REl - 0600156-14.2024.6.21.0095 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença recorrida julgou procedente a ação de impugnação ao registro de candidatura proposta pelo Ministério Público Eleitoral e indeferiu o pedido de registro de JOÃO RUDEMAR DA COSTA, para a disputa ao cargo de prefeito de Ibiaça, em razão da incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90.

Na hipótese, o recorrido foi condenado à suspensão dos direitos políticos na ação de improbidade administrativa n. 5005936-43.2013.4.04.7104/RS, da 1ª Vara Federal de Passo Fundo (ID 45705922), confirmada pelo 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (ID 45705923).

É incontroverso que a condenação transitou em julgado e que o cumprimento do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos ocorreu em 14.6.2023. Diante disso, entendeu o Juízo a quo pela incidência de inelegibilidade, apontando que (ID 45706001):

Como o candidato obteve a capacidade eleitoral ativa em 14/06/2023, conforme informação na impugnação ao presente registro, entendo que se dá início ao prazo de 8 anos previsto no artigo 1º, I, alínea l da Lei Complementar nº 64/90, perdurando a inelegibilidade até o ano de 2031.

 

Logo, a sentença reconheceu a causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90, que assim prevê:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(…).

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.

 

De acordo com a jurisprudência do TSE, a incidência da causa de inelegibilidade em questão pressupõe a coexistência dos seguintes requisitos: (i) condenação à suspensão de direitos políticos; (ii) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; (iii) ato doloso de improbidade administrativa; e (iv) ato gerador, concomitantemente, de lesão ao patrimônio público e de enriquecimento ilícito (Recurso Ordinário Eleitoral n. 060053406, Acórdão, Min. Carlos Horbach, DJE de 17.4.2023).

Em suas razões, o recorrente delimita-se a impugnar o requisito atinente ao elemento subjetivo das condutas que embasaram a condenação por improbidade administrativa. Nesse ponto, assevera que a Justiça Federal reconheceu tão somente a ocorrência do dolo genérico por parte do ora recorrente, porém, "com a nova Lei n. 14.230/21, torna-se indispensável, em todos os casos de improbidade, a demonstração do dolo específico, não mais se admitindo o dolo genérico".

Nesse ponto, ressalto que, nos termos da Súmula n. 41 do TSE, "não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade".

Assim, os documentos acostados pela parte recorrente a fim de demonstrar a licitude de suas ações (IDs 45731392 e 45733273), não têm pertinência neste processo, uma vez que a ação de improbidade foi apreciada pelo órgão judicial competente, sendo descabido o seu rejulgamento pela Justiça Eleitoral.

Cumpre a esta Justiça Especializada tão somente aferir, a partir da fundamentação das decisões proferidas pela Justiça Federal, a existência ou não dos requisitos exigidos para a caracterização da causa de inelegibilidade preconizada no art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90, conforme assentado na jurisprudência do TSE:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO FEDERAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 1º, I, E, DA LC 64/90. CRIME DE PECULATO CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. INELEGIBILIDADE. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO. PRESENÇA CUMULATIVA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.[...]. 7. "É lícito à Justiça Eleitoral aferir, a partir da fundamentação do acórdão proferido pela Justiça Comum, a existência - ou não - dos requisitos exigidos para a caracterização da causa de inelegibilidade preconizada no art. 1º, I, l, da LC nº 64/1990" (AgR-AI 411-02/MG, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7/2/2020). […].

(TSE; Recurso Ordinário Eleitoral n. 060137404, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 11/10/2022) (Grifei.)

 

 

 

A partir de tal exame, destaco as seguintes passagens da fundamentação da sentença condenatória (ID 45705922) que evidenciam, com absoluta clareza, o reconhecimento do dolo específico de João Rudemar da Costa na perpetração das condutas ímprobas, bem como da lesão ao patrimônio público e do enriquecimento ilícito próprio e de terceiros: (Grifei.)

[...].

 

(d) MÉRITO

 

(d.1) Da responsabilização do réu João Rudemar da Costa.

 

Alega o Ministério Público Federal, no caso, ter havido prática de ato de improbidade pelo referido réu, capitulando tais atos nos artigos 9º, inciso IV, 10, inciso II e 11, incisos I, IV e VI da Lei nº8.429/92. (…).

 

Restou comprovado, no curso da instrução processual, que o réu praticou, de fato, atos que causaram enriquecimento ilícito, prejuízos ao erário e atentaram contra os princípios da Administração Pública, mediante ação deliberada que culminou com a aplicação irregular de verbas públicas federais, destinadas à aquisição de equipamento de cirurgia para atendimento de usuários do SUS, sem atender tal finalidade.

 

[...].

