REl - 0600116-53.2024.6.21.0088 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/09/2024 às 16:00

VOTO

 

O recurso é adequado e tempestivo.

Em preliminar deduzida em contrarrazões, o recorrido suscita a violação do princípio da dialeticidade, sob a alegação de que “é possível verificar que trata-se de reiteração do teor da peça inicial, mediante mera cópia da exordial, sem qualquer impugnação específica aos tópicos da sentença”.

Ocorre que a sentença teceu razões adequadas à conclusão de que o candidato tão somente exerceu o papel de árbitro de futebol no evento ocorrido em 5.8.2024, sem qualquer relação com as funções de diretor de esportes do Município (ID 45704126).

Em contrapartida, o recurso aponta que as provas acostadas demonstram que o candidato se manteve próximo à esfera de poder da localidade e usou de estrutura administrativa, da qual deveria estar afastado (ID 45704135).

Assim, as razões deduzidas pela parte recorrente, ainda que inserida em um contexto argumentativo mais amplo, atende minimamente ao requisito da dialeticidade, bem como demonstra o interesse recursal na alteração do resultado do julgamento, viabilizando o conhecimento do recurso.

Assim, rejeito a preliminar.

No mérito, é incontroverso que CLEVERSON EVANDRO KUFNER exonerou-se formalmente do cargo de Diretor de Esportes do Município de Veranópolis, a contar de 5.7.2024 (ID 45704019), atendendo, portanto, ao prazo legal de desincompatibilização de 3 meses anteriores ao pleito, previsto no art. 1º, inc. II, al. "l", da Lei Complementar n. 64/90.

Por outro lado, os recorrentes sustentam que o candidato permaneceu, de fato, exercendo as funções do cargo, ao participar do evento denominado “Mês do Estudante”, no dia 5.8.2024, no qual atuou como árbitro de futebol.

Sobre o ponto, assim consta nas razões recursais:

Logo no primeiro jogo do dia as 08:00, os árbitros contratados pelo Município de Veranópolis acabaram se atrasando e o Diretor de Esportes assumiu o apito e arbitrou a partida entre Instituto Federal x AVAEC, conforme prints abaixo colacionados nos quais o recorrido aparece dentro da quadra de jaqueta preta e laranja no canto direito, (…).

A desincompatibilização é a desvinculação ou o afastamento do cargo, cujo exercício seja legalmente incompatível com o mandato eletivo que se postula.

O objetivo do instituto é viabilizar a igualdade de oportunidades entre os candidatos e garantir que o agente público não se utilizará da máquina administrativa em benefício de sua pretensão eleitoral, ou até mesmo, não deixe de exercer fielmente suas atribuições para se dedicar à política.

Resulta disso o entendimento jurisprudencial de que, para fins de desincompatibilização, é exigido o afastamento de fato do candidato de suas funções, que prevalece diante daquele meramente jurídico-formal (TSE – RESPE n. 19047/MT, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 05.4.2017).

Analisando os elementos probatórios acostados aos autos, entendo que a atuação do recorrido como árbitro de futebol em jogos estudantis, ainda que o evento tenha sido organizado pelo Poder Público Municipal, não é suficiente para se concluir pela ausência de desincompatibilização fática.

A prova produzida pelos recorrentes se delimita a fotografias do ora recorrido realizando a arbitragem de partida de futebol em um ginásio, o que nada revela sobre a suposta continuidade nas atividades do cargo público.

A alegação de que “o candidato não estava afastado do núcleo de poder, já que foi chamado para participar no evento esportivo pelos seus colegas de pasta” representa mera ilação ante a ausência de qualquer elemento probatório concreto de efetivo exercício das atribuições do cargo de diretor municipal de esportes, dentre as quais não se inclui a arbitragem de partidas de futebol.

Consoante bem concluiu a Magistrada sentenciante, “ser árbitro em jogos organizados pelo Município não faz parte das atribuições do cargo de Diretor de Esportes, especialmente porque é contratada equipe específica para tal fim”, bem como que “compete ao Diretor as atividades em relação à organização e planejamento dos campeonatos e eventos relacionados a Esportes da cidade”.

A ata notarial com as mensagens trocadas entre o recorrido e o então Diretor de Esportes, Rafael Sotilli (ID 45704052), e as oitivas das testemunhas, transcritas na sentença (ID 45704126), confirmam a narrativa de que a equipe de arbitragem contratada, vinda de Bento Gonçalves, atrasou em seu deslocamento para o evento, de modo que Rafael chamou Cleverson para “apitar” o torneio em substituição, tendo desempenhado a tarefa por apenas dois jogos.

Por outro lado, não há notícias de participação em reuniões, deliberações ou em outros atos de organização de aludido evento.

Nesse quadro, as tarefas desempenhadas pelo recorrido em 5.8.2024 não se equivalem ou substituem a atuação de diretor de esportes na deliberação e consecução de atos, programas e políticas públicas.

Portanto, os recorrentes não demonstraram de forma suficiente a ausência de afastamento de fato das funções impeditivas à candidatura, ônus probatório que lhe incumbia, consoante remansoso entendimento jurisprudencial:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO. CANDIDATO A PREFEITO. INELEGIBILIDADE. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. ART. 1, IV, A, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. FISCAL DE TRIBUTO. O Tribunal de origem soberano na análise de fatos e provas, '‘assentou a existência de desincompatibilização tempestiva de fato e de .direito, inclusive em relação ao exercício das funções diretas ou indiretas de fiscal de tributo, entendimento insuscetível .de revisão sem o reexame da prova. , 2.. Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, incumbe a impugnante a prova de que a desincompatibilização não ocorreu no plano fático Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE; REspe 294-691P13, Rel. Min. Henrique Neves, PSESS em 28.11.2016)

ELEIÇÕES DE 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. VICE-GOVERNADOR. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. SÓCIO. EMPRESA DE 'RÁDIO E TELEVISÃO. ALEGAÇÃO .DE AUSÊNCIA DE AFASTAMENTO DE FATO. PROVA. INSUFICIÊNCIA. AFASTAMENTO DE DIREITO. COMPROVADO. REGISTRO MANTIDO.

[...] O candidato comprovou a sua desincompatibilização de direito, por meio da apresentação de cópia da ata da reunião dos sócios da empresa, na qual comunicou o' seu afastamento das suas funções, em razão do interesse de concorrer a cargo eletivo nas Eleições de 2014. O ônus de demonstrar que não houve o afastamento de fato da condução da empresa é dos impugnantes, e as provas, contraditórias e parciais, apresentadas nesta ação, não são suficientes para demonstrar; além de dúvida razoável, a prática de atos de gestão pelo candidato.

(TSE; REspe 287-70/SE, Rel. Min. Henrique Neves, PSESS em 12.09.2014)


 

Ainda na linha da jurisprudência do TSE, as causas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente, evitando-se a criação de restrição de direitos políticos sob fundamentos frágeis e inseguros, com ofensa à dogmática de proteção dos direitos fundamentais (Agravo Regimental Em Recurso Especial Eleitoral n. 28641/MG, Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJE n. 157, data 15.8.2017).

Assim, o recorrido atendeu à necessidade de desincompatibilização formal no tempo oportuno, inexistindo provas de ausência de afastamento fático ou material das atribuições do cargo público, razão pela qual não merece reforma a sentença recorrida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.