REl - 0600202-10.2024.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença recorrida julgou procedente a ação de impugnação ao registro de candidatura proposta pelo Ministério Público Eleitoral e indeferiu o pedido de registro de PAULO MOYSES DE ANDRADE, para a disputa ao cargo de vereador de Lagoa Vermelha, em razão da incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “l”, da LC n. 64/90.

O dispositivo mencionado tem a seguinte redação:

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

(…).

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.

 

Na hipótese, o recorrido foi condenado à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos na ação de improbidade administrativa n. 057/1.05.0003280-6 (n. 5002071-53.2020.8.21.0057), da 3ª Vara Lagoa Vermelha (ID 45711027).

A decisão condenatória foi confirmada por acórdão da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos da apelação cível n. 70039586219 (ID 45711028)

Ainda, é incontroverso que a condenação transitou em julgado em 17.8.2011.

De acordo com a jurisprudência do TSE, a incidência da causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “l”, da LC n. 64/90 pressupõe a coexistência dos seguintes requisitos: (i) condenação à suspensão de direitos políticos; (ii) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; (iii) ato doloso de improbidade administrativa; e (iv) ato gerador, concomitantemente, de lesão ao patrimônio público e de enriquecimento ilícito (Recurso Ordinário Eleitoral n. 060053406, Acórdão, Min. Carlos Horbach, DJE de 17.4.2023).

Em suas razões, o recorrente alega o não atendimento do requisito atinente ao enriquecimento ilícito em decorrência das condutas que embasaram a condenação por improbidade administrativa. Nesse ponto, assevera que as decisões da Justiça Estadual não reconheceram na fundamentação e na parte dispositiva o enriquecimento ilícito e não condenaram o ora recorrente às sanções correspondentes.

Cabe, então, à Justiça Eleitoral aferir, a partir da fundamentação das decisões proferidas pela Justiça Estadual, a existência ou não dos requisitos exigidos para a caracterização da causa de inelegibilidade preconizada no art. 1º, inc. I, al. “l”, da LC n. 64/90, conforme assentado na jurisprudência do TSE:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO FEDERAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 1º, I, E, DA LC 64/90. CRIME DE PECULATO CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. INELEGIBILIDADE. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO. PRESENÇA CUMULATIVA. NEGATIVA DE PROVIMENTO. [...]. 7. "É lícito à Justiça Eleitoral aferir, a partir da fundamentação do acórdão proferido pela Justiça Comum, a existência - ou não - dos requisitos exigidos para a caracterização da causa de inelegibilidade preconizada no art. 1º, I, l, da LC nº 64/1990" (AgR-AI 411-02/MG, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7/2/2020). […].

(TSE; Recurso Ordinário Eleitoral n. 060137404, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 11/10/2022) (Grifei.)

 

A partir de tal exame, destaco as seguintes passagens da fundamentação da sentença condenatória (ID 45711027) que evidenciam, com absoluta clareza, a presença do enriquecimento ilícito a partir das condutas ímprobas praticadas por Paulo Moyses (grifei):

[...].

 

No caso, repita-se, as irregularidades foram muitas, sendo que o único objetivo dos réus era fraudar a licitação buscando o direcionamento da contratação, impedindo que outros participantes, inclusive pessoas do próprio município de Lagoa Vermelha, pudessem participar. Estando todos os réus preocupados com o mesmo objetivo, já que dois deles são pai e filho, enquanto que o outro participante era pessoa ligada ao réu Waldir, a licitação restou fraudada, pois embora tenha o réu Alex se consagrado vencedor, na verdade sua empresa, que participou do certame, era somente de fachada, o que possibilitou que o contrato administrativo fosse celebrado, formal e informalmente, com o réu Waldir. (…).

 

Ainda como elemento de prova contundente da fraude perpetrada pelos demandados, e que demonstra a atuação explícita do réu Paulo Moises, tem-se o contrato administrativo celebrado em razão do resultado do processo licitatório. O contrato, conforme se observa nas fls. 70/71 dos autos em apenso, foi firmado pelos réus Paulo Moisés de Andrade e Waldir Zorzan. A fraude é tão grotesca que sequer se preocuparam o réus quanto a este importante fato; ou seja, como poderia o réu Waldir assinar um contrato com o município, referente a uma licitação, se não foi o vencedor??? Ainda mais, como poderia assinar em nome de uma empresa da qual não é sócio??? Somente o objetivo da fraude explica tudo isso. (…).

 

[…].

