REl - 0600577-91.2024.6.21.0066 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/09/2024 às 14:00

VOTO

Tempestividade.

O recurso é tempestivo. Além do que, preenche os demais pressupostos relativos à espécie e, desse modo, está a merecer conhecimento.

Mérito.

Trata-se, em suma, de recurso em impugnação de pesquisa eleitoral interposto por JAIRO JORGE DA SILVA, candidato a prefeito no Município de Canoas, contra pesquisa realizada por AMOSTRA INSTITUTO DE PESQUISA LTDA. A sentença revogou a liminar anteriormente concedida e julgou improcedente a representação.

Passo à análise pormenorizada das razões de irresignação.

1. Preliminar – questão de ordem. Credibilidade do laudo que ampara a impugnação. Formação em estatística.

Inicialmente, refiro que o Juízo de Origem acolheu, em sentença, a alegação apresentada na contestação pelo instituto de pesquisas demandado, no sentido de que o laudo juntado com a inicial fora firmado por profissional na área de sociologia - e não estatística - de forma que a ser inadmitido como meio de prova:

Ocorre, contudo, que o laudo originalmente adunado aos autos está amparado em dados estatísticos firmes, sendo que a legislação eleitoral exige estatístico para realizar a pesquisa, não para criticá-la e impugná-la.

Além disso, foi demonstrado que o parecerista, Jorge Alexandre Barbosa Neves, é Professor Titular de Métodos Quantitativos e Ciência de Dados Departamento de Sociologia da UFMG e Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison/EUA. Ainda, se explicou que a estatística é ciência-meio para todas as disciplinas, e muito presente na sociologia. De qualquer sorte, e para colocar pá de cal em tal espécie de tentativa havida em resposta pela RECORRIDA, de desqualificar o parecerista, sem que tenha se contraposto de forma adequada contra as inconsistências e erros da metodologia e ponderação apontados, quando do evento 123256362 novo laudo foi juntado aos autos, corroborando o anterior, agora firmado tanto pelo parecerista original, como pelo Estatístico João Paulo Campos.

 

 

No presente tópico, peço as vênias à d. Procuradoria Regional Eleitoral.

Divirjo do entendimento de que somente os profissionais com registro junto ao Conselho Regional de Estatística seriam hábeis a proferir manifestação quanto à validade e confiabilidade da pesquisa. A indicação se circunscreve à realização de pesquisa.

Tenho, assim, que a norma contida no art. 2º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.600/19, que fundamenta o entendimento do órgão ministerial, não abrange as manifestações proferidas em impugnações a estudos realizados quanto à validade e à confiabilidade da pesquisa, mas apenas estabelece que a pesquisa deve apresentar, por ocasião do registro, o nome da(o) profissional de Estatística responsável pela pesquisa, acompanhado de sua assinatura com certificação digital e o número de seu registro no Conselho Regional de Estatística competente.

Cuida-se de norma restritiva, cuja interpretação deve ser estrita. Por óbvio, descaberia amparar uma impugnação em análise proferida por indouto, por pessoa que desconheça a matéria de forma técnica.

Não é o caso dos autos, antes ao contrário. A inicial da impugnação tem lastro em laudo de Jorge Alexandre Barbosa Neves, cujo currículo não foi impugnado pela parte adversa. O parecerista é Professor Titular de Métodos Quantitativos e Ciência de Dados Departamento de Sociologia da UFMG e Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison/EUA.

Não se trata, portanto, de desavisado palpiteiro. Ainda que não atenda o requisito formal para atuar como responsável por uma pesquisa eleitoral inscrita no Tribunal Superior Eleitoral, julgo-o habilitado para oferecer manifestação sobre o tema e, ademais, no curso da instrução os recorrentes apresentaram Relatório Complementar corroborando o conteúdo do primeiro, assinado por João Paulo Campos, Estatístico – CONRE: 10565/5ª Região.

Assim, entendo as manifestações válidas como prova.

No mérito, a controvérsia recai sobre a regularidade de pesquisa elaborada pelo AMOSTRA INSTITUTO DE PESQUISA LTDA., essencialmente a respeito de dois vetores, quais sejam, a distribuição espacial da amostra pelo Município de Canoas (território) e o grau de instrução dos entrevistados (escolaridade).

