REl - 0600067-14.2024.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/09/2024 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, devendo ser conhecido.

Passo a analisar a preliminar suscitada pela recorrente.

 

Preliminar

Preliminarmente, importa anotar que no processo de apuração de duplicidade de filiação partidária a notificação do filiado, se dispuser de cadastro no aplicativo da Justiça Eleitoral, e dos partidos envolvidos é expedida automaticamente pelo Tribunal Superior Eleitoral, por meio de sistema próprio, conforme definido pelo art. 23 da Resolução TSE n. 23.596/19, pelo qual os interessados têm o prazo de 20 (vinte) dias para manifestação. In verbis:

Art. 23. Detectados, no processamento, registros com idêntica data de filiação, o TSE deverá: (Redação dada pela Resolução nº 23.668/2021)

I - notificar o eleitor filiado, por meio de aplicativo da Justiça Eleitoral, se se tratar de usuário cadastrado e desde que disponível a funcionalidade, ou por via postal, no endereço constante do Cadastro Eleitoral; (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

II - notificar os partidos envolvidos por meio de disponibilização de relatório específico no módulo externo do FILIA. (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

Neste sentido, de acordo com a decisão proferida pelo Juízo da 055 Zona Eleitoral, “a parte manteve-se silente durante toda a tramitação do processo que apurava a existência de dupla filiação, vindo a se manifestar apenas depois que a sentença foi proferida, e quando a decisão (correta, ante o silêncio) cancelou ambas as filiações da requerente”. (ID 45661873)

Na mesma senda, o Ministério Público Eleitoral em seu Parecer assinala que “a recorrente e os partidos envolvidos foram notificados e se mantiveram inertes (ID 45661853). Inclusive, após manifestação do Ministério Público Eleitoral (ID 45661855)”.

Consta ainda dos autos ter havido tentativa de notificação da recorrente pelo número de telefone existente no seu cadastro da Justiça Eleitoral (atualizado pela última vez em 2011), sem êxito (ID 45661856).

Assim, não se vislumbram indícios de falha no sistema, sendo de responsabilidade dos envolvidos manter seus cadastros atualizados e verificar as ocorrências, conforme prescrição do parágrafo 6º do referido artigo:

§ 6º Para fins do disposto no inciso I deste artigo, caberá aos partidos políticos orientar seus filiados a manter atualizados seus dados cadastrais perante a Justiça Eleitoral. (Redação dada pela Resolução nº 23.668/2021)

De qualquer forma, menciono apenas a título argumentativo que, mesmo que fosse o caso excepcional de não ter sido oportunizado à recorrente a possibilidade de manifestar-se acerca da duplicidade de filiação antes da prolação da sentença impugnada, existe entendimento jurisprudencial de que não se anula a decisão se nenhum prejuízo lhes adveio deste fato e quando amplamente comprovado que os interessados foram devidamente intimados da sentença, tudo nos termos do art. 219 do Código Eleitoral, que, embora esteja no capítulo das nulidades da votação, é utilizado para o deslinde de questões assim, in verbis:

Art. 219. Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.

Parágrafo único. A declaração de nulidade não poderá ser requerida pela parte que lhe deu causa nem a ela aproveitar.

Nessa esteira, aresto da Corte Eleitoral do Estado da Bahia, sufragando tal posicionamento:

RECURSO. DUPLICIDADE DE FILIAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. INOCORRÊNCIA. DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO JUÍZO. INGRESSO EM OUTRA AGREMIAÇÃO. NULIDADE DE AMBAS. DESPROVIMENTO.

1 – A ausência de notificação judicial acerca da duplicidade de vínculos, anteriormente à prolação da sentença, não enseja nulidade por cerceamento de defesa quando ausente a demonstração de prejuízo. Caso em que a parte veio aos autos e, no recurso, teria oportunidade de comprovar documentalmente que efetuou as devidas comunicações.

(...) (TRE/BA, Recurso Eleitoral n. 62-72.2011.6.05.0142, Rel. Exmo Juiz Saulo Casali Bahia, publicado em 28.06.2012)

Dessa maneira, o julgado acima apontado se assemelha aos presentes autos, em que a interessada poderia interpor recurso, tendo ampla oportunidade de apresentar provas sobre as formalidades legais de ter ingressado, ou não, em nova agremiação político-partidária, e em que data. Entretanto, isso não aconteceu.

