REl - 0600472-57.2024.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, o recorrente alega que a sentença carece de fundamentação, uma vez que "adotou toda a narrativa, explanação, do parquet" e "não enfrentou nenhum dos argumentos e fundamentos apresentados na Contestação".

Ainda que tecendo razões bastante sintéticas, a sentença enfrentou todas as questões trazidas pelas partes, com argumentos próprios e suficientes para afastar as teses defensivas, não havendo de se cogitar em ausência de fundamentação.

Outrossim, é admitida pela doutrina e pela jurisprudência a utilização da técnica de fundamentação "per relationem" pela qual se faz remissão aos atos decisórios anteriores ou a peças das partes ou do Ministério Público, adotando-as como razão de decidir, tal como ocorrido na hipótese (STJ - AgRg no AREsp n. 1226420/SP, Relator: Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Publicação: DJe 26.9.2022).

Com essas considerações, rejeito a preliminar.

No mérito, a sentença recorrida julgou procedente a ação de impugnação ao registro de candidatura proposta pelo Ministério Público Eleitoral e indeferiu o pedido de registro de JOÃO LUIZ DA ROCHA, para cargo de prefeito de Arroio do Sal, em razão da incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90.

Inicialmente, registro que, embora a sentença tenha indicado que "ausente a certidão criminal de 2° grau da Justiça Estadual negativa ou certidão narratória respectiva", essa circunstância não serviu de base para a decisão pelo indeferimento da candidatura, que se fundamentou exclusivamente na ocorrência de causa de inelegibilidade (ID 45690468).

Além disso, as certidões emitidas pela Justiça Estadual de 1º e de 2º graus estão anexadas ao ID 45690440, porém não interferem na aferição da inelegibilidade noticiada pelo Ministério Público Eleitoral.

Em realidade, a motivação sentencial delimita-se ao reconhecimento da causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90, que assim prevê:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(…).

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.

 

De acordo com a jurisprudência do TSE, a incidência da causa de inelegibilidade em questão pressupõe a coexistência dos seguintes requisitos: (i) condenação à suspensão de direitos políticos; (ii) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; (iii) ato doloso de improbidade administrativa; e (iv) ato gerador, concomitantemente, de lesão ao patrimônio público e de enriquecimento ilícito (Recurso Ordinário Eleitoral n. 060053406, Acórdão, Min. Carlos Horbach, DJE de 17.4.2023).

Na hipótese, João Luiz da Rocha foi condenado à suspensão dos direitos políticos na ação de improbidade administrativa n. 072/1.08.0000745-8 (CNJ: 0007451-20.2008.8.21.0072), confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, sob o recurso n. 70056697493 (CNJ: 0394376-41.2013.8.21.7000).

Em suas razões, o recorrente alega que a condenação por improbidade administrativa não indicou qualquer proveito pessoal de sua parte, o que também exclui o dolo, não havendo nos autos da ação "sequer menção ao dolo genérico, menos ainda imputação de dolo específico na conduta do Recorrente".

Especificamente no tocante ao pressuposto do enriquecimento ilícito, a jurisprudência firmou-se no sentido de que a inelegibilidade resta atraída quando o benefício patrimonial é próprio ou de terceiro, bastando que o pretendente candidato tenha concorrido para o ilícito. Nesses termos, colho os seguintes julgados:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO NA ORIGEM. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. INELEGIBILIDADE. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO. ASSESSORES PARLAMENTARES. DEVOLUÇÃO. PARCELA DO VENCIMENTO. PRÁTICA DE "RACHADINHA". ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO. REQUISITOS PRESENTES. PROVIMENTO. […]. 3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior reafirmada para as Eleições 2020, a referida causa de inelegibilidade pressupõe condenação por ato doloso de improbidade administrativa que implique, concomitantemente, dano ao erário e enriquecimento ilícito próprio ou de terceiro. […].

(TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060018366, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 05/05/2022) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. PROCEDENTE. VEREADOR. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, INC. I, AL L, DA LC N. 64/90. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DOLOSO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DO REGISTRO. DESPROVIMENTO. 1. Irresignação contra sentença que indeferiu pedido de registro de candidatura, em decorrência de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. I, da Lei Complementar n. 64/90, por ato de improbidade administrativa. […]. O Tribunal Superior Eleitoral firmou jurisprudência no sentido de que a inelegibilidade resta atraída quando o benefício é próprio ou de terceiro. 4. Transitada em julgado a decisão colegiada em 04.5.2011, a inelegibilidade incidirá até 04.5.2024. Manutenção da sentença de indeferimento do registro de candidatura. 5. Desprovimento.

(TRE-RS - RE: 0600129-32/RS, Relator: Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, Data de Julgamento: 09/11/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 10/11/2020) (Grifei.)

 

Assim, de plano, não merece acolhimento a tese de que a ausência de prova de proveito pessoal do ora candidato afastaria o pressuposto à causa de inelegibilidade.

Além disso, analisando-se as decisões vertidas do primeiro e do segundo graus da Justiça Estadual Gaúcha, conclui-se que o ora recorrente foi condenado à suspensão de seus direitos políticos pela prática de ato de improbidade administrativa com base nas capitulações previstas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429/92, por atos dolosos que acarretaram lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

A sentença proferida pelo Juízo da 2º Vara Cível da Comarca de Torres/RS é bastante clara no sentido de que João Luiz concorreu dolosamente para o desvio de valores públicos da prefeitura e para o enriquecimento ilícito de terceiros, porém considerou não suficientemente comprovado o proveito patrimonial próprio de João Luiz, razão pela qual deixou de condená-lo ao ressarcimento ao erário (ID 45690434, grifei):

[...].

Já o réu João Luiz e seus Secretários da Fazenda e da Administração, respectivamente, Joaquim Rodrigues e Mauro, no mínimo, também concorreram para todo esse desfalque porque, os dois primeiros com regularidade, e o último quando atuava como Secretário Interino da Fazenda, assinavam, juntamente com a Tesoureira, cheques desprovidos de documentação legal que embasasse a sua emissão, contribuindo assim decisivamente para o seu agir ilícito, já que os cheques emitidos pelo Município deveriam conter obrigatoriamente duas assinaturas, sendo uma a da Tesoureira e a outra a do Prefeito ou a do Secretário da Fazenda. O próprio Joaquim Rodrigues confirma em seu depoimento pessoal essa prática. Além disso, tanto o Prefeito quanto os Secretários acima referidos omitiram-se em suas obrigações enquanto ordenadores de despesas ao permitirem que a Tesoureira Márcia permanecesse exercendo uma atribuição que não correspondia ao cargo que ocupava, qual seja, a de realizar a Conciliação Bancária, o que só fez aumentar o prejuízo ao erário.

[...].

Ante o exposto, ratifico a decisão de indisponibilidade dos bens dos réus João Luiz e Márcia, revogo a decisão de indisponibilidade dos imóveis de matrículas nº 73.299, 73.300 e 73.301 do 2º Ofício do RI de Florianópolis (fl. 1.923 e v.) e julgo parcialmente procedente a ação para reconhecer que a ré Márcia praticou atos de improbidade administrativa que se amoldam às redações dos arts. 9º, 10 e 11, da Lei 8.429/92, e que os réus José Antônio, João Luiz, Joaquim Rodrigues e Mauro concorreram para a prática desses atos, e, assim:

[...].

b) Condenar os réus João Luiz, Joaquim Rodrigues e Mauro a pagarem cada qual uma multa civil no valor equivalente a 20% do total do dano, suspender seus respectivos direitos políticos por cinco anos e proibi-los de contratar com o Poder Público e de receber benefícios fiscais e creditícios, ainda que por intermédio de pessoa jurídica na qual sejam sócios majoritários, também pelo prazo de cinco anos.

