REl - 0600455-22.2024.6.21.0020 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/09/2024 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Entendo presente o requisito da tempestividade do recurso em tela, visto que o processo foi concluso em 30.8.2024, sendo proferida e publicada a sentença na mesma data. Em 03.9.2024 foi interposto o recurso em apreço.

Insta referir que a Resolução TSE n. 23.609/19, ao disciplinar o julgamento dos pedidos de registros, em seu art. 58, estatuindo acerca da fluência e contagem de prazos, determina:

 Art. 58. O pedido de registro, com ou sem impugnação, será julgado no prazo de três dias após a conclusão dos autos à juíza ou ao juiz eleitoral (Lei Complementar nº 64/1990, art. 8º, caput) .

§ 1º A sentença, independentemente do momento de sua prolação, será publicada no Mural Eletrônico e comunicada ao Ministério Público por expediente no PJe.

§ 2º O prazo de três dias para a interposição de recurso para o Tribunal Regional Eleitoral será contado de acordo com o previsto no art. 38 desta Resolução, ressalvado o disposto no parágrafo seguinte.

§ 3º Se a publicação e a comunicação referidas no § 1º ocorrerem antes de três dias contados da conclusão dos autos à juíza ou ao juiz eleitoral, o prazo para o recurso eleitoral passará a correr, para as partes e para o Ministério Público, do termo final daquele tríduo.

Portanto, à luz do preceptivo supra, mormente do disposto em seu § 3º, configura-se tempestivo o recurso interposto nos presentes autos.

Outrossim, encontrando-se presentes os demais requisitos de admissibilidade recursais, passo à análise do mérito.

 

MÉRITO

Tal qual verifica-se nos autos, o registro de candidatura do recorrente foi indeferido em virtude de procedência de Ação de Impugnação de Registro de Candidatura que reconheceu a inelegibilidade pelo período de oito anos, contados do dia 24.8.2020 até 24.8.2028, em decorrência de condenação, em decisão transitada em julgado proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região, confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (processo n. 5064722-63.2011.4.04.7100/RS – fato de 2009), pela prática de crime contra o sistema financeiro nacional (obtenção de financiamento mediante fraude), tipificado no art. 19, caput, da Lei n. 7.492/86. Da mesma forma, constata-se que o recorrente também foi condenado por crime contra a fé pública (moeda falsa – art. 289, § 1º, do Código Penal – fato de 2012) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (processo 5003676-51.2013.404.7117/RS), com trânsito em julgado em 16.4.2015. Do primeiro delito, o requerente foi condenado às penas de 2 anos e 3 meses de reclusão, em regime aberto, e 68 dias-multa. E somente em 24.8.2020 houve a extinção da pena, conforme decisão do juízo federal - Central de Execuções Penais de Porto Alegre. Embora ainda não se tenha notícia da data de cumprimento ou extinção da segunda pena, já se percebe que – por ter sido aplicada a pena de três anos de reclusão – também não decorreu o prazo de oito anos desde a extinção dessa pena.

Efetivamente, dispõe a Lei Complementar n. 64/90, com a redação da LC n. 135/10:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[…]

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:(Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;(Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;(Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

Acerca da alegação de aplicação temporal da Lei Complementar n. 135/10 invocada pelo recorrente, impende registrar que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre o tema.

Assim, ao julgar as Ações Diretas de Constitucionalidade n. 29 e n. 30 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.578, concluiu, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, que as regras introduzidas e alteradas pela LC n. 135/10 (Lei da Ficha Limpa) são aplicáveis às situações anteriores da sua edição e não ofendem a coisa julgada ou a segurança jurídica. Nesse sentido, destaco trecho do voto do Ministro Luiz Fux, proferido na ADC n. 29:

[...] A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico –constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus)  anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito). […] (STF – ADC 29, Relator: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/2/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28/6/2012 PUBLIC 29/6/2012 RTJ VOL#00221-01 PP-00011) (Grifei.)

Ademais, o STF reafirmou tal entendimento ao julgar o AgR no RE nº 1028574/SC, rel. Min. EDSON FACHIN, 2ª Turma, j. 19/6/2017, DJe de 31/7/2017; e o RE-RG nº 929.670/DF, red. para acórdão Min. LUIZ FUX, Plenário, j. 4/10/2017, sendo que nesse último precedente assentou-se que a tese jurídica firmada na ADC nº 29/DF é aplicável inclusive na hipótese da al. “d” do inc. I do art. 1º da LC n. 64/90, não havendo ofensa à coisa julgada.

