REl - 0600240-74.2024.6.21.0043 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2024 00:00 a 23:59

VOTO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de SANTA VITÓRIA DO PALMAR - RS contra a sentença que extinguiu sem resolução de mérito a representação eleitoral ajuizada pelo ora recorrente visando à suspensão de páginas anônimas na internet, cumulada com determinação de fornecimento de dados e informações sobre a conta questionada.

O magistrado sentenciante extinguiu o processo sem julgamento de mérito, tendo em vista a ausência de conteúdo eleitoral nas postagens, apontando que (ID 45683132):

No caso em análise, as publicações, divagações subjetivas e postagens de teor aparentemente ficcional tiveram seu início muito antes do dito período eleitoral, mas somente neste momento impugnado pela parte autora, sendo que duas das referidas páginas já remodelaram seu foco, prestando-se no presente momento apenas à propaganda política de Partidos opositores e críticas à atual gestão, não desbordando da contenda inerente à disputa política.

 

Com efeito, as páginas denominadas “O Mergulhão Vigilante”, “Santa Rumo” e “SVP React” publicaram, entre os dias 18 de julho de 2024 e 24 de agosto de 2024, em perfis sem identificação de autoria, diversas mensagens, então relacionadas na petição inicial, com referências jocosas e alegorias sobre determinado “reinado”, a fim de criticar a atual Administração Municipal, como exemplificam os seguintes trechos:

[...].

CRIMES DE UMA MONARQUIA DECADENTE

Mais um escândalo envolvendo a corte de Narciso I veio à tona. Um baile em homenagem a Pompeu, seu herdeiro presuntivo, rapidamente se transformou em uma exibição de promessas vazias e interesses mesquinhos.

[...].

Os emissários reais entregaram cobertura de choupana à plebe acompanhada de panfletos da sucessão, é isso produção? Já tá assim?

[...].

Sucupira sempre inovando: Narciso quer formar sua sucessão por um triunvirato com ele incluso, e não apenas um rei e vice-rei.

[...].

O Mergulhão Vigilante, sempre atento em suas arapongagens pela rede, observou determinados partidários do Rei enchendo a boca em público nos perfis dos amigos para criticar a posição da página...

[...].

Hoje em Crônicas do Reino de Sucupira, o Mergulhão Vigilante traz a história de uma dos mais abjetos personagens do reinado de Narciso I: Lord Corvo.

[...].

Alguém já presenciou o reizinho ou seu poodle toy sendo atendidos pelos SUS de Santa Vitória do Palmar????

A Saúde Pública de Santa Vitória do Palmar tem se revelado um verdadeiro martírio para o povo mergulhão.

[...].

(...), até março de 2024, a Prefeitura de SVP contava com 400 contrataçõespor tempo determinado nesse ano de eleição, sem qualquer justificativa idônea para tal, (...).

[...].

 

Do conteúdo questionado, não verifico a aventada natureza de propaganda eleitoral negativa, mas meros atos de crítica política envolvendo supostas circunstâncias da realidade local, restritos à atual gestão municipal e às pessoas que dele participam de alguma maneira.

Destaca-se que as postagens não trazem expressões com semântica equivalente ao pedido de voto ou de não voto em determinado candidato.

Ainda que a crítica possa sugerir, implicitamente, o não voto, a propaganda eleitoral é caracterizada pelo pedido explícito e, “por ‘explícito’ deve-se entender, apenas e tão somente, o pedido formulado ‘de maneira clara e não subentendida’, excluindo ‘o sugerido, o denotado, o pressuposto, o indireto, o latente, o sinuoso e o subentendido” (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral 060006586/RJ, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 16.9.2021).

Nesse sentido, o TSE já afastou a configuração de propaganda eleitoral negativa sob o entendimento de que “as críticas políticas, ainda que duras e ácidas, mas ancoradas em fatos certos, públicos e notórios, estimulam o debate sobre pontos ‘fracos’ das administrações públicas e levam à reflexão da população, para que procure entre os possíveis competidores a melhor proposta para a comunidade”, enfatizando, ainda, que “a extensão maior da noção de propaganda antecipada negativa a qualquer manifestação prejudicial a possível pré-candidato ou grupo político inibe as discussões de temas que devem ser levados para a reflexão da sociedade” (TSE - Rp: 060074723/DF, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 20.4.2023, Data de Publicação: 28.4.2023).