 

(…). A montagem no procedimento licitatório, conforme comprovado nos autos, não legitima o fim buscado pelo agente que governa o ente público. Ademais, no caso, não há que se falar em falta de prejuízo, pois restou evidente que a licitação era totalmente desnecessária. A espécie de ação judicial que o ente público objetivava ajuizara poderia muito bem ter sido objeto de estudo e de confecção por parte dos procuradores do município, que na época eram dois. Além disso, o levantamento de fatos, como demonstrado, era desnecessário, já que o próprio edital licitatório já mencionado o valor aproximado que caracterizava o montante a ser obtido na ação judicial contra a CEEE. Por fim, quanto a este aspecto, empresas da região, em ações idênticas contra a CEEE, realizavam contratos de risco com advogados, de forma que estes somente receberiam algum valor de honorários em caso de êxito da demanda (fls. 07/12). Tal procedimento poderia muito bem ter sido seguido pelo ente público. Tudo demonstra, portanto, que o ente público saiu no prejuízo, pois já desembolsou cerca de R$ 28.979,52 como pagamento à empresa vencedora do certame.

 

[…].

 

(…). Todavia, a prova produzida demonstra que todas as irregularidades eram de conhecimento do Sr. Prefeito Municipal da época, o ora demandado Paulo. (…).

 

[…].

 

(...). Dessa forma, considerando que o valor do prejuízo do ente público foi de R$ 28.979,52 sendo que a devolução dessa importância já constitui uma das sanções a serem aplicadas, bem como pelo fato de que o restante do valor da licitação não foi pago (R$ 18.000,00 - contrato da fl. 69 dos autos em apenso), nem deverá ser pago, e ainda porque não conhecido o proveito patrimonial obtido por cada um dos demandados, entendo ser caso de aplicação das sanções pelo mínimo estabelecido no inciso II do artigo 12 da lei de improbidade administrativa.

 

DECISÃO

 

Posto isso, JULGO PROCEDENTE A DEMANDA para, nos termos dos artigos 3º da Lei n. 8.666/93 e artigos 10, caput e incisos VIII e XII, e 12, II, da Lei n. 8429/92: A) DECLARAR o fato noticiado na inicial como ato de improbidade administrativa; B) CONDENAR os réus, solidariamente, ao ressarcimento integral do dano, qual seja, a importância de R$ 28.979,52 (vinte e oito mil novecentos e setenta e nove reais e cinqüenta e dois centavos), corrigidos pelo IGP-M a contar das datas dos efetivos pagamentos realizados pelo ente público em decorrência da licitação carta-convite n. 016/99, e juros de mora de 12% ao ano a contar da primeira citação; C) CONDENAR os réus, solidariamente, a pagarem multa civil correspondente a 01 (uma vez) o valor do ressarcimento estabelecido no item “B”, corrigidos pelo IGP-M a contar da data do primeiro pagamento realizado pelo ente público em decorrência da licitação n. 016/99, e juros de mora de 12% ao ano a contar da primeira citação; D) DECRETAR a suspensão dos direitos políticos dos réus pelo prazo de 05 (cinco ) anos; E) DECRETAR a proibição dos réus de contratarem com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos.

 

[...].

 

De seu turno, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul, em 20.7.2011, manteve integralmente a sentença condenatória por seus próprios fundamentos (ID 45711028).

Vê-se, portanto, que, conforme as decisões da Justiça Estadual, o recorrido concorreu para a fraude licitatória, suprimindo o caráter competitivo do certame e direcionando a contratação para determinados participantes, aos quais restou oportunizado evidente proveito patrimonial, em contratação que a sentença condenatória qualificou como “desnecessário” ao Município.

Logo, é evidente que a fraude e o favorecimento ilícito dos contratados lhes oportunizaram ganhos patrimoniais, estando consignado na sentença que o Município “desembolsou cerca de R$ 28.979,52 como pagamento à empresa vencedora do certame”.

De seu turno, o recorrente sustenta que a decisão é expressa de que não restou reconhecido proveito patrimonial por cada um dos corréus, bem como que a ausência da pena de perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, que seria impositiva no caso de enriquecimento ilícito, demonstra que essa condição para a inelegibilidade não ocorreu.

Entendo que não lhe assiste razão.

A referência presente na sentença de que é “não conhecido o proveito patrimonial obtido por cada um dos demandados” não significa exclusão do enriquecimento ilícito, mas apenas a ausência de elementos que permitiriam especificar o ganho individual que cada corréu alcançou. Tanto assim que, ao fixar as penalidades com base na “extensão do dano” e no “proveito patrimonial obtido pelo agente”, o magistrado estabeleceu as sanções no mínimo legal e condenou, de forma solidária, ao ressarcimento integral do dano e ao pagamento de multa civil, quantificando ambas as sanções em R$ 28.979,52.

