REl - 0600172-15.2024.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, cuida-se de recurso interposto por TIAGO CADO FERNANDES contra a sentença que julgou improcedente a representação por direito de resposta formulada contra EDUARDO BONOTTO, sob o fundamento de que o ora recorrido teria realizado postagem em seu perfil no Instagram, com utilização de fala do recorrente, veiculando conteúdo manipulado para enganar o eleitorado, ao fazer uso das expressões “a verdade é uma só” e “recompor a verdade”, quando, na realidade, não havia mentira no discurso.

A matéria está disciplinada na Lei n. 9.504/97:

Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

 

O direito de resposta, consistindo em uma interferência da Justiça Eleitoral sobre os espaços naturais de divulgação dos candidatos, deve ser concedido de forma extraordinária, ou seja, apenas quando o conteúdo supostamente ofensivo contenha flagrante injúria, calúnia, difamação, divulgação de fato sabidamente inverídico, e quando constitui ofensa pessoal e direta à pessoa.

Nessa linha, a jurisprudência enuncia que “qualquer intervenção judicial no livre mercado de ideias políticas e eleitorais deve ser excepcionalíssima, minimalista e necessariamente cirúrgica, sob pena de inconstitucional cerceamento do próprio direito à livre informação pelo eleitor” (TSE; DR n. 0601516-31/DF, Relatora: Min. Maria Claudia Bucchianeri, PSESS de 20.10.2022).

No caso em questão, o recorrente, TIAGO CADO FERNANDES, candidato a prefeito de São Borja/RS, alega que o recorrido Eduardo Bonotto fez uma postagem em seu perfil no Instagram, utilizando uma fala do recorrente feita durante um debate promovido pelo órgão local da Ordem dos Advogados do Brasil, em 05.9.2024.

De acordo com as razões recursais, o conteúdo do discurso foi manipulado para enganar os eleitores, usando as expressões “verdade é uma só” e “recompor a verdade”.

A mensagem divulgada está transcrita na peça inicial da representação:

Frase inicial do vídeo: A VERDADE É UMA SÓ!

 

BONOTTO:

Pois é! Servidores públicos municipais, seu João, Dona Maria comunidade da nossa São Borja.

É importante nos recompormos a verdade!

 

Vídeo de Tiago Cadó na OAB:

Dizem que na época do PDT se atrasava salário.

É mentira! Os servidores efetivos nunca foi atrasado o salário.

O que houve de fato foi a necessidade de um período a contratação de empréstimos para pagamento do 13° Salário.

 

BONOTTO:

Em dezembro de 2016, a administração anterior sancionou a lei municipal 5.191 de dezembro de 2016 onde os servidores públicos ativos e empregados ativos tinham que vir aqui no Banrisul tirar um financiamento para receberem a 2° parcela do 13° financiamento esse que foi pago por nossa administração a partir de 2017 com juros ou seja, pago também por todo cidadão Sam borjense.

 

 

Como se pode observar, a discussão travada consiste em diferentes visões sobre o atraso de remunerações de servidores públicos municipais: o recorrente entende que não houve atraso, pois o 13º salário foi pago mediante financiamento bancário, enquanto o recorrido asseverou ter ocorrido o atraso ante a necessidade de contratação do empréstimo.

Nas circunstâncias, há o confronto de ideias de que a Prefeitura pagou seus funcionários em dia por meio de financiamento do 13º salário e de que não pagou em dia exatamente pela necessidade de os servidores realizarem um financiamento, o que não pode ser estabelecido de modo inequívoco na realidade fática.

Tratam-se de diferentes leituras sobre um mesmo fato atrelado ao funcionamento da Administração Pública Municipal, das quais não decorrem ofensas, descontextualizações, difamações ou a divulgação de informações sabidamente inverídicas.

Nesse sentido, colho o seguinte trecho da sentença, que coloca judicioso deslinde à questão:

A fala contida no vídeo não imputa crime ao autor, como também não ofende sua honra objetiva ou subjetiva, tampouco traz qualquer inverdade, vez que reproduz exatamente declaração sua. Ademais, é preciso esclarecer que tanto uma quanto outra fala se refere as gestões anteriores e atual, e não as pessoas presentes no vídeo.

No vídeo se vislumbra tão somente a divulgação de fato ocorrido na gestão anterior, da qual o autor é partidário, e que foi comentada durante o debate entre os candidatos a prefeito nesta eleição. Ao "recompor a verdade", parte-se da ideia de resgatar os fatos ocorridos e o desfecho deles, visto que coube a gestão seguinte o ônus de quitar os valores a título de 13º salário pagos mediante empréstimo junto ao Banrisul, quanto as verbas daqueles que optaram por não receber dessa forma. Fato é que houve atraso no pagamento da remuneração dos servidores.

(Grifei.)

 

Via de consequência, o conteúdo divulgado consiste em mera crítica sobre o procedimento adotado pelo gestor público para os pagamentos, encontrando-se dentro de limites razoáveis e próprios das campanhas eleitorais e do direito de liberdade de expressão, constitucionalmente assegurado.

Ademais, como bem pontuou a Procuradoria Regional Eleitoral: “é peculiar das campanhas eleitorais a exposição potencializada das desvirtudes e incongruências dos concorrentes e, especialmente, dos administradores da máquina pública, o que, por si, não torna irregular a manifestação irregular”.

Nesse norte, a manifestação objeto da demanda não possui o condão de atrair a interferência desta Justiça Especializada, de modo que os esclarecimentos ou respostas pretendidas pelo recorrente devem ser transmitidas em espaço de propaganda eleitoral, no âmbito da liberdade de discurso que informa as campanhas políticas.

Destarte, em linha com o parecer ministerial, a sentença que negou o direito de resposta deve ser integralmente mantida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.