REl - 0600229-08.2024.6.21.0023 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 02/10/2024 às 14:00

Com a mais respeitosa vênia ao fundamentado voto do nobre Relator, apresento divergência, conforme os argumentos adiante alinhados.

A Lei das Eleições, de acordo com a redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015, assim disciplina:

Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.

(...)

§ 3o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.

(...)

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei.

(...)

§ 2o Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.

§ 3o O disposto no § 2o não se aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão.

(Grifo nosso)

Ao mesmo tempo, estabelece o art. 3º-A da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

Parágrafo único. O pedido explícito de voto não se limita ao uso da locução "vote em", podendo ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

(Grifo nosso)

Na espécie, a pretensa propaganda antecipada ocorreu em entrevista a veículo de comunicação (Rádio Repórter 93.9 FM de Ijuí - programa Fatorama, apresentado pelo Jornalista Zalmir Soares). Trata-se, pois, de declarações prestadas em meio de comunicação que entrevistou pré-candidatos às Eleições Municipais de Ijuí. Não se trata de ato promovido pelo pré-candidato.

A entrevista foi concedida pelo pré-candidato (Gilson Cardoso) e por representante do partido (Paulo Lopes).

De toda a fala do pré-candidato - e a entrevista durou cerca de quinze minutos -, a representação pinçou apenas um pequeno trecho no qual teria identificado propaganda antecipada indevida:

[Entrevistador] Aí está o Gilson Cardoso, um dos pré-candidatos à legislatura municipal pelo Partido dos Trabalhadores, né, nas eleições desse ano. Convenção agora no mês de julho, que deve, então, oficializar essas candidaturas aí, né, Paulo? 

[Paulo Lopes] É, agora vai ter a convenção, então a gente, né, já está toda alinhada, alinhada. Então, vamos seguir a luta operária, como se fala. 

…

[Gilson Cardoso] Como pré-candidato, né, quero agradecer aqui o Paulo, mais uma vez agradecer você, agradecer a rádio, né, e tenho certeza que, pelo conhecimento que a gente tem, amigos e conhecidos, se cada um nos puxar cinco votos, nós estamos lá dentro, pra brigar por aquelas coisas que, realmente, o povo precisa. Porque o político, o político, ele tem que trabalhar pro povo, né. 


 

Pertinente transcrever acerca do tema trecho do voto do Min. Edson Fachin, proferido no REspe n. 0600227-31.2018.6.17.0000 (DJE -Diário de justiça eletrônico, Número 123, Data 01.07.2019, Página 214).

A interpretação do art. 36-A da Lei nº 9.504/97 exige uma compreensão do regime jurídico da propaganda eleitoral sem as alterações promovidas pela Lei nº 12.034/2009, especialmente no período anterior à campanha.

Nas eleições anteriores a 2010, havia total proibição de propaganda eleitoral antes do dia 5 de julho (posteriormente modificado para o dia 15 de agosto), de modo que nenhuma referência à pretensão a um cargo eletivo poderia ser manifestada, à exceção da propaganda intrapartidária, com vistas à escolha em convenção.

A jurisprudência do TSE alcançava, também, a divulgação de fatos que levassem o eleitor a não votar em determinada pessoa, provável candidato, caracterizando-se o ato como propaganda eleitoral antecipada, negativa. Da mesma forma, era coibida a mensagem propagandística subliminar ou implícita que veiculasse eventual pré-candidatura, como a referência de que determinada pessoa fosse a mais bem preparada para o exercício de mandato eletivo.

A partir das eleições de 2010, porém, criou-se a figura do pré-candidato, sendo lícita a sua participação em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não houvesse pedido de votos, exigindo-se das emissoras de rádio e de televisão apenas o dever de conferir tratamento isonômico.

Nas eleições de 2014, a Lei nº 12.891/2013 ampliou a possibilidade do debate político-eleitoral, permitindo a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar de planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições. Além disso, tornou lícita a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, retirou a proibição de menção a possível candidatura, vedando apenas o pedido de votos.

Nas eleições de 2016, a pré-campanha foi consideravelmente ampliada, pois a Lei nº 13.165 /2015 permitiu a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, além de diversos atos que podem ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet, com a única restrição de não haver pedido explícito de voto. Ou seja, à exceção dessa proibição, não há, atualmente, uma diferença substancial para os atos de propaganda antes e depois do chamado "período eleitoral" que se inicia com as convenções dos partidos políticos.

Essa mudança legislativa gerou muito debate na doutrina, relativamente ao seu alcance e limites, projetando-se sobre a compreensão interpretativa conferida pela jurisprudência.

Aliás, minha posição inicial, manifestada no julgamento do AgR-AI nº 9-24/SP, se orientava pela imposição de limites mais estreitos, de modo que o contexto em que são veiculadas as mensagens da propaganda seria relevante para caracterizar o pedido explícito de voto que não estaria circunscrito às expressões clássicas, tangenciando o "vote em mim". Naquele julgado, porém, o TSE decidiu, em sentido contrário e por maioria apertada, que o pedido explícito de votos somente restaria caracterizado quando houvesse o emprego, na expressão do Ministro relator Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, tomada de empréstimo de Aline Osório (Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017) de "palavras mágicas" como "vote em", "vote contra", "eleja" etc., restando descartada a utilização do "contexto conceitual explícito", como pretendia o Ministro Admar Gonzaga.

