REl - 0600161-70.2024.6.21.0019 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/09/2024 às 14:00

VOTO

No mérito, afirma o recorrente que, no dia 28.8.2024, por volta das 19h28, o candidato recorrido postou no Facebook material audiovisual (vídeo) de campanha, que, em seu conteúdo, apresenta tarja vermelha sob página que aparentemente é da Lei n. 4.046/22, contendo a seguinte informação falsa: “PISO NACIONAL DE 33% NÃO FOI PAGO”, e aduz que tal informação é distorcida e objetivamente falsa:

 

As sentenças julgaram improcedentes a representação e o pedido de direito de resposta, considerando que a publicidade não contém fato sabidamente inverídico e não violou o art. 9-C da Resolução TSE n. 23.610/19, art. 57-D, art. 58, § 3°, inc. IV, als. “a”, “b” e “c”, e art. 58-A, da Lei n. 9.504/97:

Resolução TSE n. 23.610/2019

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 2º O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

Lei n. 9.504/1997:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1° (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2° A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3° Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

(…)

Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

(...)

§ 3º Observar-se-ão, ainda, as seguintes regras no caso de pedido de resposta relativo a ofensa veiculada:

(…)

IV - em propaganda eleitoral na internet: (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

a) deferido o pedido, o usuário ofensor deverá divulgar a resposta do ofendido em até quarenta e oito horas após sua entrega em mídia física, e deverá empregar nessa divulgação o mesmo impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado nos termos referidos no art. 57-C desta Lei e o mesmo veículo, espaço, local, horário, página eletrônica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce usados na ofensa; (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

b) a resposta ficará disponível para acesso pelos usuários do serviço de internet por tempo não inferior ao dobro em que esteve disponível a mensagem considerada ofensiva; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

c) os custos de veiculação da resposta correrão por conta do responsável pela propaganda original. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

(…)

Art. 58-A. Os pedidos de direito de resposta e as representações por propaganda eleitoral irregular em rádio, televisão e internet tramitarão preferencialmente em relação aos demais processos em curso na Justiça Eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Do exame dos autos e das razões de reforma, verifica-se que assiste razão ao magistrado a quo ao apontar que o conteúdo supostamente inverídico teve a duração de somente 4 segundos do vídeo impugnado e que o tema da concessão do piso do magistério é questão controvertida, não se podendo “caracterizar o conteúdo objeto do presente feito como propagação de ‘sabida inverdade’”: Transcrevo a decisão:

(…)

Ao analisar toda a extensão do vídeo, constata-se que o mesmo chama atenção para a valorização remuneratória do Prefeito comparada aos Profissionais da Educação.

Em nenhum momento, a fala faz referência de que a Administração não tenha realizado reajuste dos vencimentos dos professores, mas enfatiza que foi aquém ao concedido ao Prefeito.

Por outro lado, entre os quarenta e cinco e quarenta e nove segundos daquela reprodução, constou uma faixa vermelha, com a inscrição “Piso Nacional do Magistério de 33% não foi pago”, sem que haja qualquer fala a respeito disso.

Ou seja, o conteúdo acerca do qual recai suposta afirmação de falsidade perdurou apenas por quatro segundos.

Observa-se, ainda, que a majoração do Piso do Magistério restou enfrentado por meio de três legislações diferentes. In verbis:

“Lei Ordinária 4.040 de 22 de março de 2022, que: ‘Altera a Lei 1.866/1998, para modificar a sistemática de pagamento de nível e classe; e a Lei nº 2.437/2006 para, em consonância, readequar o pagamento da gratificação de difícil provimento” (preâmbulo da Lei)

“Lei Ordinária 4.046 de 07 de abril de 2022, que: ‘Concede revisão geral anual – art. 37, X, da CF – nos subsídios e vencimentos dos agentes públicos do Município de Encruzilhada do Sul, assim como nos proventos e nas pensões dos aposentados e pensionistas do Poder Executivo.”(preâmbulo da Lei)

“Lei Ordinária 4.043 de 05 de abril de 2022, que:‘revoga a Lei Municipal 4040/202022, reeditando-a nesta com a criação dos adicionais de 15 e 25 anos de serviço específicos aos membros do magistério, revisão de redações e outras providências.” (preâmbulo da Lei).

Da leitura das referidas leis, constata-se que apenas na segunda delas, que não foi específica apenas ao magistério, falou-se em percentual de reajuste, sendo que a terceira que revogou a primeira tratou a matéria dos valores relativos ao vencimento de maneira originária, ou seja, declarou diretamente o valor do vencimento do servidor da educação, muito embora a soma entre os valores, comparados aos anteriormente aplicados, pudesse chegar, ou não, ao percentual de 33%.

O art. 27, §1º, da Resolução TSE n. 23.610/19 estabeleceu que: “A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021) .”

