REl - 0600105-89.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2024 00:00 a 23:59

 

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os pressupostos de admissibilidade, de modo que merece conhecimento.

Conforme relatado, trata-se de recurso da Coligação NOVA FRENTE POPULAR formada pela FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA – FE BRASIL (PT/PCdoB/PV) e FEDERAÇÃO PSOL REDE (PSOL/REDE), em representação por propaganda eleitoral irregular em todas as emissoras, bloco das 13h, em especial na RBS TV Pelotas, emissora geradora, veiculada pela Coligação PELOTAS VOLTANDO A CRESCER! (PL/PRD), MARCIANO PERONDI e ADRIANE GRACIA RODRIGUES.

Os recorrentes apontam as seguintes irregularidades na propaganda impugnada: (1) ausência de texto obrigatório; (2) ausência parcial de interpretação em LIBRAS; e (3) conteúdo que se constitui propaganda negativa, consistente em utilização de fantoches para ridicularizar os candidatos à majoritária, adversários das federações recorrentes.

A sentença hostilizada julgou improcedente a representação, nestes termos:

Após análise detida do vídeo da propaganda eleitoral veiculada, não se verifica a ocorrência das irregularidades invocadas na representação.

O uso de bonecos na propaganda, conforme observado, não ultrapassa os limites do debate eleitoral legítimo. A crítica política é parte essencial do processo democrático, e, no presente caso, as representações visuais utilizadas na propaganda não têm o caráter de degradar ou desrespeitar os outros candidatos, mas apenas de expor, de forma humorística e crítica, as ideias e propostas defendidas pelos adversários.

Destaco que o debate eleitoral admite o uso de figuras de linguagem, metáforas e sátiras, desde que não configurem ofensa pessoal ou desrespeito à honra e dignidade dos concorrentes. No presente caso, a propaganda analisada não ultrapassou esses limites, encontrando-se dentro do permitido pela legislação eleitoral.

Da mesma forma, conforme observou o Ministério Público Eleitoral, as demais irregularidades apontadas na inicial não ocorreram, pois há identificação de tratar-se de “Propaganda Eleitoral Gratuita” e tem identificação dos partidos integrantes da coligação.

III. DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente representação, uma vez que não se verificam as irregularidades apontadas pelo representante.

 

À análise pormenorizada de cada uma das alegações.

1. Informações obrigatórias. Ausência.

Quanto às apontadas ausências de informações obrigatórias, (1.1.) falta de legenda e (1.2) interpretação em LIBRAS (parcial), destaco que os recorridos, por ocasião da primeira manifestação nos autos, consignaram que "uma vez constatados alguns meros lapsos transicionais os Notificados corrigiram tais carências em seu programa". Ademais, apresentaram imagem do vídeo com os elementos devidamente regularizados – correções essas confirmadas tanto no parecer do órgão ministerial atuante na origem, quanto na sentença ora desafiada.

Sublinho: a falta de elemento obrigatório na apresentação da propaganda somente acarretaria sanção de multa caso não tivesse sido atendida a ordem judicial de regularização. Neste sentido, com grifo meu:

Representação. Eleições 2022. Propaganda eleitoral. Janela de Libras. Audiodescrição. Inobservância da TSE n. 23.610/19 e ABNT NBR 15290:2016. Retificação após ordem judicial. Descabimento de sanção pecuniária. Procedência. I - Na hipótese de propaganda contendo janela de intérprete de Libras e audiodescrição sem integral obediência à TSE n. 23.610/19 e ABNT NBR 15290:2016, somente incide sanção pecuniária caso descumprida a notificação judicial para a retificação da propaganda. II - Regularizada a propaganda em tempo hábil, julga-se procedente a ação, para confirmar a decisão liminar. REPRESENTAÇÃO nº060108060, TRE-RO, Acórdão, Des. Acir Teixeira Grecia, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 10/11/2022.

2. Conteúdo. Caráter ofensivo à honra ou à imagem.

Aqui, de igual modo, não assiste razão aos recorrentes.

A legislação de regência da propaganda eleitoral estabelece limites temporais e éticos a serem observados por candidatos, partidos e eleitores, e confere posição preferencial à liberdade de expressão, a menos que haja ofensa à honra ou à imagem do candidato:

Resolução TSE n. 23.610/19

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A) . ( Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020 )
§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)
§ 2º As manifestações de apoio ou crítica a partido político ou a candidata ou candidato ocorridas antes da data prevista no caput deste artigo, próprias do debate democrático, são regidas pela liberdade de manifestação. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

No caso, a utilização de dois fantoches – ambos de nome “Ferdinando”, alegadamente em alusão aos candidatos Fernando Marroni e Fernando Estima, pois, nas palavras da recorrente, "um dos bonecos traja vermelho e tem cabelos pretos e o outro traja azul e tem cabelos brancos, fazendo referência subliminar à Marroni e Estima, respectivamente, em função das cores do PT e PSDB", e se comportariam de forma a ridicularizar os citados adversários.

Pois bem.