A principal razão do dissenso doutrinário e jurisprudencial tem origem no efeito derrogatório operado pela Lei nº 13.165/2015 sobre a consolidada jurisprudência que se formou no passado que vedava a propaganda extemporânea subliminar, aliado à própria falta de tecnicismo do art. 36-A.

Com efeito, apesar de a lei permitir a realização de propaganda antes do período eleitoral, com a vedação apenas do pedido explícito de voto, o caput do artigo inicia sua dicção com a cláusula de que esses atos típicos de campanha "não configuram propaganda eleitoral antecipada".

Revela-se, aqui, de forma evidente, que a destacada expressão tem apenas a pretensão de afastar a ilicitude reconhecida no passado que sancionava a "propaganda eleitoral antecipada". Antes da modificação legislativa, era comum a identificação do ilícito de "propaganda eleitoral antecipada", havendo grande debate sobre sua caracterização, nas hipóteses de "propaganda negativa". Havia, portanto, uma compreensão de que todo ato de divulgação de candidatura, anterior ao período crítico, era ilícito, daí a manifesta intenção do legislador em deixar evidente sua ampla permissão, a partir da reforma eleitoral de 2015.

O art. 36-A, portanto, não objetiva modificar o conceito de "propaganda", já amplamente aceito pelo TSE, como o ato que "leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública" (Recurso Especial Eleitoral nº 161-83, Relator Ministro Eduardo Alckmin, DJ de 31.3.2000, p. 126).

Sua intenção é alterar o modal deôntico de proibido para permitido, por meio do afastamento da ilicitude verificada anteriormente.

Assim, aquele que, a título de exemplo, no período de pré-campanha, exalta suas qualidades pessoais, sem pedido explícito de voto, está realizando atos de propaganda eleitoral. No entanto, por força do novo art. 36-A da Lei das Eleições, não está mais sujeito a qualquer tipo de sanção, haja vista a superveniência do permissivo legal. Ainda que se possa admitir tratar-se de ato "pré-eleitoral", não há como negar que seja um ato típico de propaganda.

Portanto, na quadra atual, há ampla permissão à realização de atos de propaganda, com indicação da intenção de concorrer a algum cargo eletivo e exaltação das qualidades do respectivo candidato. É patente que o legislador não teve a intenção de mudar o conceito de propaganda, por meio de uma ficção jurídica, negando este caráter àquele que, prematuramente, indica sua intenção de disputar um cargo eletivo. O objetivo foi apenas retirar a sanção que alcançava aqueles que levavam ao conhecimento geral a intenção de concorrer.

Em resumo, os atos de pré-campanha constituem propaganda eleitoral antecipada, agora, porém, sem sancionamento, desde que não sejam acompanhados de pedido explícito de votos.

Porém, a ampliação do período de discussão das alternativas para o eleitor não esgota os problemas de ordem jurídica, pois o Direito Eleitoral é informado por outros princípios e limites que também devem ser observados no período de pré-campanha. Aliás, como tenho afirmado, a inexistência de limites importa na supressão da própria liberdade e na consagração do abuso.

(Grifo nosso)

Dessa forma, tenho que, nos moldes do que foi permitido no art. 36-A da Lei n. 9.504/97, com a Lei 13.165/15 - a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, as condutas dos incisos I a VI e, ainda, a expressa permissão do pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver - todos esses atos de pré-campanha são na verdade propaganda eleitoral antecipada, porém, o legislador optou por excluir o sancionamento. Nas palavras do Min. Edson Fachin, o que houve foi a alteração do modal deôntico de proibido ou permitido, ou seja, aquilo que outrora o TSE concebeu como propaganda subliminar e vedada, o legislador estabeleceu que é permitido, embora seja efetivamente uma propaganda eleitoral subliminar. Não houve modificação do conceito do que é ou não propaganda, mas sim houve a permissão legislativa para o pré-candidato realizar os atos até então proibidos, com exceção do pedido explícito de voto.

E, como bem apontado na sentença que julgou improcedente a representação, a conduta enquadra-se no permissivo contido no § 2º do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, que EXPRESSAMENTE admite o "pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver".

Não há dúvida de que a intenção de todo pré-candidato, ao falar pedir apoio, é no sentido de postular adesão na campanha futura, o que será feito mediante voto. 

Tenho, assim, que a sentença de improcedência merece confirmação, não se podendo depreender que um pequeno trecho da fala, proferida em entrevista de programa de rádio, e no contexto de inúmeras perguntas tenha caracterizado propaganda antecipada.

Reporto-me, ainda, ao parecer do Ministério Público em primeiro grau, que se manifestou pela improcedência da representação:

Ora, a expressão veiculada pelo requerido é esta: "pelo conhecimento que a gente tem, amigos e conhecidos, se cada um nos puxar cinco votos, nós estamos lá dentro, pra brigar por aquelas coisas que, realmente, o povo precisa". 

Note-se que a condicionante "se" torna abstrata a afirmação, jamais permitindo concluir ser uma tentativa de convencer algum ouvinte a votar no requerido. Aliás, na verdade o pedido nem seria para votar, mas apenas para fazer campanha ("nos puxar cinco votos") para o futuro candidato. 

Portanto, a expressão usada não configura pedido de voto direto (explícito ou não), tampouco pode ser considerada "palavra-mágica" vedada em pré-campanha.


                   Desse modo, reiterando o pedido de vênia, tenho por negar provimento ao recurso, mantendo íntegra a sentença que julgou improcedente a representação.