De tal forma, afasto a preliminar de nulidade processual suscitada pela recorrente.

 

Mérito

Passo ao mérito.

Descabe acolhimento da impugnação da recorrente.

De fato, o suporte normativo regente estabelece que havendo coexistência de filiações partidárias prevalecerá a mais recente, devendo à Justiça Eleitoral determinar o cancelamento das demais, nos termos do parágrafo único do art. 22 da Lei n. 9.096/95, assim como do art. 22, da Resolução TSE n. 23.596/19 que fixa a prevalência da filiação mais recente, devendo as demais serem canceladas.

No caso em tela, a data de registro das filiações nos partidos PSDB e MDB que constam da certidão do TSE juntada aos autos (ID 45661852) é a mesma: 06.4.2024. Havendo concomitância temporal das duas filiações, restando, por consequência, caracterizada a sua duplicidade, não havendo como afirmar qual delas seria a mais recente, considerando-se que ambas são do dia 06.4.2024.

Vale ainda referir as soluções passíveis para situações como a da recorrente, a teor do disposto no § 4º do art. 23 da Resolução TSE n. 23596/19, que assim preconiza:

§ 4º-A O juízo decidirá: (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

I – pela manutenção do vínculo partidário mais recente, quando for possível estabelecer o momento em que as filiações ocorreram; (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

II – pela manutenção do vínculo partidário indicado pelo eleitor, quando não for possível estabelecer o momento em que as filiações ocorreram; ou (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

III – pelo cancelamento de todos os vínculos, quando não for possível estabelecer o momento em que as filiações ocorreram e o eleitor não indicar interesse na manutenção de qualquer dos vínculos partidários. (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021).

Tal qual verificado, a parte manteve-se silente durante toda a tramitação do processo que apurava a existência de dupla filiação, reitere-se, valendo reproduzir o assinalado acerca da situação na sentença vergastada:

Trata-se de processo de filiação partidária sub judice, identificada através de relatórios do sistema FILIA, envolvendo GISELE RODRIGUES BATISTA e os partidos MDB – Movimento Democrático Brasileiro e PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira, do município de RIOZINHO, constando data de filiação idêntica nos dois partidos.

[…]

No caso de registros com igual data de filiação em diferentes partidos, a filiação cairá nos casos de sub judice, originando processos como o presente, para a decisão do impasse. Identificadas as filiações sub judice, foram expedidas, pelo TSE, as comunicações e notificações aos envolvidos, com prazo para manifestação de 20 dias.

As partes permaneceram silentes diante do imbróglio.

Neste ponto, oportuno trazer-se a lume a doutrina de José Jairo Gomes, renomado doutrinador que, ao discorrer sobre o tema em análise, expressa o entendimento de que, não havendo sucessividade de filiações, o fato exige o cancelamento de todos os vínculos, litteris:

“Entretanto, e se não houver sucessividade entre as diversas filiações, ou seja: se ocorrerem na mesma data? Nesse caso, o art. 12 da Res. TSE n. 23.117/2009 (com a redação da Res. n. 23.421/2014) determina que o juiz eleitoral expeça “notificações ao filiado e aos partidos envolvidos” para que se manifestem sobre a questão. A partir das respostas apresentadas, o juiz decidirá, abrindo-se-lhes as seguintes alternativas: (i) manter a última filiação se ficar evidenciado que não houve simultaneidade; (ii) cancelar todas as filiações se ficar confirmada a simultaneidade; (iii) cancelar todas as filiações, se os interessados não se manifestarem.” (GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral, 14ª Ed. 2018, p. 142)

Nesse sentido, trago aos autos decisão deste Tribunal Regional Eleitoral enfrentando situação semelhante:

RECURSO ELEITORAL. ELEITOR. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. CANCELAMENTO DE DUAS FILIAÇÕES SUB JUDICE. PRELIMINAR DE OFÍCIO. NOTIFICAÇÃO. MÉRITO. DUPLICIDADE DE FILIAÇÕES. SIMULTANEIDADE. MESMA DATA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. 1. Preliminar de ofício. No sistema processual vigente, é exigível a notificação de que cuida o art. 23 da Resolução TSE n. 23.596/19, pois eventual negativa de ciência dos interessados macularia o devido processo legal por não oportunizar o contraditório e a ampla defesa. Contudo, devidamente demonstrada nos autos a implementação das notificações dos interessados expedidas pelo TSE, nos termos do disposto no art. 23 da Resolução TSE n. 23.596/19, havendo indicação processual expressa, em diferentes oportunidades, quanto a sua real ocorrência. Embora notificados, o eleitor e as agremiações envolvidas permaneceram silentes, tanto no curso do processo como quando intimados da sentença. 2. Insurgência contra decisão que determinou o cancelamento, no Sistema FILIA, da situação das duas filiações sub judice em que se encontrava o eleitor. O suporte normativo regente estabelece que, havendo coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo a Justiça Eleitoral determinar o cancelamento das demais, nos termos do parágrafo único do art. 22 da Lei n. 9.096/95. 3. Comando legal inaplicável à espécie. O contexto fático dos autos demonstra o cancelamento, requerido pelo eleitor, de sua filiação partidária. Alguns meses após, houve nova filiação ao mesmo partido político, concomitante ao pedido de ingresso em terceira agremiação. Caracterizada a duplicidade de filiações, não havendo como afirmar qual delas seria a mais recente, uma vez que ambas são de mesma data. 4. Confirmada a simultaneidade, e ausente qualquer manifestação das partes, deve ser mantida a sentença que cancelou as duas filiações, por ausência de elementos para aferição de qual a mais antiga. 5. Provimento negado. (TRE-RS - REL: 060002205 ALEGRETE - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 28/07/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 31/07/2020) Grifei.

Por outro lado, ainda que no recurso dirigido a este Tribunal a recorrente afirme que “não reconhece” a filiação ao MDB (ID 456620280), nos embargos de declaração que opôs à sentença em primeiro grau consta que “por algum erro da agremiação MDB, juntaram ficha da mesma data do dia 06, porém era de período anterior”. (ID 45661867) 

Dessarte, ressai que a recorrente assinou ficha no MDB. Se o partido registrou a filiação no sistema eletrônico próprio (FILIA) em data posterior a essa assinatura é circunstância que não há de ser invocada perante a Justiça Eleitoral, já que diz respeito à relação da recorrente com a agremiação partidária, especialmente fora dos prazos estipulados para manifestação.

Saliente-se que para a própria integridade do processo eleitoral e da fidelidade partidária, mister se faz impedir que os interessados em concorrer às eleições possam se filiar em mais de um partido político simultaneamente, vindo, posteriormente ao prazo de filiação, optar por aquele que lhe for mais conveniente e, com isso, esvaziando o sentido da lei que prevê data fatídica para a filiação, não sendo possível aceitar, por consistir em conduta contrária à norma.

No ponto, colaciono a seguinte decisão exarada pelo TRE-SP, que se amolda ao tratado no caso em apreço:

EMENTA RECURSO ELEITORAL. DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. SENTENÇA QUE DECLAROU NULAS AS FILIAÇÕES OCORRIDAS NA MESMA DATA, CANCELANDO–AS. MÉRITO. DUPLICIDADE DE FILIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE SE AFERIR QUAL DAS DUAS É A MAIS RECENTE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 22, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 9.096/95 E DOS ARTIGOS 22 E 23 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.596/19. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO AO PARTIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TRE-SP – REl: 0600043-28.2020.6.26.0009 ANDRADINA – SP 060004328, Relator: Marcelo Vieira de Campos, Data de Julgamento: 10/09/2020, Data de Publicação: 17/09/2020)

Desse modo, entendo que andou bem o magistrado a quo ao determinar o cancelamento no Sistema FILIA da situação das duas filiações sub judice, visto que após obedecer ao procedimento determinado pelo art. 23 da Resolução TSE n. 23.596/2019 chegou ao final do processo sem ter elementos suficientes para determinar qual das filiações era a mais antiga.

Assim sendo, o acervo probatório demonstra que a eleitora efetivamente teve filiação com as duas agremiações partidárias simultaneamente, devendo ambas serem canceladas, na forma determinada na sentença.

Em conclusão, entendo que o recurso não comporta provimento, impondo-se a manutenção integral da sentença recorrida.

Ante o exposto, VOTO por afastar a matéria preliminar e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de GISELE RODRIGUES BATISTA.