REl - 0600054-80.2024.6.21.0098 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/09/2024 às 16:00

VOTO

Inicialmente, afasto a alegação de cerceamento de defesa por ausência de prova oral, pois não verifico prejuízo processual às partes quanto à falta de oitiva de testemunhas, uma vez que a questão dos autos tem caráter eminentemente documental, cabendo ao juiz o indeferimento de provas inúteis, nos termos do art. 370, parágrafo único, do CPC.

Além disso, considerando que a Lei das Eleições (art. 96) bem como a Resolução TSE n. 23.608/19 (art. 18) não preveem a possibilidade de produção de prova testemunhal no procedimento relativo à representação por propaganda irregular, rejeito igualmente a preliminar de cerceamento de defesa alegada.

Ainda em sede preliminar, consigno ser possível a cumulação de pedidos condenatórios por prática de abuso de poder e divulgação de propaganda eleitoral irregular, ao contrário do que entendeu o juízo a quo. Segundo o TSE: “Não há óbice à imposição de multa por propaganda extemporânea nos autos de AIJE, desde que observado o rito ordinário mais benéfico, previsto no art. 22 da LC n. 64/1990, uma vez que não acarreta prejuízo algum à defesa” (TSE - AREspE: 06004103520206050042 ITABERABA - BA 060041035, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 09.6.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 112).

Entretanto, nos termos da proposição apresentada pela Procuradoria Regional Eleitoral, em atenção aos princípios da celeridade e da economia processual, deixo de promover a anulação do feito desde as citações, uma vez que o processo se encontra com possibilidade de imediato julgamento.

Nesse ponto, oportuno destacar que o representante apenas requereu, além da condenação dos representados por realização de propaganda eleitoral irregular antecipada, o sancionamento pela prática de abuso de poder, sem identificar a ocorrência de condutas vedadas.

No mérito, a publicidade impugnada trata da publicação de um informativo de 8 páginas no jornal impresso Novo Tempo, que possui publicação local no Município de Garibaldi, custeado pelo Progressistas (PP) de Garibaldi para divulgação de publicidade institucional da gestão do partido à frente do Executivo municipal ao valor de R$ 2.300,00, cuja tiragem da edição, datada de 02.8.2024, teve 5 mil exemplares.

Em defesa, os recorridos alegam que o “Informativo Progressistas” foi encomendado pelo Progressistas para distribuição entre filiados, e não como um encarte anexo ao jornal, e que houve um erro na distribuição ao ser inserido na edição do dia 02.8.2024. Afirmam que poucos exemplares foram distribuídos para assinantes do jornal e que mais ou menos 40 não foram recuperados, tendo o restante do material sido recolhido.

Além disso, referem que o conteúdo da publicação não apresenta propaganda eleitoral ou pedido de votos.

De acordo com a sentença: “As expressões e as palavras utilizadas no encarte, como as destacadas pelo representante no 122715782, não levam a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória. O partido que o publicou exalta ações de governo e realiza propaganda institucional partidária. Não há destaque a candidato ou a candidatura, de modo que ausente fato concreto que possa ser considerado como violador da igualdade entre candidatos ou pretensas candidaturas” (ID 45673868).

O caso demanda análise da forma e do conteúdo da publicação frente ao disposto nos arts. 2º, 3º e 3º-A, todos da Resolução TSE n. 23.610/19, que permitem a propaganda eleitoral a partir de 16 de agosto do ano da eleição e, antes desse período, a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver pelos instrumentos de comunicação intrapartidária, mas vedam a divulgação de mensagem que contenha pedido explícito de voto - o qual pode ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo - ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha.

Há que se considerar, ainda, o disposto no art. 42 da Resolução TSE n. 23.610/19, segundo a qual é permitida a divulgação paga na imprensa escrita e a reprodução na internet do jornal impresso, de até 10 (dez) anúncios de propaganda eleitoral por veículo, em datas diversas, para cada candidata e candidato, no espaço máximo, por edição de 1/8 (um oitavo) de página de jornal padrão e de 1/4 (um quarto) de página de revista ou tabloide (Lei n. 9.504/97, art. 43, caput).

O primeiro ponto a ser verificado é se o material em questão caracteriza propaganda eleitoral ou puramente uma publicidade institucional. Reproduzo algumas imagens do seu conteúdo:

Pois bem.