2. Requisito territorial. A distribuição espacial e os alegados desvios de parâmetros.

No que se refere à alegada inconsistência da distribuição espacial, as razões de recursos se mostram alinhavadas como segue:

Com efeito, se identificou inconsistências decorrentes da delimitação de área/território da pesquisa, o que não se restringe, importante que se diga, a apenas exclusão dos dois bairros (o que, por si, já seria grave), mas, também, a inconsistência da distribuição espacial da amostra.

Nesse sentido, Excelências, importante salientar que 53 entrevistas – 8,83% do total – foram realizadas fora da delimitação espacial correta!

E, ainda, que a calibragem realizada pela pesquisa acrescentou 3 entrevistados a mais para o Centro, um local que sequer teve aumento populacional, conforme comparativo de dados do IBGE entre 2010 e 2022. Cediço é que a delimitação do território a ser entrevistado é o primeiro passo para o correto plano amostral, de forma a definir o espaço e a quantidade de pessoas representadas.

Havendo erro neste dado, macula-se toda a pesquisa eleitoral e seu resultado torna-se prejudicado.

(...)

Mais especificamente, observa-se que o arredondamento da amostra para cada localidade, a partir dos percentuais referentes aos dados das seções eleitorais levaria o tamanho da amostra a um valor total de 597 entrevistas. Assim, para que se chegasse ao tamanho proposto, 600 entrevistas, foi necessário elevar em uma unidade a amostra de três localidades. Ocorre que as três localidades escolhidas para ter uma sobreamostragem são do mesmo bairro, o centro, o que representa uma decisão inadequada. É fato que essa calibragem inadequada se deu com apenas 0,5% do total da amostra.

(…)

Ora, considerando todos os erros de ponderação do território, fica evidente que a pesquisa realizada não traduzirá os percentuais do território de Canoas, e, por corolário, não traduzirá os corretos percentuais da população de Canoas.

 

No que diz respeito ao vetor sob análise, dois vieses de análise merecem atenção.

O primeiro, trazido nas contrarrazões de recurso, ID 45693947, diz com inúmeras situações de bairros do Município de Canoas – a contiguidade, da qual surgem dúvidas razoáveis em relação à divisa correta entre as localidades – aliás, situação comum em cidades de porte médio e grande.

Nessa toada indico, por exemplo, as imagens (fl. 7, ID 45693947), em relação à Rua Senador Salgado Filho, recortada pelos bairros São Luiz e São José (em determinado ponto da rua, um lado dela pertence ao Bairro São Luiz, e o outro, ao Bairro São José, o mesmo ocorrendo com a Rua Peru. Na página 6, imagem dos mapas dos Bairros Estância Velha e Olaria, uma situação inclusive inusitada: a Avenida Santos Ferreira, que apresenta um traçado sinuoso, possui um lado da via, em apenas uma curva, no Bairro Estância Velha, e o resto do percurso no bairro Olaria.

Ou seja – diante de qual quadro fático, o apontamento de irregularidades há de mostrar, modo cartesiano, o efeito da alegada desobediência de delimitação territorial.

Ocorre, contudo, que as manifestações peritas se circunscreveram a apontar o alegado desvio do padrão, sem contudo demonstrar, forma objetiva, a influência nos resultados: por exemplo, a necessidade de uma maior margem de erro, ou a influência do alegado desvio no resultado das medianas relativas a cada bairro.

O resultado foi maculado? Como? Em que medida?

E tais apontamentos não ocorreram, repito, forma objetiva. Indico que tanto as razões de recurso apenas alegam que “Havendo erro neste dado, macula-se toda a pesquisa eleitoral e seu resultado torna-se prejudicado”, como o laudo dos profissionais contratados pondera que “esta inconsistência pode estar gerando na pesquisa outro grave viés de seletividade amostral, sendo este de caráter espacial” (grifos meus).

Ora, a questão se resolve, portanto, sob o viés do ônus da prova, pois ao pretenderem combater de forma objetiva os números apresentados de distribuição territorial sob o prisma da estatística, cabia aos recorrentes apresentarem os possíveis efeitos também sob tal perspectiva, sobretudo quando sequer seria realmente obrigatório, ao realizador da pesquisa, a descrição pormenorizada dos bairros de Canoas, como bem indicou a sentença, ao se referir a dois bairros da cidade não contemplados na pesquisa – Brigadeira e Industrial:

(...)

