REl - 0600193-97.2024.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/09/2024 às 14:00

VOTO

A inelegibilidade discutida nestes autos está fundada no Decreto Legislativo Municipal que cassou o mandato do então vereador JOSE LEOVEGILDO FORTES DA SILVA, no Município de Santiago/RS, por quebra de decoro parlamentar.

A Câmara de Vereadores de Santiago, após regular tramitação de processo disciplinar, decidiu cassar o mandato de José Leovegildo Fortes da Silva, nos termos do Decreto-Lei n. 201/67, por quebra de decoro parlamentar, em decisão formalizada no Decreto Legislativo n. 09/24 e oficialmente publicada em 04.6.2024.

Tal ato enseja a inelegibilidade apta a acarretar o indeferimento do pedido de registro de candidatura na forma do art. 1º, inc. I, al. “b”, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[…]

b) os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subseqüentes ao término da legislatura; (Redação dada pela LCP 81, de 13/04/94) (Vide ADIN 4089)

 

Já os mencionados dispositivos da Constituição Federal assim disciplinam:

Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

I - desde a expedição do diploma:

a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;

b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea anterior;

II - desde a posse:

a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada;

b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades referidas no inciso I, "a";

c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, "a";

d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

 

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

 

Esta Corte já se manifestou sobre a hipótese em comento, senão vejamos:

Pedido de registro de candidatura. Eleições 2010.

Exame das circunstâncias do caso. Cassação por falta de decoro parlamentar. Impossibilidade de reconhecimento da elegibilidade do recorrente.

Indeferimento.

(Registro de Candidatura nº 460379, Acórdão de 05/08/2010, Relator(a) DRA. LÚCIA LIEBLING KOPITTKE, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 05/08/2010 )

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. INDEFERIDO. INELEGIBILIDADE. MANDATO ELETIVO CASSADO PELA CÂMARA MUNICIPAL. QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR. ART. 55 INC. II, DA CF/88. ATO DO ÓRGÃO LEGISLATIVO. ANULAÇÃO DO ATO. NÃO COMPROVADA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1.º, INCISO I, ALÍNEA #B#, DA LC N. 64/90. REGISTRO INDEFERIDO. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra decisão que indeferiu seu pedido de registro de candidatura para o cargo de vereador, reputando-o inelegível por ter tido o mandato eletivo de vereador cassado pela Câmara Municipal.

2. A cassação do mandato por infringência às normas de decoro parlamentar (art. 55, inc. II, da CF/88) implica inelegibilidade para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual o parlamentar foi eleito e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura, nos termos do art. 1º, inc. I, al. "b", da LC n. 64/90.

3. Conforme entende o Tribunal Superior Eleitoral #Para afastar a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, b, da LC nº 64/90, não basta o mero ajuizamento de ação desconstitutiva ou mandado de segurança, visando anular o ato do órgão legislativo, faz-se necessário comprovar a obtenção de provimento judicial, mesmo em caráter provisório, suspendendo os efeitos desse ato.

4. Desprovimento. Registro Indeferido. (TRE-RS - REL: 060028502 SANTA MARGARIDA DO SUL - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 12/11/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 13/11/2020)

 

A arguição de que a caracterização da inelegibilidade estabelecida no art. 1º, inc. I, al. "b", da LC n. 64/90 exige que a cassação do mandato tenha ocorrido por infringência cumulativa aos incs. I e II do art. 55 da CF não prospera.

Nesse diapasão, incorporo integralmente os fundamentos da ilustrada sentença ao colacionar decisão da Corte Superior:

 

[…]

Há falha no silogismo defendido pelo candidato impugnado, inexistindo necessidade de infração cumulativa às regras previstas pelos I e II do art. 55 da Constituição Federal para a incidência da restrição da capacidade eleitoral passiva estabelecida pelo art. art. 1º, I, b, da LC 64/90.

Com efeito, a tese sustentada por José Leovegildo Fortes da Silva já foi objeto de enfrentamento específico pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral, por ocasião do julgamento do REspe nº 20366, relator Min. Sálvio de Figueiredo, acórdão de 30.09.2002, assim ementado (grifo meu):

DIREITO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. SENADOR. RECURSO ESPECIAL RECEBIDO COMO ORDINÁRIO. CASSAÇÃO DE MANDATO, ART. 55, II, CF. DIREITOS POLÍTICOS SUSPENSOS. ART. 1º , I, 6, LC n° 64/90. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. A inelegibilidade prevista no art. 1º , I, b, da LC n° 64/90 não reclama a cumulação das causas relacionadas nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal. II. Na linha de precedentes deste Tribunal, é recebido como ordinário o recurso que versa sobre inelegibilidade.

