ED no(a) REl - 0600026-49.2023.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/09/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração só podem ser opostos com o objetivo específico de esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, conforme expressamente estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil.

É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que “a boa técnica dos embargos declaratórios visa a escoimar o relatório, os fundamentos e o acórdão de incoerências internas, capaz de ameaçarem sua inteireza” e, portanto, não é o meio adequado para o embargante “obter o reexame da matéria versada nos autos, na busca de decisão que lhe seja favorável” (STJ, EDcl no REsp n. 440.106/RJ, 6a Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 23.8.2010).

No caso dos autos, a mera leitura do acórdão embargado afasta as alegações de vício, adianto.

Inicialmente, argui o recorrente que a identificação de doações oriundas de pessoas jurídicas, ou seja, fontes vedadas, estaria equivocada por tratar-se de “pagamento de convite de jantar de final de ano, que não era arrecadação”.

No ponto, a decisão, diante do mesmo argumento ora repisado, fez constar que, “eventos como jantares, com realização por adesão e venda de convites, estão sujeitos às mesmas exigências legais de qualquer outra contribuição a partido político. Necessária, nessa linha, a identificação de cada contribuinte – necessariamente pessoa física, visto que compradores equivalem a doadores. As vedações são as mesmas; os requisitos, idênticos”.

Ou seja, não há, como afirmado, existência de contradição. A alegação de tratar-se de verba para pagamento de jantar não descaracteriza o recebimento de valor como doação, conforme dito no acórdão, necessariamente de pessoa física. O embargante pretende uma revisita à constatação do julgado, de todo modo inviável.

Na sequência, argui que os doadores - apontados na decisão hostilizada como fontes vedadas, porquanto ocupantes de cargos públicos demissíveis ad nutum e não filiados ao partido -seriam “pessoas atualmente filiadas que por alguns equívocos ainda não estavam registradas do Filiaweb, mas já estavam filiadas formalmente pela ficha de filiação”.

Igualmente, aqui não há contradição.

É consabido que para configurar a filiação partidária exige-se mais que o simples preenchimento da ficha interna do partido. O fundamento restou fartamente explicitado no acórdão, inclusive com jurisprudência deste Tribunal, como se vê no excerto que transcrevo:

O recorrente alega que o rol de doadores é composto de pessoas atualmente filiadas que por alguns equívocos ainda não estavam registradas do Filiaweb, mas já estavam filiadas formalmente pela ficha de filiação.

Sem razão. Irretocável a sentença.

Esta Casa, aliás, alinhada a posicionamento erigido à condição de verbete da Súmula do e. Tribunal Superior Eleitoral (Súmula n. 20), entende que a ficha de filiação partidária caracteriza informação de caráter unilateral, sendo insuficiente para comprovar a ligação à grei. A prova pretendida deve ser realizada através de certidão do Sistema FiliaWeb, demonstrando o vínculo perfectibilizado por meio do registro da filiação no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral, como expresso no seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2019. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DOS RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECEBIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO DE FONTES VEDADAS. APORTE DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. NÃO DESTINAÇÃO DE PERCENTUAL DA VERBA PÚBLICA A PROGRAMAS DE INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES. FALHA DE VALOR INFERIOR A 10% DOS RECURSOS AUFERIDOS NO PERÍODO EM EXAME. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM AÇÕES DE FOMENTO À INTEGRAÇÃO FEMININA, NO EXERCÍCIO SUBSEQUENTE. INVIABILIDADE DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO.

1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, referente ao exercício financeiro de 2019. Parecer conclusivo pela desaprovação e pelo recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. Irregularidades atinentes à aplicação inadequada de verbas do Fundo Partidário, ao recebimento de contribuições de fonte vedada, ao ingresso de recursos de origem não identificada e à falta de destinação de parcela de receita advinda do Fundo Partidário a programas de promoção da participação feminina na política. Parecer ministerial, igualmente, pela rejeição das contas.

2. Despesas indevidas com verbas do Fundo Partidário. a) Falta de comprovação dos serviços prestados por advogado ao partido. Juntados aos autos documentos idôneos, como procurações outorgando poderes ao profissional, recibos de transferências bancárias e notas fiscais eletrônicas. Inegável a atuação do procurador no feito. Mácula sanada. b) Gastos irregulares junto a empresas comerciais. Falta de correspondência entre os dados constantes nos extratos bancários e nos recibos de prestação de serviço, sem evidência do efetivo cumprimento do acordado e do vínculo do trabalho com a atividade partidária. Desatendimento ao art. 18 da Resolução TSE n. 23.546/17. Não demonstrada a necessária triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, que permite a aferição da regularidade na aplicação de recursos públicos. Reconhecida a falha apontada. c) Assinalado o recebimento de verba pública, repassada pelo diretório municipal do partido, na conta destinada a ¿outros recursos¿, em contrariedade ao art. 6º da Resolução TSE n. 23.546/17, impossibilitando a conferência do direcionamento da receita. Demonstrada nos autos a origem dos valores na conta bancária destinada ao Fundo Partidário na esfera municipal e sua posterior transferência à sede regional para atendimento de despesas com locação de imóvel, fim válido e adequado, nos termos do art. 44, inc. X, da Lei n. 9.096/95. Operação amparada por contrato devidamente assinado pelas partes e reconhecido em cartório, revestido de requisitos suficientes à sua convalidação. Falha sanada.