No caso em tela, a publicação tem 8 páginas, conta com 5 mil exemplares impressos, traz o nome e número do partido e faz referência direta ao pleito de 2020 e à prefeitura, cujo vice-prefeito é candidato à eleição como prefeito, em diversas passagens, tais como: “A mudança que escolhemos em 2020 está dando frutos”, “Mas há muito a ser feito e vamos, juntos, escrever um futuro ainda mais brilhante para nossa cidade”, “Em 2020 o PP colocou a educação como prioridade da sua gestão”, “A prefeitura deu atenção total à educação infantil”, “A administração municipal também investiu na qualidade da merenda escolar”, "A Prefeitura de Garibaldi voltou a valorizar os esportes”, “Por isso, lá em 2020 assumiu o compromisso de investir em inovação e desburocratização”.

Na Eleição de 2024, o candidato a prefeito pelo partido concorre com o número 11, e a publicação faz referência ao partido ter vencido as eleições, sendo manifesta a conotação eleitoral e a intenção de que o material tenha reflexos eleitorais. Tenho, portanto, por caracterizada a propaganda eleitoral no material em tela, pois seu conteúdo ultrapassou a natureza estrita de uma publicidade institucional ao fazer referência às eleições.

Quanto à possibilidade de que se trate de veiculação de propaganda antecipada lícita, é certo que o art. 3º da Resolução TSE n. 23.610/19 prevê que “não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais das pré-candidatas e dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet”, e que seu inciso II permite “a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, da discussão de políticas públicas, dos planos de governo ou das alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades serem divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária”.

Entretanto, inviável a acolhida de que o impresso se destinava exclusivamente ao âmbito intrapartidário, pois o elevado número de exemplares, 5.000, notoriamente supera o número de filiados do PP de Garibaldi e o número de presentes em sua convenção partidária. Ademais, os recorridos reconheceram que houve distribuição da publicação em jornal de circulação local, embora reduzida.

Desse modo, rejeito a tese defensiva de que a publicação foi estrita ao âmbito interno da legenda.

Tendo em conta que a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15.8.2024 (art. 36 da Lei n. 9.504/97, regulamentado pelo art. 2°, da Resolução TSE n. 23.610/19) e que antes desse prazo a legislação eleitoral veda o pedido de votos, ainda que implícito, o TSE regulamentou a matéria relativa à propaganda antecipada estabelecendo que “o pedido explícito de voto não se limita ao uso da locução ‘vote em’, podendo ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo” (parágrafo único, do art. 3º-A, da Resolução TSE n. 23.610/19).

De acordo com o TSE, existem expressões veiculantes das denominadas “palavras mágicas” (magic words), caracterizadoras de pedido explícito de votos, tais como: (i) vote em (vote for); (ii) eleja (elect); (iii) apoie (support); (iv) marque sua cédula (cast your ballot for); (v) Fulano para o Congresso (Smith for Congress); (vi) vote contra (vote against); (vii) derrote (defeat); e (viii) rejeite (reject). (TSE. AgR-AI nº9-24.2016.6.26.0242/SP, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 22.8.2018).

No caso concreto, quanto à conclamação de eleitores para que juntos escrevem “um futuro ainda mais brilhante para nossa cidade”, verifiquei que o TSE já firmou posicionamento de que a expressão isolada “tamo junto” não caracteriza a veiculação de propaganda eleitoral antecipada (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 060023063, Acórdão, Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 08.11.2019).

Contudo, entendeu caracterizada a veiculação de propaganda antecipada por meio da utilização das frases, em perfil da rede social Instagram: "posso contar com você nessa jornada?', "posso contar contigo nessa?', "vamos juntos construir essa parceria de sucesso! Quem vai com a gente nessa?', "posso contar com você nessa jornada?', "posso contar com você nessa luta?' e "vem com a gente nessa?”:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. ARTS. 36 E 36–A DA LEI 9.504/97. POSTAGEM. REDE SOCIAL. “PALAVRAS MÁGICAS”. CONFIGURAÇÃO. MULTA. SÚMULA 30/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. No decisum monocrático, manteve–se aresto unânime do TRE/SP em que se condenou o agravante, pré–candidato ao cargo de deputado estadual de São Paulo nas Eleições 2022, ao pagamento de multa de R$ 10.000,00 pela prática de propaganda eleitoral extemporânea (arts. 36, caput, § 3º, e 36–A da Lei 9.504/97). 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, reafirmada para o pleito de 2022, na caracterização de propaganda eleitoral antecipada é possível identificar o requisito do pedido explícito de votos a partir do uso de “palavras mágicas”. Nesse sentido, entre outros, o AREspE 0600340–54/MG, Rel. Min. Sérgio Silveira Banhos, DJE de 30/5/2023. 3. No caso, extrai–se da moldura fática do aresto a quo que “[o] recorrente, em 6 (seis) publicações na rede social Instagram, veiculou o seguinte conteúdo: "posso contar com você nessa jornada?', "posso contar contigo nessa?', "vamos juntos construir essa parceria de sucesso! Quem vai com a gente nessa?', "posso contar com você nessa jornada?', "posso contar com você nessa luta?' e "vem com a gente nessa?”. 4. Considerando que o ilícito foi cometido por seis vezes em diferentes postagens, mostra–se razoável e proporcional o valor da multa estabelecido pela Corte de origem no patamar de R$ 10.000,00. 5. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE - REspEl: 06041861920226260000 SÃO PAULO - SP 060418619, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 28/09/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 199)