Na mesma direção, o STF já proclamou que a sátira, a charge, a alegoria e a anedota provocativa também se inserem no direito fundamental à liberdade de expressão, o qual “não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias” (STF; ADI n. 4.451-DF, Relator: Min. Alexandre de Moraes, julgado em 21.6.2018).

Outrossim, ainda que as mensagens possam, em tese, revelar ilícitos outros, tal como o alegado anonimato, para justificar a interferência excepcional desta Justiça Especializada, é necessária a demonstração inequívoca de que o conteúdo possui natureza de propaganda eleitoral, com alusão ao pleito e proposição explícita de voto ou de não voto em determinado candidato, o que não se visualiza no caso em tela.

Ainda que se admitisse a natureza de propaganda eleitoral das publicações, conforme a narrativa da petição inicial e o próprio conteúdo questionado, as mensagens versam sobre “a atual situação do governo de Santa Vitória do Palmar” e a “a imagem do atual candidato da situação”, ou seja, envolveriam precipuamente a sucessão aos cargos da eleição majoritária municipal.

Ocorre que o Diretório Municipal do MDB de Santa Vitória do Palmar, por meio da convenção realizada no dia 20.7.2024, formou a coligação denominada Santa Vitória Não Pode Parar (MDB, PP, UNIÃO), consoante se extrai dos autos do DRAP n. 0600199-10.2024.6.21.0043.

Por força do art. 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97, a partir daquela data, o órgão partidário não possui mais legitimidade ativa para atuar isoladamente em juízo em ações relativas à Eleição de 2024 no que envolve a disputa aos cargos do Poder Executivo, como ocorre no caso em análise.

Contudo, a representação foi proposta isoladamente pelo MDB em 27.8.2024, quando ausente o seu interesse em agir e a sua legitimidade ativa para propor, isoladamente, representações eleitorais, consoante remansosa jurisprudência:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA IRREGULAR. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. APLICAÇÃO DE MULTA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA ACOLHIDA PELA CORTE REGIONAL. PARTIDO COLIGADO QUE NÃO PODE ATUAR PROCESSUALMENTE DE FORMA ISOLADA NA ELEIÇÃO MAJORITÁRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, § 4º, DA LEI DAS ELEIÇÕES. ACÓRDÃO REGIONAL EM HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. SÚMULA Nº 30/TSE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO VERGASTADA. AGRAVO DESPROVIDO.1. Este Tribunal perfilha o entendimento de que o partido político coligado não possui legitimidade para atuar, processualmente, de forma isolada durante o período eleitoral. 2. O processamento do recurso especial fica obstado quando o acórdão regional se encontra em harmonia com a jurisprudência desta Corte, nos termos da Súmula nº 30/TSE.3. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060093933, Relator Mininistro Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 13, Data: 03/02/2022) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. PARCIALMENTE PROCEDENTE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. PARTIDO COLIGADO PARA O PLEITO MAJORITÁRIO. ATUAÇÃO ISOLADA. AUSENTES LEGITIMIDADE E INTERESSE. ART. 485, INC. VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

1. O art. 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97 dispõe que o partido político coligado somente detém legitimidade para atuar de forma isolada no processo eleitoral quando questionar a validade da própria coligação, durante o período compreendido entre a data da convenção e o termo final do prazo para a impugnação do registro de candidatos.

2. O partido isolado que formulou aliança para disputar a eleição para os cargos de prefeito e vice-prefeito não possui legitimidade e interesse processual para representar imputando irregularidade na propaganda eleitoral do cargo majoritário.

3. Acolhida a matéria preliminar. Extinção do feito, sem resolução de mérito, por ausência de legitimidade e interesse, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

(TRE/RS – Recurso Eleitoral nº 060066291, Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Publicado em sessão em 21/05/2021) (Grifei.)

 

Assim, por esse conjunto de razões, torna-se impositiva a extinção do processo sem julgamento de mérito, nos termos do art. 485, incs. IV e VI, do CPC, razão pela qual não merece reforma a sentença recorrida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.