Por fim, em relação à alegação de que a pesquisa não contempla dois bairros da cidade (Brigadeira e Industrial), sem razão novamente ao requerente. Isso porque, conforme trazido em contestação pelo instituto de pesquisa, os bairros possuem pontuais locais de intersecção. Assim, a não menção a dois bairros, mas devidamente contíguos a bairros contemplados, por si só, igualmente, não possui o condão de afastar a credibilidade da pesquisa e/ou margem de erro.

 

Ademais, a jurisprudência desta Casa já entendeu, com base em precedentes do e. Tribunal Superior Eleitoral, acerca da possibilidade de certa margem de maleabilidade no relativo aos aspectos territoriais das pesquisas:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. IMPUGNAÇÃO DE REGISTRO E DIVULGAÇÃO DE PESQUISA ELEITORAL. ARTS. 33 A 35 DA LEI N. 9.504/97. RESOLUÇÃO TSE N. 23.600/19. PERCENTUAL DE ENTREVISTADOS. DEFINIÇÃO DA ÁREA ABRANGIDA. NOME DOS CANDIDATOS AO CARGO DE VICE-PREFEITO. PLANO AMOSTRAL. PERCENTUAIS DE SEXO, IDADE E ESCOLARIDADE. DEMANDA COM OBJETIVO ILEGAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CARACTERIZADA. AFASTADA A MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Inconformidade em face de decisão que julgou improcedente representação que impugnava Registro e Divulgação de Pesquisa Eleitoral, bem como condenou a representante ao pagamento de multa, no valor equivalente a 10% sobre o valor da causa, por litigância de má-fé.

2. Os arts. 33 a 35 da Lei n. 9.504/97 e a Resolução TSE n. 23.600/19 são as referências normativas que veiculam a disciplina dos procedimentos relativos ao registro e à divulgação de pesquisas de opinião pública para as eleições de 2020.

3. Na hipótese, discussão sobre a integridade da pesquisa, com sustentação de que padece pela ausência de dados, o que a tornaria tendenciosa, com potencial para induzir em erro o eleitor. 3.1. Percentual de entrevistados pode ser informado em complementação de dados, em prazo específico, nos termos do art. 2º, § 7º, incs. I e IV, da Resolução TSE n. 23.600/19. Observadas as disposições normativas. Realizada a devida complementação. 3.2. De acordo com o art. 2º, § 7º, incs. I e IV, da Resolução TSE n. 23.600/19, há possibilidade de definição da área abrangida como todo o município ou restrição do levantamento em apenas alguns bairros determinados da localidade. Precedente do TSE nesse sentido. 3.3. Estabelece o art. 2º, inc.X, da Resolução TSE n. 23.600/19 que deve obrigatoriamente constar do registro da pesquisa a informação sobre a #indicação do estado ou Unidade da Federação, bem como dos cargos aos quais se refere a pesquisa#. O objeto da pesquisa era sobre o cargo de Prefeito, não havendo necessidade de constar conjuntamente o nome dos candidatos ao cargo de Vice-Prefeito. Ainda, regular a divulgação da pesquisa na rede social Facebook, por dela constar o nome dos candidatos a Vice-Prefeito, obedecendo às regras dispostas na Resolução TSE n. 23.610/2019 sobre propaganda na internet. 3.4. Observadas as disposições do art. 2º, inc. IV, da Resolução n. 23.600/19, bem como art. 33, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, uma vez que a pesquisa foi acompanhada de plano amostral completo, com percentuais de sexo, idade e escolaridade.

4. Direito do recorrente de colocar o caso in examine pelo Poder Judiciário, independentemente de as irregularidades apontadas não terem sido identificadas. Não caracterizada demanda com objetivo ilegal. Afastada condenação por litigância de má-fé.

5. Parcial provimento.

Recurso Eleitoral nº060071278, Acórdão, Des. ROBERTO CARVALHO FRAGA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 03/11/2020.

 

3. Escolaridade. Base de dados do Tribunal Superior Eleitoral versus utilização da PNAD.

Sustenta o recorrente que a utilização dos dados do TSE relativos à escolaridade estariam defasados, e que o IBGE proporia o uso da unidade geográfica como melhor critério para a aferição do tema.