 

Na hipótese em tela, a publicidade, de 02.8.2024, faz expressa referência à prefeitura, cujo vice-prefeito atual é filiado ao PP e candidato à eleição como prefeito, traz expressa menção ao pleito de 2020, e alusão ao chamado de que o eleitorado mantenha o partido no poder, na eleição que se avizinha, em “vamos, juntos, escrever um futuro ainda mais brilhante para nossa cidade”.

O pedido de que os eleitores venham juntos escrever um futuro ainda mais brilhante caracteriza, a meu ver, a utilização de “palavras mágicas” vedadas no período da pré-campanha, por possuírem equivalência semântica aos termos proibidos pelo TSE nesse período: “vote”, “vote em”, “eleja” e “apoie”. Segundo o TSE, o pedido explícito de voto ou de não voto proibido pela norma inscrita no art. 36-A da Lei n. 9.504/97 pode ser extraído do contexto em que as falas foram proferidas, do chamado "conjunto da obra" (TSE, Representação 060068143/DF, Relator(a) Min. Maria Claudia Bucchianeri, Acórdão de 28.10.2022, Publicado no(a) Publicado em Sessão 403, data 28.10.2022).

De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral: “o pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas 'palavras mágicas', como, por exemplo, 'apoiem' e 'elejam', que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória” (AgR–AI 29–31, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

A situação dos autos apresenta maiores contornos de ilicitude porque a propaganda eleitoral em tela foi paga, no valor de R$ 2.300,00 (conforme nota fiscal do ID 45673860), procedimento vedado antes de 16.8.2024, e porque a forma e o meio utilizados também são vedados nesse período. No ponto, assiste razão ao recorrente ao apontar que a publicação é ilícita por ter superado o tamanho máximo de 1/8 (um oitavo) de página de jornal padrão disposto no e art. 42 da Resolução TSE n. 23.610/19.

Portanto, divirjo da Procuradoria Regional Eleitoral e concluo que a sentença merece ser reformada em parte.

Quanto ao apenamento, tendo em conta ter sido demonstrada pela ata notarial de ID 45673863 que os recorridos estão na posse do material irregular, e que a circulação compreendeu pouco número de pessoas, não se revestindo de maior gravidade, entendo que a multa deve ser fixada no mínimo legal de R$ 5.000,00 para cada representado, quantia que se afigura razoável, adequada e proporcional à infração cometida, nos termos do art. 2°, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

Ressalto que a multa por veiculação de propaganda eleitoral irregular deve ser aplicada individualmente (TSE - AREspEl: 0604240-82.2022.6.26.0000 SÃO PAULO - SP 060424082, Relator: Carlos Horbach, Data de Julgamento: 23.3.2023, Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico - DJE 51, data 27.3.2023).

Como consectário da ilicitude, merecem ser condenados os recorridos também à obrigação de não fazer consistente na vedação de distribuição do material impugnado nos autos.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo provimento parcial do recurso para reformar em parte a sentença e julgar parcialmente procedente a representação, a fim de condenar individualmente o PROGRESSISTAS (PP) DE GARIBALDI/RS e a EMPRESA JORNALÍSTICA INDEPENDENTE LTDA. (JORNAL NOVO TEMPO) ao pagamento de multa de R$ 5.000,00 por veiculação de propaganda eleitoral antecipada, nos termos do art. 2°, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19 e à obrigação de não fazer consistente na vedação de distribuição do material impugnado nos autos, mantendo o entendimento de que a análise de prática de abuso de poder econômico deve ser realizada em ação própria.