Outrossim, deixo de condenar os réus João Luiz, Joaquim Rodrigues e Mauro a também ressarcirem o erário porque não há prova de que tenham obtido proveito patrimonial com os fatos.

Por fim, condeno os réus Márcia, José Antônio, João Luiz, Joaquim Rodrigues e Mauro a pagarem as custas processuais à razão de 1/5 cada.

[...].

 

Por sua vez, no julgamento do respectivo apelo interposto pelo Ministério Público Estadual, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul reformou parcialmente a sentença para majorar as sanções impostas, incluindo a condenação solidária de todos os réus ao ressarcimento ao erário, consoante o dispositivo que transcrevo (ID 45690430):

Ante o exposto, conheço das apelações e: a) NEGO PROVIMENTO às de Márcia Dal Pozzo, de José Antônio Dal Pozzo e de João Luiz da Rocha; b) DOU PARCIAL PROVIMENTO à de Joaquim Rodrigues e Mauro Freire, apenas para absolver Mauro das condenações; e c) DOU PROVIMENTO ao apelo do Ministério Público, a fim de majorar as penas de suspensão dos direitos políticos a oito anos e de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários a dez anos, bem como determinar que o ressarcimento ao erário ocorra de forma solidária pelos réus condenados.

 

Cabe, então, à Justiça Eleitoral aferir, a partir da fundamentação da decisão proferida pela Justiça Comum, a existência ou não dos requisitos exigidos para a caracterização da causa de inelegibilidade preconizada no art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90, não estando adstrita à parte dispositiva do julgado. Com esse entendimento, relaciono a seguinte ementa:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO FEDERAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 1º, I, E, DA LC 64/90. CRIME DE PECULATO CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. INELEGIBILIDADE. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO. PRESENÇA CUMULATIVA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.[...]. 7. "É lícito à Justiça Eleitoral aferir, a partir da fundamentação do acórdão proferido pela Justiça Comum, a existência - ou não - dos requisitos exigidos para a caracterização da causa de inelegibilidade preconizada no art. 1º, I, l, da LC nº 64/1990" (AgR-AI 411-02/MG, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7/2/2020). […].

(TSE; Recurso Ordinário Eleitoral n. 060137404, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 11/10/2022) (Grifei.)

 

A partir de tal exame, destaco as seguintes passagens da fundamentação do acórdão condenatório que bem evidenciam o reconhecimento do dolo específico de João Luiz na perpetração das condutas ímprobas, bem como da lesão ao patrimônio público e o enriquecimento ilícito próprio e de terceiros (grifei):

[...].

Em suma, da análise do conjunto probatório, pode-se concluir que nos anos de 2005 e 2006 instaurou-se sistema de desvio de verbas mediante adulteração da escrituração contábil, o que ocasionou lesão aos cofres públicos no montante de R$ 5.465.294,00, consoante apontado no parecer do Tribunal de Contas do Estado (fls. 2.016/2.017).

E, embora tenha negado o recebimento de dinheiro, o conjunto probatório revela que Márcia Dal Pozzo o entregava ao então Prefeito, João Luiz da Rocha, fatos de que também se beneficiaram os réus Joaquim Rodrigues e José Antônio.

[...].

Por pertinente, reproduzo os seguintes trechos do bem lançado parecer do ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz Felipe Brack, que bem avaliou a prova contida nos autos, incorporando-os a este voto (fls. 3.750 a 3.738):

[...].

Não bastasse isso, conforme muito bem observou a sentença, na gravação que ela mesma produziu de conversa com o demandado João Luiz, visando demonstrar que agira com o conhecimento dele, admitiu a prática dos fatos imputados (degravação nas fls. 1632/1637 - volume 9).

Deste modo, conclui-se que há prova robusta dando conta da prática dos atos ímprobos praticados pela apelante Márcia Dal Pozzo, inclusive no que respeita ao dolo, ínsito na ação de quem desvia reiteradamente verba pública, como no caso.