Depreende-se, também, que o julgador tão somente deixou de consignar a expressão “perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio” na parte dispositiva da sentença porque a penalidade de “ressarcimento integral do dano”, naquele caso, já realizava a finalidade de reversão dos valores ilegalmente acrescidos ao patrimônio dos agentes.

Ressalto, ainda, que a jurisprudência se firmou no sentido de que a inelegibilidade resta atraída quando o benefício patrimonial é próprio ou de terceiro, bastando que o pretendente candidato tenha concorrido para o ilícito, tal como ocorre no caso em análise.

Nesses termos, colho os seguintes julgados:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO NA ORIGEM. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. INELEGIBILIDADE. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO. ASSESSORES PARLAMENTARES. DEVOLUÇÃO. PARCELA DO VENCIMENTO. PRÁTICA DE "RACHADINHA". ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO. REQUISITOS PRESENTES. PROVIMENTO. […]. 3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior reafirmada para as Eleições 2020, a referida causa de inelegibilidade pressupõe condenação por ato doloso de improbidade administrativa que implique, concomitantemente, dano ao erário e enriquecimento ilícito próprio ou de terceiro. […].

(TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060018366, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 05/05/2022) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. PROCEDENTE. VEREADOR. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, INC. I, AL L, DA LC N. 64/90. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DOLOSO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DO REGISTRO. DESPROVIMENTO. 1. Irresignação contra sentença que indeferiu pedido de registro de candidatura, em decorrência de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. I, da Lei Complementar n. 64/90, por ato de improbidade administrativa. […]. O Tribunal Superior Eleitoral firmou jurisprudência no sentido de que a inelegibilidade resta atraída quando o benefício é próprio ou de terceiro. 4. Transitada em julgado a decisão colegiada em 04.5.2011, a inelegibilidade incidirá até 04.5.2024. Manutenção da sentença de indeferimento do registro de candidatura. 5. Desprovimento.

(TRE-RS - RE: 0600129-32/RS, Relator: Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, Data de Julgamento: 09/11/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 10/11/2020) (Grifei.)

 

Portanto, estão preenchidos todos os requisitos necessários à incidência da inelegibilidade prevista pelo art. 1º, inc. I, al. “l”, da Lei Complementar n. 64/90, que se projeta pelo prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena imposta na ação de improbidade administrativa.

O marco inicial para a contagem do prazo da inelegibilidade em questão somente tem início após o cumprimento de todas as sanções impostas na decisão condenatória da ação de improbidade, inclusive no que tange ao pagamento de multa civil e ressarcimento ao erário, não bastando o término do prazo da suspensão dos direitos políticos (TSE; Recurso Ordinário Eleitoral n. 060050978/SP, Relator: Min. Carlos Horbach, Acórdão de 25.10.2022, Sessão n. 331 de 25.10.2022).

Ainda que não se tenha informação completa sobre o efetivo pagamento da multa civil e do ressarcimento integral do dano, é certo que, contando-se o prazo da inelegibilidade de 8 (oito) anos a partir a partir do término do período de suspensão dos direitos políticos (14.6.2023), tem-se que o recorrente está impedido de concorrer às eleições, no mínimo, até o ano de 2031.

Por fim, o recorrente noticia que tramita um projeto de lei no Congresso Nacional para alterar o art. 1º, inc. I, al. “l”, da Lei das Inelegibilidades e, com base em tal circunstância, alega que “há uma grande probabilidade de que o referido dispositivo legal seja inclusive modificado e, sob outro ângulo, mesmo que se fosse considerar o enquadramento, não estaria o impugnado inelegível na data da diplomação acaso eleito”.

Ocorre que, nos termos do art. 52, caput, da Resolução TSE n. 23.609/19, “as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade serão aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro, que afastem a inelegibilidade e ocorram até a data do primeiro turno da eleição. (Lei n. 9.504/97, art. 11, § 10; Súmula n. 43/TSE; ADI n. 7.197/DF)”.

Assim, o julgamento do presente recurso deve refletir apenas a legislação atual e vigente entre o pedido de registro de candidatura e o primeiro turno das eleições, do que descabe maiores digressões a respeito de projetos legislativos ainda em tramitação nas Casas do Congresso Nacional.

Em conclusão, comprovada a existência dos requisitos legais, incide a inelegibilidade da al. "l" do inc. I do art. 1º da LC n. 64/90, impondo-se a manutenção da sentença que julgou procedente a ação de impugnação e indeferiu o registro de candidatura do recorrente.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.