Cito excertos das razões de recurso:

E, de fato, demonstrado pela candidatura RECORRENTE que a utilização os dados do TSE têm sérios problemas para algumas variáveis, sendo uma delas a escolaridade, que é claramente defasada. Se disse que a fonte mais confiável para a definição das cotas referentes às faixas de renda e aos níveis de escolaridade é, com certeza, a PNADc, demonstrando-se a diferença entre os dados utilizados e os dados atuais para o município de Canoas/RS:

(…)

De acordo com os pareceres técnicos trazidos aos autos, há uma clara distorção dos dados estatísticos para garantir uma seletividade ou manipulação dos resultados, com aumento do nível do ensino médio e redução dos demais níveis, principalmente ensino fundamental e sem educação formal, nos seguintes termos

(…)

Assim, a metodologia adotada na pesquisa não respeitou a ponderação adequada de escolaridade, o que a macula. Diga-se, ainda, que foi juntado ao processo esclarecimentos técnicos, denominado de Relatório Complementar, onde se faz a devida “Especificação sobre Estimação de Proporções de Níveis de Escolaridade com o Uso da PNAD Contínua”, bem como os microdados do PNADc em relatório, no qual se demonstraram os dados do PNADc 2023 referentes aos níveis de escolaridade do município de Canoas, em forma de relatório, com a devida indicação precisa da fonte. Insta destacar, Excelências, que o próprio IBGE propõe que, como não há dados do Censo, a melhor forma de fazer estimações é pela unidade geográfica, e a unidade geográfica de Canoas/RS é a região metropolitana!

(…)

Assim, demonstrado que a própria Nota Técnica nº 02/2022 da Diretoria de Pesquisa do IBGE, juntado pela ora RECORRIDA no Id 123079370, sugere e afirma que “os estratos geográficos podem ser utilizados para fazer as estimativas municipais porque há baixa variação (é importante ressaltar que eles utilizam um limite de CV bastante baixo, na faixa de 30%, o que mostra que a avaliação é bastante rigorosa)”. Ou seja, as variáveis socioeconômicas dos municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre são bastante homogêneas. E, nesse sentido, a utilização de dados referentes à escolaridade defasados, o que restou devidamente demonstrado, maculam a pesquisa eleitoral, razão pela qual, também por esta razão, não pode ter seus resultados divulgados, porquanto absolutamente em dissonância com os dados dos eleitores de Canoas.

 

Novamente aqui, sem razão a parte recorrente. Explico.

A par da respeitável opinião técnica apresentada pelo recorrente, nota-se que o tópico diz respeito a uma opção, uma escolha realizada de parte do instituto recorrido – qual seja, socorrer-se dos dados oferecidos pela Justiça Eleitoral – que o recorrente entende defasados – em detrimento de outra metodologia, pois “(…) a melhor forma de fazer estimações é pela unidade geográfica, e a unidade geográfica de Canoas/RS é a região metropolitana”.

Inviável.

Como dito, tratou-se de uma opção de fonte de dados, aliás por conta e risco do instituto recorrido – que poderá ter confirmados, ou não confirmados, no resultado das eleições, os números apresentados no resultado da pesquisa, situação que inequivocamente tem repercutido na boa, ou má, percepção do eleitorado em relação aos diferentes institutos.

Desse modo não é possível afirmar, como faz o recorrente, que a escolha de determinado banco de dados “macula” a pesquisa eleitoral, ou que estão em “dissônancia” com os dados dos eleitores de Canoas, até mesmo porque, como demonstrado pelo recorrido, o IBGE (banco de dados que o recorrente deseja tivesse sido utilizado) indica que o recorte “estratos geográficos” é classificado ainda como experimental, e “devem ser utilizados com cautela”, “estatísticas novas que ainda estão em fase de teste e sob avaliação”.

Ou seja, absolutamente compreensível a escolha, pelo Instituto Amostra, de utilização da base de dados do Tribunal Superior Eleitoral.

Em resumo, o recurso não merece provimento, nos termos do posicionamento já exarado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral.

 

Diante do exposto, VOTO para negar provimento do recurso, nos termos da fundamentação.