Como se percebe, a norma privilegia a liberdade do eleitor na difusão de ideias e opiniões na internet, sob a perspectiva de que a democracia está assentada na exposição e no confronto de propostas e concepções, em plena compatibilidade com o art. 5º, inc. IV, da CF/88, que consagra como garantia e direito individual a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato. Ou seja, ao eleitor não devem ser impostas limitações senão aquelas referentes à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos partidos políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas.

Ademais, a interpretação da norma sobre propaganda eleitoral deve ser realizada a partir de uma concepção de atuação minimalista da Justiça Eleitoral diante dos embates políticos, já que impedir as manifestações dos opositores seria entravar substancialmente o conteúdo da liberdade de expressão.

Quanto a essa, o STF decidiu que a “liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo” (ADI no 4439/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018).

Nesse sentido, entendeu o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), em julgado semelhante acerca do tema em questão:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. DIREITO DE RESPOSTA. IMPROCEDENTE. PUBLICAÇÕES NAS REDES SOCIAIS. AUSENTE INVERDADE MANIFESTA OU DESINFORMAÇÃO, TAMPOUCO IMPUTAÇÃO DE FATO CRIMINOSO A OFENDER A HONRA DO REPRESENTANTE. CONTEÚDO QUE NÃO ULTRAPASSA O LIMITE DO DEBATE POLÍTICO. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que julgou improcedente pedido de direito de resposta, em razão de publicações nas redes sociais Twitter, Facebook e Instagram.

2. Veiculação de suposta inverdade sabida, atinente à não aplicação de recursos federais na saúde, para combate à pandemia de COVID–19, com conclusão ofensiva e difamatória, no sentido de que pessoas morreram por conta do oportunismo do candidato representante. 3. A partir de uma concepção de atuação minimalista da Justiça Eleitoral diante dos embates políticos, espera–se dos envolvidos uma dose de resiliência no que toca ao recebimento de críticas, até mesmo porque postulantes, forma espontânea, à ocupação de cargo público eletivo. É da natureza da atuação política a exposição ao escrutínio das decisões e atos administrativos enquanto eleito, portanto impedir as manifestações dos opositores seria entravar substancialmente o conteúdo da liberdade de expressão.4. O STF decidiu que a “liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo” (ADI no 4439/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018). 5. Na hipótese, o conteúdo da peça publicitária não caracteriza propagação de “sabida inverdade” ou desinformação, tampouco de imputação de fato criminoso a ofender a honra do representante, não atraindo a excepcional interferência desta Justiça, devendo ser rebatido nos espaços próprios ao debate político. 6. Desprovimento. (Recurso Eleitoral n 0603543-02.2022.6.21.0000, ACÓRDÃO de 28/10/2022, Relator(aqwe) DES. ELEITORAL LUIZ MELLO GUIMARAES, Publicação - Publicado na sessão de julgamento seguinte)

No caso em testilha, não há como caracterizar o conteúdo objeto do presente feito como propagação de “sabida inverdade” ou desinformação, nem mesmo houve imputação de fato criminoso a ofender a honra da parte autora, não atraindo a excepcional interferência desta Justiça Eleitoral.

Nesse sentido, tenho que a publicação realizada nos perfis mencionados na inicial não pode ser considerada para finalidade em que constou na representação, tendo em vista que se tratou da livre manifestação do pensamento, sem maior relevância e influência ao processo eleitoral propriamente dito. Ademais, nem mesmo houve argumentação desrespeitosa aos candidatos ou a coligação postulante.

 

Assim como concluiu o magistrado, de fato observo que a gravação combatida teve como objetivo principal a comparação entre a remuneração do candidato e aquela recebida pelo magistério local, “buscando tecer críticas sobre esse tópico, e a passagem que tratou do piso nacional da categoria foi citada de modo secundário e por um breve período ao longo da exposição do vídeo”.

A manifestação está ao abrigo da liberdade de manifestação do pensamento de que trata o art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, invocado na sentença.

Ademais, conforme referi quando da análise liminar do feito, o recorrente alega ser sabidamente inverídica a afirmação impugnada: “PISO NACIONAL DE 33% NÃO FOI PAGO”, mas, ao mesmo tempo, reconhece que, para o ano de 2022, o piso nacional do magistério para 40h corresponde a um anunciado aumento de 33,24%, mas que a revisão geral anual de 2022, para todo o funcionalismo, incluindo o magistério, foi de 10,06%.

A alegação de ser uma mensagem inverídica deve estar acompanhada de manifesta certeza, que não gere de dúvidas, de maneira a não autorizar o debate acerca do ponto controvertido, o que não parece ser o caso dos autos.

De acordo com o TSE: “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias. Não é possível transformar o pedido de resposta em processo investigatório com intuito de comprovar a veracidade das versões controversas sustentadas pelas partes” (Rp. n. 3675-16/DF – j. 26.10.2010 – PSESS).

Com esses fundamentos, entendo que merecem ser mantidas as sentenças.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento dos recursos.