A jurisprudência desta Justiça Especializada é uníssona no sentido de entender pela aplicação da Lei da Ficha Limpa a fatos anteriores à sua publicação, a par de projetar seus efeitos por oito anos após o cumprimento da respectiva pena.

Dadas as reiteradas decisões neste sentido, foi emitida a Súmula n. 61, do Tribunal Superior Eleitoral, in verbis:

O prazo concernente à hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990 projeta-se por oito anos após o cumprimento da pena, seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa.

Em tal esteira, colho, a título exemplificativo, de diferentes Cortes Regionais, excertos de jurisprudência pacífica contendo idêntico desiderato quanto à aplicabilidade temporal da Lei Complementar n. 135/10, consoante arestos dos Tribunais Eleitorais do Rio Grande do Sul, da Bahia, de São Paulo, do Paraná e de Minas Gerais, na conformidade das seguintes ementas:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. INDEFERIDO. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. CRIME DE HOMICÍDIO. INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CF/88, C/C ART. 1º, INC. I, AL.#E#, DA LC N. 64/90. SÚMULA TSE N. 61. INELEGIBILIDADE. PRAZO. OITO ANOS APÓS CUMPRIMENTO DA PENA. LEI DA FICHA LIMPA. APLICABILIDADE A FATOS ANTERIORES. ADMISSIBILIDADE. CONSTITUCIONALIDADE. STF. REGISTRO INDEFERIDO. DESPROVIMENTO. 1. Recurso em face da sentença que indeferiu o pedido de registro de candidatura do recorrente para concorrer ao cargo de vereador, com base no art. 1º, inc. I, al. e, item n. 9, da Lei Complementar n. 64/90, em razão de condenação transitada em julgado pela prática de crime de homicídio. 2. O regramento aplicável está previsto no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, c/c art. 1º, inc. I, al.#e#, da LC n. 64/90, com a redação dada pela LC n. 135/10 (Lei da Ficha Limpa). O tema encontra-se sumulado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Súmula n. 61 do TSE. Conforme certidão narratória, o recorrente permanecerá inelegível até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, ou seja, até 26.6.2026. 3. As causas de inelegibilidade instituídas ou alteradas pela LC n. 135/10 aplicam-se a fatos anteriores à sua vigência. O STF decidiu no julgamento das ADCs n.ºs 29 e 30, rel. Min. LUIZ FUX, com efeito erga omnes e eficácia vinculante, que é constitucional a aplicação das hipóteses de inelegibilidade previstas na Lei da Ficha Limpa a fatos anteriores à sua entrada em vigor. 4. Desprovimento. Registro indeferido. (TRE-RS - REL: 060039838 IBIRAPUITÃ - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 26/11/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27/11/2020) (Grifei.)

PETIÇÃO JUDICIAL. ELEIÇÕES 2016. RESTABELECIMENTO DE CAPACIDADE POLÍTICA PASSIVA. CRIME TRIBUTÁRIO. ART. 1º, I e II DA LEI Nº 8.137/90. INELEGIBILIDADE ART. 1º, I, e, DA LC 64/90. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZAÇÃO. INELEGIBILIDADE APLICAÇÃO RETROATIVA. CABIMENTO.RECURSO ELEITORAL DESPROVIDO. 1. As inelegibilidades da Lei Complementar nº 135/2010 incidem de imediato sobre todas as hipóteses nela contempladas, ainda que o respectivo fato seja anterior à sua entrada em vigor, pois as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, não havendo, portanto, falar em retroatividade da lei. 2. É de se entender que, mesmo no caso em que o indivíduo já foi atingido pela inelegibilidade de acordo com as hipóteses e prazos anteriores previstos na Lei Complementar nº 64/90, esses prazos poderão ser estendidos – se ainda em curso – ou mesmo restaurados para que cheguem a 8 (oito) anos, por força da lex nova, desde que não ultrapassem esse prazo. 3. A imposição de um novo requisito negativo para a que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo, não se confunde com agravamento de pena ou com bis in idem, pois, o legislador cuidou de distinguir claramente a inelegibilidade das condenações, assim é que, por exemplo, o art. 1º, I, e, da Lei Complementar nº 64/90 expressamente impõe a inelegibilidade para período posterior ao cumprimento da pena. 4. Recurso desprovido. (TRE-PA – RE: 30019 TAILÂNDIA – PA, Relator: ALTEMAR DA SILVA PAES, Data de Julgamento: 02/05/2019) (Grifei.)

RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. SENTENÇA DE INDEFERIMENTO. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL. AFASTADA. MÉRITO. INCIDÊNCIA DA INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 1º, INCISO I, ALÍNEA E, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. CONDENAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO PRIVADO. ARTIGO 1º, INCISO I, ALÍNEA E, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. O PRAZO DE INELEGIBILIDADE PROJETA–SE POR 8 (OITO) ANOS APÓS O CUMPRIMENTO DA PENA. PRAZO EM CURSO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO. (TRE-SP – REl: 0600155-82.2020.6.26.0207 SALES - SP 060015582, Relator: Manuel Pacheco Dias Marcelino, Data de Julgamento: 02/12/2020, Data de Publicação: 02/12/2020) Grifei.

ELEIÇÕES 2020. REGISTRO DE CANDIDATURA. ALEGADA SUSPEIÇÃO DO PROMOTOR ELEITORAL. REJEIÇÃO. CANDIDATO AO CARGO DE VEREADOR. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA JULGADA PROCEDENTE. INDEFERIMENTO DO REGISTRO. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME DE ESTELIONATO, CUJA PENA FOI EXTINTA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NA ALÍNEA ¿E¿ DO INCISO I DO ART. 1º DA LC Nº 64/1990, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LC Nº 135/2010 (LEI DA FICHA LIMPA), DESDE A CONDENAÇÃO ATÉ O TRANSCURSO DO PRAZO DE OITO ANOS APÓS O CUMPRIMENTO DA PENA. APLICAÇÃO DA LEI DA FICHA LIMPA AINDA QUE OS FATOS TENHAM OCORRIDO ANTES DA SUA VIGÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Sem prova cabal da alegada inimizade, é de ser rejeitada a alegada suspeição do Promotor Eleitoral. 2. O prazo de inelegibilidade a que alude a alínea e do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990 incide desde a condenação e projeta-se até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena. 3. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar as Ações Diretas de Constitucionalidade nºs 29 e 30 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578, concluiu, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, que as regras introduzidas e alteradas pela LC nº 135/2010 são aplicáveis às situações anteriores à sua edição e não ofendem a coisa julgada ou a segurança jurídica (TSE, RO nº 29135, rel. Min. Henrique Neves da Silva, publicado em sessão de 16/12/2014). 4. Não é cabível invocar, para o fim de afastar a incidência da inelegibilidade, a aplicação retroativa do Acordo de Não-Persecução Penal, previsto pelo art. 28-A do Código de Processo Penal a processo em que já tenha operado o trânsito em julgado e a pena já esteja extinta, seja por impossibilidade lógica, seja porque a Justiça Eleitoral não tem competência para revisar ou reformar as decisões proferidas por outros órgãos do Poder Judiciário, ainda que delas possam repercutir efeitos sobre os direitos políticos dos cidadãos. 5. Recurso desprovido. (TRE-PR – RE: 0600168-38.2020.6.16.0085 LOANDA - PR, Relator: Vitor Roberto Silva, Data de Julgamento: 27/10/2020, Data de Publicação: PSESS-, data 30/10/2020) (Grifei.)

Recurso Eleitoral. Registro de candidatura. Eleições de 2016. Prefeito. Impugnação. Registro indeferido. Condenação criminal transitada em julgado. Trafico de Drogas. Retroatividade da LC nº 135/10. Lei da Ficha Limpa. Inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena. Recurso não provido. Mantido o indeferimento do registro de candidatura. (TRE-MG – RE: 0000090-57.2016.6.13.0234 RIO CASCA – MG 9057, Relator: Ricardo Torres Oliveira – Cand, Data de Julgamento: 12/09/2016, Data de Publicação: PSESS-, data 12/09/2016)

 Ainda, acerca da alegação de pequeno prejuízo causado pelos delitos do recorrente ao erário, na senda do que já foi destacado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, reitero que “a insignificância do valor atinente ao dano ao Erário não constitui matéria a ser analisada no âmbito do processo de registro de candidatura” (TSE. REspe n. 10479, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, publicado em 17.5.2013). Tal situação, inclusive, encontra óbice no enunciado da Súmula n. 41 do Tribunal Superior Eleitoral, ao proclamar que “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade (Ac.-TSE, de 10.5.2016, no PA n. 32345).

Portanto, ante a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "e", item "1", da LC n. 64/90, deve-se manter íntegra a sentença do Juízo da 20ª Zona Eleitoral, que indeferiu o requerimento de registro de candidatura de LINDOMAR DA SILVA para concorrer ao cargo de vereador no Município de Itatiba do Sul/RS nas Eleições de 2024.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de LINDOMAR DA SILVA.