Em seu voto, foi preciso o insigne relator em assentar a rejeição da referida tese, por cuja percuciciência peço vênia para aqui colacionar excerto e adotar como razão de decidir, in verbis (grifos no original):

(...) A pretensão cautelar reside na interpretação da conjunção aditiva 'e', a indicar que a inelegibilidade somente ocorreria se conjugadas ambas as causas de perda de mandato. Não há como acolher tal pretensão, todavia. A par de não ser razoável, essa interpretação nem sequer ultrapassa a literalidade do dispositivo. Sobre esta, acentuou a Juíza Sandra De Santis, ao acompanhar o Relator, no acórdão impugnado:

A conjunção 'e' na hipótese, está substituindo a vírgula, se houvesse uma terceira hipótese. Então, não há falar em exigência cumulativa de infringência no disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal. Pretendesse a lei contemplar os incisos I, II e III, teria vírgula entre o primeiro, o segundo e o terceiro e não haveria comutatividade, mas sim alternatividade, podendo haver, em algumas hipóteses, a concorrência das duas causas' (fl. 35).

No mesmo sentido, pronunciou-se a Juíza Ana Maria Duarte Amarante Brito: 'O argumento exposto, da Tribuna, pelo nobre causídico quanto à função que a presença da conjunção coordenativa aditiva estaria a desempenhar refoge a toda interpretação lógico-sistemática, pois basta a ocorrência de uma ou outra causa para que se verifique a perda do mandato, por força de decisão plenária das respectivas Casas do Congresso para o parlamentar. Seria inconcebível admitir-se que, para esse efeito da inelegibilidade em questão, devessem se cumular infringências a vedações funcionais negociais ou profissionais, a par da falta de decoro parlamentar para se concluir por esse período de inelegibilidade . Basta um, e a função é mesmo apenas a de até substituir a vírgula. Trata-se de uma enumeração em que só uma das causas já se mostra idônea à produção das conseqüências jurídicas consideradas' (fls. 35-36).

A doutrina de Fávila Ribeiro não destoa. Ao comentar o dispositivo, enuncia: 'São cogitados na situação descrita os membros dos órgãos legislativos nas diferentes esferas - nacional, do Distrito Federal e municipais - que perderam os respectivos mandatos na anterior legislatura, por alguma das causas mencionadas no art. 55, I e II, da Constituição Federal' (Direito eleitoral, 5a ed., Forense, 1998, n. 48.1, p. 290, grifei).

Sintática e semanticamente, aduza-se, a conjunção 'e', nesse dispositivo, revela a coordenação entre dois termos que, na verdade, representam duas orações: são inelegíveis, tanto os que tiverem perdido o mandato 'por infringência do disposto' no inciso I, quanto os que tiverem perdido o mandato 'por infringência do disposto' no inciso lI. Coordenam-se as duas ideias.

O mesmo ocorre, por exemplo, na alínea a do mesmo inciso, que considera inelegíveis para qualquer cargo 'os inalistáveis e os analfabetos'. Como se nota, não está a lei a dizer que os candidatos devam reunir ambas as condições simultaneamente, bastando uma delas para que se tome inelegível. Ou seja, 'são inelegíveis para qualquer cargo os inalistáveis', assim como 'são inelegíveis para qualquer cargo os analfabetos'.

A interpretação sistemática e a teleológica também não permitem a conclusão pretendida. Primeiro, é rara e pouco provável a perda do mandato pela concorrência dos incisos I e II do art. 55 da Constituição. Segundo, a sanção da inelegibilidade, na espécie, visa a preservar a probidade, que norteia o conceito de decoro, como ensina o já citado doutrinador:

'As duas hipóteses que promanam da Constituição Federal, em seu art. 55, § 1°, passam propriamente a constituir atos típicos de improbidade o exercício da atividade representativa. Comporta assinalar que a improbidade não está conceitualmente aprisionada em tipificações delituosas ou disciplinares. Tampouco pode ser referida apenas ao patrimônio público.

(...)

Cabe relembrar que a improbidade administrativa é arrolada no art. 14, V, da Constituição Federal, como causa que acarreta a suspensão de direitos políticos, em sua globalidade, não somente da elegibilidade' (Op. cit, n. 48.1, pp. 292-293).