 

Está devidamente comprovado, assim, o desvio de finalidade na utilização dos recursos repassados ao Município pela União por meio do Convênio nº1.755/2001. Também está comprovada a deliberada intenção do réu Jão Rudemar da Costa de utilizar o equipamento público para fins privados diversos daqueles previstos no conv ênio firmado com a União.

 

Em primeiro lugar, não havia demanda no Município para a aquisição de tal equipamento. Conforme declarou a testemunha Paulo Roberto Pillon (evento 169/AUDIO4), na época da auditoria realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS, ao consultar o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES, foi constatado que a região de Ibiaçá não era indicada para possuir aparelho daquele porte, bem como que a Fundação Hospitalar de Ibiaçá não estava cadastrada para realizar esse tipo de procedimento.

 

Em segundo lugar, quando da alteração do plano de trabalho do Convênio nº1.755/2001, o réu em questão tinha conhecimento de que somente a Fundação Hospitalar de Ibiaçá tinha condições técnicas de realizar procedimentos utilizando o equipamento objeto do convênio. O equipamento não poderia ser instalado no posto de saúde existente no Distrito

de Rio Telha. Assim, pode-se concluir que já havia intenção de transferir o uso do equipamento à Fundação Hospitalar de Ibiaçá. Além disso, a justificativa apresentada para alteração do Plano de Trabalho do convênio não se mostra razoável. Isso por que foi justificada a alteração dos equipamentos a serem adquiridos no "aumento dos valores dos Equipamentos em junho de 2001/junho de 2002" (evento 01/PROCADM3, p.84), mas a contrapartida do município para aquisição do aparelho foi maior do que a inicialmente prevista, para aquisição de materiais de uso permanente destinados ao posto de saúde do Distrito de Rio Telha. Não parece parece lógico que o Município justifique a alteração da destinação dos recursos pelo aumento de preço e, ao mesmo tempo, solicite a aquisição de equipamento que exigiu maior contrapartida do ente municipal e com finalidade totalmente diversa: os equipamentos e os materiais de uso permanente destinados ao posto de saúde do Distrito de Rio Telha destinavam-se ao atendimento básico de saúde e o equipamento adquirido destinava-se ao atendimento de demandas mais complexas.

 

Em terceiro lugar, o réu João Rudemar da Costa participou, como médico assistente, de procedimentos cirúrgicos utilizando o equipamento de videolaparoscopia adquirido com recursos do Convênio nº1.755/2001. Tal fato, além de comprovado documentalmente, foi confessado pelo réu em seu depoimento pessoal (evento 169/AUDIO3). Quanto à existência, ou não, de remuneração do réu pelos serviços prestados enquanto médico assistente nas cirurgias realizadas com utilização do equipamento de videolaparoscopia, apesar de não ser verossímil a alegação de que não percebeu qualquer vantagem econômica, a testemunha Celso Ceccin (Evento 83), presidente da Fundação Hospitalar de Ibiaçá à época dos fatos, declarou que (a) os médicos recebiam pelos serviços prestados; (b) que o médico João Rudemar participou de algumas cirurgias; e (b) não soube informar de nenhum caso de paciente do SUS que tenha realizado procedimento cirúrgico por videolaparoscopia.

 

[…].

 

Nesse contexto, não subsiste a alegação do Réu de que não recebeu contraprestação pelos serviços médicos prestados enquanto assistente nas cirurgias realizadas com uso do equipamento em questão, ao contrário, a prova anexa aos autos é clara em comprovar a utilização, pelo Réu, em serviço particular de equipamento de propriedade do ente público, caracterizando ato de improbidade que importaram em enriquecimento ilícito, nos termos do art. 9º, inciso IV, da Lei nº8.429/92, antes transcrito. Registro que, enquanto médico assistente de cirurgia, o réu João Rudemar da Costa não estava desempenhando funções inerentes ao cargo de prefeito, tendo havido, de fato, utilização para fins particulares de bem público.

 

[…].

 

Também, entendo que restou comprovada a intenção do réu João Rudemar da Costa de utilizar o equipamento de videolaparoscopia adquirido por meio de recursos federais em desvio de finalidade.

 

Considerando, que o réu tinha conhecimento do desvio de finalidade, já que, como dito, ele próprio participou, como médico auxiliar, de procedimentos utilizando o equipamento de Videolaparoscopia para atender pacientes particulares e beneficiários de planos de saúde, restou demonstrada a prática do ato de improbidade que causou lesão ao erário previsto no art. 10, inciso II, da Lei nº8.429/92. (…).

 

[…].

