REl - 0600019-75.2024.6.21.0113 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/09/2024 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

Os recursos são tempestivos e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deles conheço.

Mérito

A principal controvérsia posta reside nas antagônicas compreensões acerca de vistoso trabalho elaborado em propriedade particular, conhecido como grafite. De um lado, os autores da representação sustentando com veemência tratar-se de propaganda eleitoral negativa à candidatura de Sebastião Melo ao cargo de prefeito desta Capital e, de outro, os demandados que asseveram tratar-se de manifestação artística protegida pela liberdade de expressão.

Em apertada síntese, as teses esgrimadas.

Para melhor compreensão da questão posta, colaciono a imagem do grafite que deu azo à celeuma:

 

A sentença de primeiro grau entendeu tratar-se de propaganda eleitoral antecipada, em violação ao art. 36 da Lei n. 9.504/97 e nos limites previstos para propaganda em bem particular, nos termos do art. 39, § 8º, da referida lei.

Contudo, após muito refletir sobre a controvérsia, culminei por concluir que o grafite deve ser reputado como mera manifestação artística, contendo demonstração de opinião que não tem o condão de caracterizar propaganda negativa à candidatura de Sebastião Melo.

Como bem pontuado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, o grafite em questão é uma forma de arte, razão pela qual deve, efetivamente, ser analisado sob a ótica do direito fundamental à liberdade de expressão artística, conforme assegura a Constituição Federal, em seu art. 5º, incs. IV e IX, cujo dispositivo, vale enfatizar, garante a livre manifestação do pensamento e a expressão artística, vedando qualquer forma de censura.

Nessa linha, a obra de Filipe Gomes deve ser interpretada como verdadeira expressão artística que, mesmo contendo uma crítica ao gestor público, deve ser analisada sob a ótica do direito fundamental à liberdade de expressão. E, por tal viés e sobretudo por se limitar a uma manifestação crítica de um cidadão que não está concorrendo a cargo público, não pode ser confundida com propaganda eleitoral irregular, uma vez que não há pedido explícito de voto ou de não voto, estando, no meu modo de ver, dentro do contexto de liberdade de criação e crítica.

Como sabido, o egrégio TSE tem entendimento firmado no sentido de que "as críticas políticas, ainda que duras e ácidas, mas ancoradas em fatos certos, públicos e notórios, estimulam o debate sobre pontos 'fracos' das administrações públicas e levam à reflexão da população, para que procure entre os possíveis competidores a melhor proposta para a comunidade (…)" (Ac. de 20.4.2023 no Rec-Rp nº 060074723, rel. Min. Raul Araujo Filho).

Transcrevo ementa do julgado:

ELEIÇÕES 2022. RECURSO EM REPRESENTAÇÃO. CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. VEICULAÇÃO DE ENTREVISTA EM PROGRAMA NA TELEVISÃO E REPRODUÇÃO NO PERFIL PESSOAL DO RECORRIDO NO INSTAGRAM. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ILÍCITO. AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE CRIME. NEGADO PROVIMENTO.

1. As críticas políticas, ainda que duras e ácidas, mas ancoradas em fatos certos, públicos e notórios, estimulam o debate sobre pontos "fracos" das administrações públicas e levam à reflexão da população, para que procure entre os possíveis competidores a melhor proposta para a comunidade.

2. É vedada a prática de propaganda eleitoral antecipada negativa, com discurso de ódio e pedido explícito de voto ou de não voto. Por outro lado, a extensão maior da noção de propaganda antecipada negativa a qualquer manifestação prejudicial a possível pré-candidato ou grupo político inibe as discussões de temas que devem ser levados para a reflexão da sociedade.

3. No caso, não se verifica pedido explícito de voto, de não voto, discurso de ódio ou imputação de crime, nem se verifica atribuição de vinculação direta do pré-candidato com a milícia ou conteúdo que exorbite a liberdade de expressão por se tratar de crítica política a diversas administrações, fundada em fatos públicos e notórios.

4. Negado provimento ao recurso.

(TSE - Rp: 060074723 BRASÍLIA - DF, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 20/04/2023, Data de Publicação: 28/04/2023) (Grifei.)

 

Acerca da pontual questão, propaganda negativa, a mesma Corte Superior (TSE) tem reiteradamente decidido que a caracterização de propaganda eleitoral negativa exige a presença de "pedido explícito de não voto", o que não se verifica no caso em liça.