A probidade é que orienta a finalidade a que visa o disposto no art. 1º , l, b, da LC n. 64/1990. Trata-se da ética e da moral introduzidas no ordenamento jurídico por meio de conceitos como decoro parlamentar, conduta incompatível com a função, a exigir do intérprete a adequação dessas expressões às situações de fato. A respeito, ao comentar o art. 55, II, CF, leciona Celso Ribeiro Bastos: 'É uma tendência moderna do direito o trazer para o âmbito do jurídico o próprio campo da moral e da ética. São hoje encontráveis códigos de ética em boa parte das profissões e esses códigos acabam por ser juridicizados em razão da inclusão de preceitos que tornam merecedores de sanções os atos que infrinjam tais códigos. A rigor, o código de ética, ou código moral, para aqueles para quem as expressões se equivalem, não poderia ser causador de penalidades coercitivas, a não ser aquelas próprias do foro íntimo e do trato social. No entanto, na medida em que o direito tomou a moral e a ética hipóteses de incidência de apenamentos, elas se tornaram jurídicas. O próprio princípio da moralidade administrativa foi erigido como se sabe em princípio de toda a Administração.

O que parece certo é que o constituinte não quis encampar toda e qualquer forma de moralidade, mas apenas aquela cuja lesão possa depor contra o decoro parlamentar, ou seja, contra a nobreza, a dignidade, cuja degradação possa influir no próprio conceito do Parlamento. Por isso, Nelson de Souza Sampaio refere-se ao decoro como uma moralidade exterior ou expressão externa da honradez ou auto-respeito. Não se trata de coisas que se passam no foro íntimo de cada um, mas de comportamentos, de atitudes que, pelo seu caráter incompatível, com o bom proceder de um parlamentar, acabam por depor contra a própria reputação da instituição' (Comentários à Constituição do Brasil, 4° vol., t t, Saraiva, 1995, p. 214-215).

A interpretação pela lógica do razoável, preconizada por Recaséns Siches, regida, nas palavras de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, por motivo de 'congruência ou adequação: entre os valores e os fins; entre os fins e a realidade concreta; entre os fins e os meios; entre fins e meios e a correção ética dos meios; entre fins e meios e a eficácia dos meios' (Ajuris, Interpretação, Porto Alegre, março 1989, n. 45, pp. 13-14), conduz à mesma orientação. Com efeito, não se justifica que o significado literal de uma conjunção tenha o condão de anular a finalidade prevista na própria Constituição para a lei complementar - no caso, a n. 64/1990, ao que se vê do art. 14, § 9o , que dispõe: '

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta'.

Em última análise, método algum de hermenêutica, sejam os clássicos de Savigny e outros exegetas, sejam os contemporâneos, estão a amparar a tese dos requerentes.

(…)

Não procede, portanto, a premissa que dá sustentação ao silogismo defendido pelo candidato impugnado, resultando configurada a ocorrência da causa de inelegibilidade estabelecida pelo art. 1º, I, b, da LC 64/90. (REspe nº 20366, relator Min. Sálvio de Figueiredo, acórdão de 30.09.2002)

 

A cassação do mandato por infringência às normas de decoro parlamentar (art. 55, II, da CF/88) implica inelegibilidade para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual o parlamentar foi eleito e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura, nos termos do art. 1º, inc. I, al. “b”, da LC n. 64/90. Significa dizer, até 31.12.2032 está inelegível o candidato (fim da legislatura: 31.12.2024 + 8 anos = 31.12.2032).

Verifico que, embora o candidato tenha ajuizado Mandado de Segurança n. 5004784-38.2024.8.21.0064, até o momento, não obteve decisão favorável à suspensão dos efeitos da cassação. O pedido liminar de suspensão no MS foi negado, em 11.7.24. Desta decisão, o candidato interpôs Agravo de Instrumento n. 5224331-30.2024.8.21.7000, no qual foi igualmente negada a concessão de efeito suspensivo, em 14.8.2024, de maneira que a decisão de cassação permanece hígida.

Conforme entende o Tribunal Superior Eleitoral, “para afastar a inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "b", da LC n. 64/90, não basta o mero ajuizamento de ação desconstitutiva ou mandado de segurança, visando anular o ato do órgão legislativo, faz-se necessário comprovar a obtenção de provimento judicial, mesmo em caráter provisório, suspendendo os efeitos desse ato” (Recurso Especial Eleitoral n.  31531, Acórdão de 13.10.2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 13.10.2008 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume n. 19, Tomo n. 4, p. 321).

 

Com essas razões, deve ser mantida a sentença recorrida.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.