3. Recebimento de valores de fonte vedada. Existência de contribuições de não filiados ao partido politico, exercentes de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, e de pessoa jurídica, incorrendo na proibição disposta no art. 12, incs. II e IV, da Resolução TSE n. 23.546/17. Malograda a intenção do partido de enquadrar as doações na exceção disposta no § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.546/17 ao juntar aos autos ficha de filiação dos supostos colaboradores, pois as peças não fazem prova do alegado, visto tratar-se de documento unilateral, desprovido de fé pública. Confirmada, no entanto, no sistema da Justiça Eleitoral, a filiação de um dos doadores ao partido. Exclusão do contribuinte comprovadamente filiado à agremiação. Restituição dos valores oriundos das fontes vedadas remanescentes.

4. Recursos de origem não identificada - RONI. Doação identificada com o CNPJ do próprio diretório estadual, inviabilizando a conferência da fonte originária da receita. Reconhecida a irregularidade e o dever de recolhimento. 5. Ausência de aplicação dos recursos do Fundo Partidário no fomento à participação feminina na política, conforme a previsão do art. 22 da Resolução TSE n. 23.546/17. Omissão na abertura de conta bancária específica para os recursos públicos destinados à ATM Ação da Mulher Trabalhista. Não comprovado o alegado investimento do percentual mínimo legal de 5% (cinco por cento) das verbas do Fundo Partidário na criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. Obrigatoriedade de aplicação desses valores no exercício subsequente, vedada sua utilização para finalidade diversa, nos termos do art. 22, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

6. Falhas em montante inferior a 10% da arrecadação, tornando possível o juízo de aprovação com ressalvas por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Imposição de recolhimento dos valores irregulares ao erário. Determinação de emprego dos repasses do Fundo Partidário na conta destinada aos programas de incentivo à participação política feminina, no exercício subsequente ao trânsito em julgado da presente decisão. Diretriz jurisprudencial deste Regional, alinhada ao entendimento do TSE, assentando que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não incide a pena de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário prevista no art. 36 da Lei n. 9.096/95.

7. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - PC: 06001971420206210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Data de Julgamento: 21.09.2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 23.09.2022.)

Destaco que nenhum dos doadores elencados na decisão hostilizada teve a sua filiação comprovada, de forma que à situação não aproveita a alteração produzida pela Lei n. 13.488/2017 no art. 31 da Lei n. 9.096/95, a qual prevê que as pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, podem realizar contribuições a campanhas eleitorais desde que filiadas a partido político.

Resta evidente a compatibilidade entre os fatos, a tese e o fundamento da decisão, portanto, afastada a alegação de desinteligência.

Na mesma linha das sustentações anteriores, qual seja, que os doadores eram filiados, procura o recorrente apontar contradição no acórdão, no ponto em que concluiu que “os elementos trazidos aos autos pelo recorrente são suficientes a demonstrar a vinculação do dispêndio com as atividades partidárias alegadamente realizadas”.

Aqui, tratou-se de ressarcimento de gastos sem a constituição de fundo de caixa.

Sublinho que a legislação de regência tem regras rígidas, estabelecidas para ressarcimento de gastos e constituição de fundo de caixa, e em nada vincula a restituição à condição de filiados ou não filiados, ainda que pressuponha o desempenho de atividade partidária. Os requisitos versam sobre comprovação de gastos, limites quanto aos valores e origem das verbas que constituem tal fundo.

A comprovação concernente à regularidade dos gastos pretendeu se dar por meio de fotos e lista de presença em eventos, por óbvio, provas tidas por impróprias no acórdão.

Inadequado o apontamento. Insubsistente a alegada contradição.

Por fim, os aclaratórios alegam que a duplicidade de sanções (multa e suspensão de quotas do Fundo Partidário) “mostra-se desarrazoado posto que inviabilizaria por 3 três meses a atividade partidária cumulado com a multa”.

Embora a sede de aclaratórios não se preste a rediscutir dosimetrias, transcrevo, no ponto, a decisão vergastada, e observo que devidamente fundamentada a fixação da multa e da sanção apontadas, com indicação das circunstâncias justificadoras:

A sentença desaprovou as contas e fixou a multa no patamar de 10% (dez por cento), R$ 7.543,17. Calibragem intermediária, que, na previsão do art. 37 da Lei n. 9096/95, pode ser de até 20% do valor da irregularidade. Ainda, a decisão determinou a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 (seis) meses, igualmente intermediário. Com efeito, o conjunto de irregularidades é grave e atinge patamar significativo, de modo que a desaprovação deve ser mantida.

Contudo, a d. Procuradoria Regional Eleitoral, em percuciente parecer, manifesta-se pela fixação da pena pecuniária em 4,6% sobre o montante a ser devolvido ao Tesouro Nacional, bem como pela redução do período de suspensão de quotas para o prazo de 3 (três) meses.

O posicionamento leva à reflexão, e de fato procede.

Acolho o posicionamento do Parquet, pois a irregularidade de R$ 75.431,79 representa 23% dos recursos recebidos pelo ente partidário no exercício financeiro de 2022 (R$ 314,626,38) e, consoante a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, as reduções propostas mostram-se adequadas.

Nas circunstâncias, evidenciado que a pretensão recursal possui o intento de rediscutir a matéria decidida pelo Tribunal, o que é incabível em âmbito de embargos declaratórios, vez que "a omissão apta a ser suprida pelos declaratórios é aquela advinda do próprio julgamento e prejudicial à compreensão da causa, não aquela deduzida com o fito de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo julgador" (TSE, ED-AgR-AI n. 10.804, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 01.02.2011).

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.