Quanto aos demandados João Luiz Rocha, Joaquim Rodrigues e Mauro Freire da Silva, respectivamente Prefeito Municipal, Secretário da Fazenda e Secretário da Administração, ordenares de despesa, tinham obrigação legal e moral de zelar pelo patrimônio público do Município, mas agiram irresponsavelmente e com potencial conhecimento do resultado lesivo desses atos, concorrendo, assim, com dolo, de forma determinante para a prática dos fatos ilícitos aqui tratados.

[...].

Quer dizer, a demandada Márcia fazia a movimentação bancária e controlava os registros contábeis dessas movimentações. A ela competia fiscalizar a movimentação bancária que ela mesma fazia. E os ordenadores de despesas consentiam nessa conduta. Data venia, é indubitável o dolo com que agiram, pois indiscutível o conhecimento do resultado potencialmente lesivo na espécie.

Nesse passo, devem-se destacar alguns trechos da gravação feita pela demandada Márcia de conversa que teve com o Prefeito João Luiz Rocha que demonstram que ele tinha conhecimento das irregularidades na Tesouraria:

[...].

A demandada Márcia, de outro lado, referiu, também em juízo (CD de fl. 3215), que tais depósitos foram efetuados a mando do Prefeito João Luiz para saldar uma dívida que este tinha para com José Antônio.

[...].

Por fim, tendo os agentes em conjunto dado causa ao prejuízo patrimonial aos cofres públicos, devem ser solidariamente responsabilizados pelo ressarcimento, consoante orientação do Superior Tribunal de Justiça:

[...].

 

Portanto, estão preenchidos todos os requisitos necessários à incidência da inelegibilidade prevista pelo art. 1º, inc. I, al. "l", da Lei Complementar n. 64/90, que se projeta pelo prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena imposta na ação de improbidade administrativa.

No ponto, o recorrente defende que "o período de suspensão dos direitos políticos do Recorrente ocorreu desde 30.01.2014 (um dia após o trânsito em julgado), até 29.01.2022 (oito anos após), estando, portanto, ultrapassado o prazo de suspensão dos direitos políticos, diferentemente do que decidido pelo MM. Juízo Singular".

Ocorre que a suspensão de direitos políticos não se confunde com a inelegibilidade. São institutos diversos e verificáveis em momentos distintos.

A sanção de suspensão de direitos políticos imposta na condenação por improbidade administrativa, incide sobre a capacidade eleitoral ativa e passiva do eleitor, pelo prazo fixado na decisão judicial a partir do seu trânsito em julgado.

Paralelamente, a LC n. 64/90 prevê causas de inelegibilidade, que visam à preservação da probidade e da moralidade para o exercício de mandato, afetando exclusivamente a capacidade eleitoral passiva do eleitor.

O marco inicial para a contagem do prazo da inelegibilidade descrita no art. 1º, inc. I, al. "l", da LC n. 64/90 ocorre com a decisão do órgão judicial colegiado, findando somente após 8 (oito) anos do cumprimento de todas as sanções cominadas na decisão condenatória da ação de improbidade, inclusive a suspensão de direitos políticos (TSE; Recurso Ordinário Eleitoral n. 060050978/SP, Relator: Min. Carlos Horbach, Acórdão de 25.10.2022, Sessão 331 de 25.10.2022).

Nos termos da certidão de ID 45706173, a condenação por improbidade administrativa transitou em julgado em 29.01.2014, e a penalidade de suspensão dos direitos políticos foi extinta por seu integral cumprimento em 29.01.2022.

Ainda que não se tenha informação precisa sobre o efetivo pagamento do ressarcimento ao erário, contando-se o prazo da inelegibilidade de 8 (oito) anos a partir daquele último fato (29.01.2022), o recorrente está impedido de concorrer às eleições até 29.01.2030.

Logo, comprovada a existência dos requisitos legais, incide a inelegibilidade da alínea l do inciso I do artigo 1º da LC n. 64 /90, impondo-se a manutenção da sentença que julgou procedente a ação de impugnação e indeferiu o registro de candidatura do recorrente.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.