir o pedido de registro de candidatura de Mônica Cristine Mendes de Sousa ao cargo de prefeito do Município de São João do Paraíso/MG nas Eleições 2012.

(TSE, AgR em REspEl n. 22077, Relator Ministro Marco Aurélio, Publicado em Sessão, 27/11/2012, grifei).

Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal confirmou a decisão do TSE, nos termos das razões de decidir do voto do Excelentíssimo Ministro Ricardo Lewandowski no agravo regimental na ação cautelar 3.311, assentado que "a inelegibilidade preconizada no enunciado da referida Súmula é objetiva" e que, portando, "a discussão quanto à existência de fraude é irrelevante" (STF, AgR - AC 3.311 AgR, Relatoria Ministro Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, publicação DJE 63 de 8-4-2013):

Como se observa, a inelegibilidade preconizada no enunciado da referida Súmula é objetiva, isto é, se a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal ocorrer apenas no transcorrer do segundo mandato do então prefeito, o cônjuge, tal como o ex-mandatário com quem mantinha o vínculo matrimonial, mantém-se inelegível para disputar o cargo de chefe do Executivo municipal para o pleito subsequente. Pouco importa, portanto, se houve ou não anterior separação de fato deflagrada no primeiro mandato exercido por seu ex-marido.

Além disso, a discussão quanto à existência de fraude é irrelevante, pois, como dito, a hipótese descrita na súmula exige o preenchimento de circunstância objetiva, requerendo para sua configuração, tão somente, a ocorrência da dissolução do vínculo conjugal no curso do mandato, como de fato ocorreu no caso ora em exame.
(razões de decidir, STF, AgR - AC 3.311 AgR, Relatoria Ministro Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, publicação DJE 63 de 8-4-2013, grifei)

Quanto aos demais julgados colacionados na peça recursal, os términos dos vínculos conjugais não são contemporâneos com o atual mandato do detentor do Cargo de Chefe do Poder Executivo. Portanto, não se aplicam na hipótese dos autos.

Por conseguinte, a sentença encontra abrigo na pacífica jurisprudência assentada sobre a matéria, motivo pelo qual acompanho integralmente o raciocínio da Procuradoria Regional Eleitoral de que “Não se trata de afirmar a existência de fraude ou simulação na dissolução do vínculo conjugal, mas de se constatar que não há prova robusta que justifique sustentar a distinção pretendida pela recorrente” (ID 45707492, p. 5).

Quanto aos fatos presentes neste caso em concreto, sublinho ainda as precisas observações da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que: “1) a recorrente está concorrendo por partido (PDT) que integra, na chapa majoritária, a mesma coligação pela qual seu ex-cônjuge está disputando a reeleição; 2) a dissolução de fato é sustentada por meros prints de tela não acompanhados de ata notarial, de imagens (ID 45697108, p.3) e passagens (ID 45697112) que não provam, estreme de dúvidas, a extinção absoluta do vínculo; e 3) a ação de divórcio foi ajuizada apenas em julho/24, ou seja, 1 mês antes do início do processo eleitoral, às vésperas das convenções partidárias.” (ID 45707492, p. 4).

Logo, não procede a distinção feita pela recorrente ao julgado paradigma, devendo o Juízo Eleitoral e este Tribunal, por força do art. 927, inc. II, do CPC, observarem obrigatoriamente o enunciado da Súmula vinculante n. 18 do STF.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a sentença que julgou procedente a ação de impugnação e indeferiu o registro de candidatura de VIVIANE INEZ FRANZ STEVENS para concorrer ao cargo de vereadora no pleito de 2024.