 

III - DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, afastadas as preliminares e a alegação de prescrição, julgo procedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/2015, para:

 

(a) Condenar o réu João Rudemar da Costa pela prática de atos de improbidade administrativa, na forma dolosa, restando incurso nos artigos 9º, inciso IV, 10, inciso II e 11, incisos I e IV, da Lei nº8.429/92, às seguintes penalidades, previstas no art. 12, incisos I a III da mesma lei, assim individualizadas:

 

a.1) ressarcimento integral do dano, correspondente a R$ 64.920,00, atualizado monetariamente, pelo IPCA-E desde setembro/2002 (data da compra) e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da data de sua citação nesta ação, devendo ser descontados eventuais valores já ressarcidos pelo réu a este título, na via administrativa;

 

a.2) perda da função pública, se houver exercício atual;

 

a.3) suspensão dos direitos políticos por cinco anos;

 

a.4) pagamento de multa civil no patamar de R$ 64.920,00, atualizado monetariamente, pelo IPCA-E desde setembro/2002 (data da compra) e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da data de sua citação nesta ação; e

 

a.5) proibição de contratação com o Poder Público e de recebimento de benefícios e incentivos fiscais e creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

 

[...].

 

De seu turno, o acórdão proferido pela 3ª Turma do Tribunal Regional Eleitoral da 4ª Região, em 07.02.2017, manteve integralmente a sentença condenatória por seus próprios fundamentos (ID 45705923).

Assim, não merece acolhimento a tese de que o dolo genérico afastaria o pressuposto à causa de inelegibilidade, uma vez que a decisão da Justiça Federal é inequívoca no sentido de que houve a premeditação e o dolo específico de desviar o equipamento de Videolaparoscopia para o uso em atendimentos médicos particulares prestados pelo próprio João Rudemar e por terceiros, com prejuízo aos cofres públicos.

Isso posto, estão superados os argumentos recursais sobre a retroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.230/21, os quais somente teriam pertinência caso a sentença houvesse efetivado a condenação a título de culpa ou dolo genérico, o que, como visto, não ocorreu.

No tocante ao pressuposto do enriquecimento ilícito, ressalto que a jurisprudência firmou-se no sentido de que a inelegibilidade resta atraída quando o benefício patrimonial é próprio ou de terceiro, bastando que o pretendente candidato tenha concorrido para o ilícito. Nesses termos, colho os seguintes julgados:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO NA ORIGEM. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. INELEGIBILIDADE. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO. ASSESSORES PARLAMENTARES. DEVOLUÇÃO. PARCELA DO VENCIMENTO. PRÁTICA DE "RACHADINHA". ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO. REQUISITOS PRESENTES. PROVIMENTO. […]. 3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior reafirmada para as Eleições 2020, a referida causa de inelegibilidade pressupõe condenação por ato doloso de improbidade administrativa que implique, concomitantemente, dano ao erário e enriquecimento ilícito próprio ou de terceiro. […].

(TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060018366, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 05/05/2022) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. PROCEDENTE. VEREADOR. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, INC. I, AL L, DA LC N. 64/90. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DOLOSO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DO REGISTRO. DESPROVIMENTO. 1. Irresignação contra sentença que indeferiu pedido de registro de candidatura, em decorrência de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. I, da Lei Complementar n. 64/90, por ato de improbidade administrativa. […]. O Tribunal Superior Eleitoral firmou jurisprudência no sentido de que a inelegibilidade resta atraída quando o benefício é próprio ou de terceiro. 4. Transitada em julgado a decisão colegiada em 04.5.2011, a inelegibilidade incidirá até 04.5.2024. Manutenção da sentença de indeferimento do registro de candidatura. 5. Desprovimento.

(TRE-RS - RE: 0600129-32/RS, Relator: Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, Data de Julgamento: 09/11/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 10/11/2020) (Grifei.)

 

Portanto, estão preenchidos todos os requisitos necessários à incidência da inelegibilidade prevista pelo art. 1º, inc. I, al. "l", da Lei Complementar n. 64/90, que se projeta pelo prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena imposta na ação de improbidade administrativa.

O marco inicial para a contagem do prazo da inelegibilidade em questão somente tem início após o cumprimento de todas as sanções impostas na decisão condenatória da ação de improbidade, inclusive no que tange ao pagamento de multa civil e ressarcimento ao erário, não bastando o término do prazo da suspensão dos direitos políticos (TSE; Recurso Ordinário Eleitoral n. 060050978/SP, Relator: Min. Carlos Horbach, Acórdão de 25.10.2022, Sessão 331 de 25.10.2022).

Ainda que não se tenha informação completa sobre o efetivo pagamento da multa civil e do ressarcimento integral do dano, é certo que, contando-se o prazo da inelegibilidade de 8 (oito) anos a partir do término do período de suspensão dos direitos políticos (14.6.2023), tem-se que o recorrente está impedido de concorrer às eleições até o ano de 2031.

Logo, comprovada a existência dos requisitos legais, incide a inelegibilidade da al. "l" do inc. I do art. 1º da LC n. 64 /90, impondo-se a manutenção da sentença que julgou procedente a ação de impugnação e indeferiu o registro de candidatura do recorrente.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.