À guisa de exemplo, transcrevo ementa de julgado da Corte Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PRÉ-CANDIDATO AO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ALEGADA PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA IRREGULAR. DATA COMEMORATIVA. DIA DAS MÃES. ART. 36 DA LEI DAS ELEICOES. NÃO CONFIGURAÇÃO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.

1. Segundo a jurisprudência do TSE, há propaganda eleitoral extemporânea irregular quando se tem, cumulativamente ou não, a presença de: (a) referência direta ao pleito vindouro ou cargo em disputa, (b) pedido explícito de voto, de não voto ou o uso de "palavras mágicas" para esse fim, (c) realização por forma vedada para a propaganda eleitoral no período permitido, (d) violação à paridade de armas entre os possíveis concorrentes, (e) mácula à honra ou imagem de pré-candidato e (f) divulgação de fato sabidamente inverídico.

2. No caso, ausente qualquer elemento caracterizador de propaganda eleitoral, é incabível afirmar a sua ocorrência na forma extemporânea, bem como não há falar em propaganda política, por ter sido veiculado programa em cadeia de rádio e televisão, com participação coadjuvante da primeira-dama ao lado da Ministra de Estado da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, cujo conteúdo se restringiu a divulgar programa de governo de notório interesse da população em geral e de especial relevância para a população feminina.

3. Nega-se provimento ao recurso.

(TSE - Rp: 06002873620226000000 BRASÍLIA - DF 060028736, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 23/05/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 113) (Grifei.)

No caso sob análise, verifica-se que o grafite não contém mensagens eleitorais diretas, mas sim uma crítica subliminar ao gestor frente à calamidade pública recente que afetou sobremaneira a cidade de Porto Alegre.

Ademais, a aplicação do art. 37 da Lei n. 9.504/97 não se amolda ao presente caso, uma vez que a fachada onde realizada a pintura não se enquadra nos bens de uso comum do povo. A legislação eleitoral não deve, assim entendo, ser utilizada para restringir a liberdade de manifestação crítica, especialmente em períodos eleitorais, quando o debate público deve ser inclusive incentivado.

No mesmo passo, não há se cogitar impor-se aos recorrentes JOÃO PEDRO e FILIPE punição por equiparação a um outdoor. Isto porque, o trabalho de arte realizado além de não possuir caráter comercial, não se destina, como já dito e ora reafirmo, a fins eleitorais explícitos.

No mais, até como forma de dar o devido e merecido destaque ao bem elaborado Parecer do douto Procurador Regional Eleitoral, que oficiou neste grau de jurisdição, o insigne Dr. ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI, consigno que os judiciosos argumentos por ele explicitados acerca da controvérsia ficam aqui incorporados às razões pelas quais estou encaminhando o voto para reformar a r. sentença de primeiro grau e dar, enfim, por improcedente a representação.

Por fim, faço questão de deixar consignado que não se está aqui a aplaudir a iniciativa dos recorridos, a qual, a meu sentir, em nada contribui para o límpido debate eleitoral que deve sempre ser pautado por ideais democráticos. Em outras palavras, devem se aterem, candidatos, militantes e mesmo os simples simpatizantes de uma ou outra corrente partidária, ao plano das ideias.

Vale dizer, sem pessoalizar e muito menos diminuir ou fazer ilações maldosas e não raras vezes desprovidas da verdade em relação aos adversários.

Desse modo, conquanto se esteja reconhecendo que a obra edificada pelos requeridos não transcendeu aos limites da livre manifestação de opinião, sem que signifique qualquer paradoxo, fica aqui de qualquer sorte o repto para que ambos evitem, doravante, a pessoalização em suas manifestações artísticas. Se por um lado é livre a manifestação de pensamento, há se ter presente, por outro, que também o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana não pode ser sacrificado ou mitigado.

ANTE O EXPOSTO, à margem das considerações finais que fiz senhor Presidente e eminentes colegas, encaminho meu VOTO no sentido de, por um lado, dar provimento aos recursos interpostos por JOÃO PEDRO GUEDES MARQUES e FILIPE GOMES, para dar por improcedente a representação; e, por outro, desprover o recurso manejado por SEBASTIÃO DE ARAÚJO MELO, COLIGAÇÃO "ESTAMOS JUNTOS, PORTO ALEGRE" (MDB, PL, PODEMOS, PP, PRD, PSD E SOLIDARIEDADE) e MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de PORTO ALEGRE.

É como voto.