Assistindo de forma atenda ao vídeo, tenho que nem de longe se adentra ao campo da ofensa pessoal à imagem dos candidatos da recorrente. Há, por certo, alusões críticas especialmente no que diz respeito a reeleições de antigos candidatos, mas friso que tal argumento é próprio dos discursos de concorrentes que inauguram carreiras políticas - aliás, uma vez consolidada a nova carreira, é certo que será futuramente exposto, veja só, exatamente à mesma crítica. Relativamente ao tom das críticas, vale dizer que beira o pueril, com várias passagens com falas infantilizadas, visivelmente caricatas, sem o menor potencial de ofensa à honra ou à imagem.

De todo modo, é entendimento pacífico que a exposição a críticas, ainda que de gosto duvidoso, exageradas, condenáveis, satíricas e humorísticas são abrigadas pelo direito fundamental à liberdade de expressão (ADI 4.451, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 06.10.2015).

Nesta linha, o posicionamento desta Corte em julgado recente de minha relatoria e, igualmente, do e. TSE (de longa data) como demonstra o julgado do Min. Caputo Bastos:

Direito Eleitoral. Eleições 2024. Recurso. Representação. Propaganda eleitoral extemporânea negativa. Postagem em rede social. Instagram. Deepfake. Não configurado. Desprovimento.

I. Caso em exame

1.1. Recurso interposto por candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito contra sentença que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral extemporânea negativa e suposta prática de injúria eleitoral por meio de deepfake em publicação nas redes sociais. Divulgação realizada na plataforma Instagram do representado, consistente em fundo musical de popular dupla de palhaços (Patati e Patatá), acompanhada de imagem dos representantes caracterizados como palhaços, por meio de montagem, e texto sob o título “O CAOS NA SAÚDE VIROU PALHAÇADA”.

II. Questões em discussão

2.1. A questão em discussão consiste em saber se a imagem objeto da representação configura deepfake nos termos da legislação eleitoral e se a postagem pode ser enquadrada como propaganda eleitoral extemporânea negativa.
III. Razões de decidir

3.1. Deepfake se refere à falsidade do material obtido como resultado. Trata-se de conteúdo em áudio ou vídeo, digitalmente manipulado por Inteligência Artificial, consubstanciando uma tecnologia usada para criar vídeos falsos, porém bem realistas, com pessoas fazendo coisas que nunca fizeram de verdade ou em situações que nunca presenciaram. O algoritmo utiliza IA para manipular imagens de rostos e criar movimentos, simulando expressões e falas.
3.2. Na hipótese, inviável a caracterização de deepfake, uma vez que a montagem apresentada não utilizou técnicas sofisticadas de manipulação de mídia com o uso de inteligência artificial, conforme previsto no art. 9º-C da Resolução TSE n. 23.610/19. Trata-se de montagem grosseira, rústica, incapaz de enganar os eleitores.

3.3. A postagem, embora de mau gosto, também não constitui propaganda eleitoral extemporânea negativa. Divulgação de crítica política relacionada à gestão pública de saúde, protegida pela liberdade de expressão. Afirmações que não agregam nível ao debate político, mas que igualmente não ofendem a honra ou a imagem dos candidatos.

IV. Dispositivo e tese

4.1. Provimento negado ao recurso.

Tese de julgamento:

1. Não configura deepfake a montagem tosca, sem o uso de técnica sofisticada de manipulação de mídia e sem a utilização de inteligência artificial.

2. Não configura propaganda eleitoral extemporânea negativa a crítica política, ainda que de gosto duvidoso e incivilizada, insuficiente para ofender a honra e a imagem de candidato”.

Legislação relevante citada: Constituição Federal de 1988, art. 5º, inc. IV; Resolução TSE n. 23.610/19, art. 9º-C, art. 10; Lei n. 9.504/97, art. 36-A
Jurisprudência relevante citada: STF, Inq 3.546, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, j. 15.09.2015; TSE, DR 060088672, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 20.10.2022; STF, ADI 4.451, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 06.10.2015.
Rel 0600064-11, Relator Des. Eleitoral Volnei dos Santos Coelho, Julgado em 06.09.2024. Publicado em Sessão.

Representação. Propaganda eleitoral. Horário gratuito. Veiculação. Imagem. Gesticulação. Alegação. Conotação pejorativa. Alusão. Caráter. Candidato. Não-ocorrência. Ausência. Configuração. Ofensa. Honra.
1) Não caracteriza ridicularização ou degradação a veiculação de imagem que enseja comparação alusiva ao caráter do candidato.
2)
O sarcasmo ou a ironia, lançados de forma inteligente, não possuem o condão de ofender a honra e a dignidade da pessoa, valores a serem preservados nos embates eleitorais.
3) Improcedência da representação. Representação nº601, Acórdão, Min. Caputo Bastos, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Tomo 16, null. Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 18/10/2002.


 

Ou seja, na linha do parecer exarado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, não vislumbro ferimento à legislação, e sim o legítimo exercício do direito constitucional à liberdade de expressão na seara da crítica a concorrentes no pleito.

Diante o exposto, VOTO por negar provimento ao recurso da Coligação NOVA FRENTE POPULAR, nos termos da fundamentação.